Ex-ministro disse que petista deu “sinal importante” em evento na reta final da campanha
Valor
O mercado financeiro reage com alta às pesquisas eleitorais favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro (PL) porque “se preocupa com ‘os autointitulados desenvolvimentista do PT’”. Mas, em um eventual governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve adotar uma política macroeconômica responsável, como em seu primeiro mandato.
Essa é a interpretação do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, em entrevista ao Valor, à alta da Bolsa e queda dos juros ocorrida até a semana passada, quando algumas pesquisas indicaram um estreitamento da distância entre Lula e Bolsonaro.
“Existe uma preocupação grande por causa da experiência com o governo Dilma Rousseff e com as declarações de membros dessa corrente desenvolvimentista, entre aspas, de que o governo Dilma não deu certo porque foi sabotado e, agora, com a liderança do Lula, daria certo”, afirma Meirelles. “Acredito que o mais provável é que o Lula repita, caso eleito, o primeiro governo dele, principalmente do primeiro mandato, que deu muito certo.”
O ex-ministro diz que Lula deu um sinal importante na direção da sua política econômica em evento na PUC de São Paulo na segunda-feira. “Naquele evento, falamos eu e o Persio Arida”, afirma ele. “Ambos dentro de um ponto de vista liberal. Aquilo me parece uma indicação clara de direção.”
Questionado se aceitaria participar de um eventual governo Lula, ele voltou a dizer que não discute hipóteses. Mas revelou que recebeu recados indiretos. “Houve pessoas, não necessariamente intermediários, com boas relações com o presidente, comigo, com o PT, que já me disseram: ‘fica preparado’”, disse. “Mas não é uma coisa direta.”
Para o ex-ministro, é possível acomodar alguns gastos sociais no próximo ano, de forma limitada, como a extensão do auxílio emergencial de R$ 600. Mas, ao mesmo tempo, seria preciso enviar ao Congresso e aprovar em 2023 uma reforma administrativa para abrir espaço fiscal. Para ele, algumas das promessas de Lula devem ser cumpridas ao longo de seu eventual governo.
O ex-ministro se disse favorável a um ajuste no teto de gastos, para permitir que o limite de despesas seja corrigido pela inflação mais um aumento real, algo como 1%. Mas apenas nos anos em que a economia crescer. Para ele, o governo não deveria ter meta de superávit primário, porque não tem controle sobre as receitas, que caem quando a economia é atingida por choques.
Meirelles concedeu a entrevista ao Valor de manhã, antes de o ministro da Economia, Paulo Guedes, atacá-lo em evento em Minas Gerais. “Ele fez um teto e fica reclamando ‘estão furando meu teto’. Agora, já anunciou que vai furar no primeiro ano de governo. Nós furamos o teto porque foi muito mal construído. Meirelles nem economista é”, disse Guedes. Procurado pelo Valor, Meirelles informou que não iria se pronunciar sobre a fala de Guedes.
Na entrevista, porém, Meirelles criticou a política econômica do governo Bolsonaro. “O que vemos é um discurso liberal, na linha correta, porém uma prática muitas vezes oposta a isso.”
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Nas últimas semanas, o mercado financeiro subiu quando as pesquisas mostraram uma maior chance de vitória eleitoral do presidente Bolsonaro. Esse seria um recado de que a política econômica do ex-presidente Lula é menos confiável?
Henrique Meirelles: É o recado de que o mercado se preocupa com os autointitulados desenvolvimentistas do PT. Existe uma preocupação grande por causa da experiência com o governo Dilma e com as declarações de membros dessa corrente desenvolvimentista, entre aspas, de que o governo Dilma não deu certo porque foi sabotado e, agora, com a liderança do Lula, daria certo. O mercado não acredita nisso, como eu também não. Por outro lado, acredito que o mais provável é que o Lula repita, caso eleito, o primeiro governo dele, principalmente do primeiro mandato, que deu muito certo. Foi um governo em que a economia cresceu 4% em média durante oito anos e criou 11 milhões de empregos. Eu participei diretamente disso, próximo, junto, como presidente do Banco Central.
Estamos vivendo uma política de aumento do tamanho do governo, aumento de gastos públicos”
Valor: Não seria um sinal de que o mercado acredita que a economia num eventual segundo governo Bolsonaro seria melhor?
Meirelles: O que vemos é um discurso liberal, na linha correta, porém uma prática muitas vezes oposta a isso. Estamos vendo isso com o orçamento secreto, as emendas do relator, a PEC Kamikaze. Estamos vivendo uma política de aumento do tamanho do governo, aumento de gastos públicos. Apesar de entender a preocupação do mercado, discordo dela. Temos um crescimento baixo, um discurso liberal grandioso, na direção correta, só que a prática com dificuldades de executar, ou por falta de poder da equipe econômica ou pelo poder cedido, por forças das circunstâncias, ao Congresso.
Valor: Que mensagem que o ex-presidente Lula procurou passar no evento do Teatro Tuca, na PUC?
Meirelles: Ele sinalizou um governo aberto no evento no Tuca. A própria definição de quais economistas presentes no evento iriam falar foi uma mensagem claríssima. Naquele evento, falamos eu e o Persio Arida. Ambos dentro de um ponto de vista liberal. Quando Lula fez seu discurso, ele se referiu a mim, voltou-se para mim, falou o meu nome. Fez isso várias vezes. Aquilo me parece uma indicação clara de direção. Não é um anúncio oficial. Acho que só teremos isso quando tivermos as definições concretas do ministério. Mas, em dito isso, acho que essa indicação foi bastante clara.
Valor: Se convidado, o senhor vai se integrar a equipe econômica de um eventual governo Lula?
Meirelles: Em 2002, em havia decidido sair da presidência de uma instituição financeira internacional, voltar ao Brasil e disputar o parlamento. Em julho, fui procurado por um emissário do então candidato Lula, que me disse que seria importante eu ficar disponível para, eventualmente, ser convidado a ser presidente do Banco Central. Para isso, teria que renunciar à candidatura e sair do PSDB. O que eu disse é que não tomava decisões baseadas em hipóteses. Desejei boa sorte na candidatura de Lula e disse que, se depois eles quisessem conversar, estaria disposto. Passou a eleição e, em novembro, quando estava em Washington, recebi um telefonema me convidando para encontrar em Washington com Lula, que estava fazendo a sua primeira viagem internacional depois da eleição. Fui a Washington, e ele me perguntou se tinha condições de resolver o problema brasileiro da época, que tinha uma dívida externa alta e poucas reservas internacionais. Disse que era possível e expliquei como. Lula perguntou se eu aceitaria ser presidente do Banco Central. Disse que aceitaria, com algumas condições, e negociamos a independência do Banco Central. Em resumo, frente a um movimento concreto, negocio as condições e tomamos a decisão.
Valor: E agora, o senhor já recebeu algum sinal de algum emissário antes da eleição, como em 2002?
Meirelles: Houve pessoas, não necessariamente intermediários, com boas relações com o presidente, comigo, com o PT, que já me disseram: “fica preparado”. O mesmo tipo de coisa, fica preparado, quem sabe pode acontecer de ser convidado para um cargo no governo. Mas não é uma coisa direta, oficial.
Valor: O que será necessário anunciar no pós-eleição para conquistar a confiança dos agentes econômicos, no caso de vitória de Lula?
Meirelles: A primeira coisa é anunciar um programa de responsabilidade fiscal e social. Pela minha experiência, em São Paulo e no governo federal, tenho a ideia de como fazer, embora reconheça que a maior parte das pessoas, inclusive as equipes dos candidatos – dos dois – não têm uma noção muito clara de como fazer isso. Seria inevitável, e correto, manter o Auxílio Brasil em R$ 600. As famílias precisam. No Orçamento, está R$ 400. Essa diferença custa, só em 2023, R$ 53 bilhões. Precisa, antes de mais nada, criar uma excepcionalidade no Orçamento de 2023 para essas despesas e também para outras despesas que sejam absolutamente necessárias, mas de uma forma muito restrita. E liderar um processo de negociação para aprovar uma reforma administrativa séria, como aquela que fizemos em São Paulo. Com o resultado da reforma administrativa, entramos em 2022 com saldo orçamentário der R$ 53 bilhões. Existe espaço para isso no governo federal. Uma reforma administrativa pode gerar um espaço enorme para os próximos anos, a partir de 2024, partindo do pressuposto de que se consiga aprovar essa reforma em 2023. Daí teremos o necessário para investimento em infraestrutura, para os programas sociais prometidos pelo candidato, para a recomposição de remuneração do funcionalismo público, que é necessária. O importante é abrir a excepcionalidade, mas já apresentar a proposta de reforma administrativa, de maneira que mantenhamos as despesas estabilizadas, segundo o teto de gastos, para os próximos anos. Evidentemente, temos que ver aí exatamente se é necessário um pequeno ajuste no teto. Um compromisso numérico para frente. Um teto ajustado pode conseguir isso, como conseguiu em 2016 e 2017. O importante é que não só se façam obras, programas sociais. O melhor programa social que existe é o emprego. O país precisa crescer para gerar empregos. E, para isso, precisamos ter estabilidade fiscal, uma queda da inflação e dos juros. Tudo começa com a austeridade fiscal. Não precisa anunciar agora, porque é um pouco mais complexo, mas são necessárias as reformas de produtividade, como a tributária.
O que foi desmoralizado foi a política fiscal, porque [o governo] achou todas as formas possíveis para driblar o teto”
Valor: O anúncio de um ministro da Fazenda respeitado seria suficiente para conquistar a credibilidade? Ou uma nova âncora? O ministro não pode ser demitido, a ancora, desmoralizada, como aconteceu com o teto de gastos?
Meirelles: O que foi desmoralizado não foi o teto, foi a política fiscal, porque [o governo] achou todas as formas possíveis para driblar o teto. O que dá credibilidade, confiança, e gera crescimento é uma combinação de pessoas com programa anunciado. Por exemplo, o governo inglês dos últimos 40 dias da Liz Truss foi um desastre. Agora, começa a ter um sinal de recuperação, de volta à confiança, com nomeação do primeiro-ministro Rishi Sunak. Mas não é só isso. A confiança é restabelecida junto com o anúncio de um programa econômico que retirar todos aqueles cortes insustentáveis de impostos.
Valor: O Orçamento de 2023 já prevê um déficit primário, e os candidatos estão prometendo mais coisas. Não fica mais difícil atingir o resultado primário necessário para estabilizar a dívida?
Meirelles: Não acho que terá condições de ser tudo executado em 2023. É uma promessa de governo, para quatro anos. Significa, de novo, que tem que fazer uma excepcionalidade em 2023, mas não para isso tudo, e sim para as coisas emergenciais, como o auxílio de R$ 600. E fazer a reforma administrativa e, aí sim, gerar espaço para todas essas despesas. Aí o país vai crescer, gerar emprego, e gerar arrecadação.
Valor: Não está pedindo demais da reforma administrativa, já que precisa de um ajuste fiscal estimado em 3% ou 4% do PIB?
Meirelles: Em São Paulo, mostramos que é possível fazer isso com a reforma administrativa. Não basta segurar salários. Tem que se fazer o fechamento de um grande número de empresas estatais que perderam a finalidade, que custam muito dinheiro. Agora, a massa de funcionários públicos, aqueles que estão lá, trabalhando, evidentemente tem que ser corrigido pela inflação, normalmente.
Valor: A campanha do Lula fala de responsabilidade fiscal de forma genérica e tem insistido na necessidade de superávit primário. Como deve ser a regra fiscal?
Meirelles: A regra do superávit primário tem uma dificuldade: caso ocorra, por exemplo, um hipotético agravamento da guerra na Ucrânia que leve a uma queda da economia mundial, cai a receita. No ano que vem, por acaso, terá uma desaceleração mundial, devido à alta de juros [nas economias avançadas], ao combate à inflação. E como fica a meta do superávit primário? Você tem que fazer meta do que tem poder para controlar. Não pode fazer meta sobre o que não controla, como meta sobre receita, crescimento da economia, sobre a economia mundial. Deve ter um objetivo, não uma meta propriamente, de superávit primário. E tem que ter uma meta no que controla, e ponto final. Deve fazer a reforma administrativa, para controlar despesas. As receitas, devemos trabalhar para que a economia cresça o máximo possível, gerando o maior volume possível de receitas, o maior superávit primário possível, e a queda da dívida.
Valor: Que tipo de ajuste deveria ser feito na regra do teto de gastos?
Meirelles: Pode ser feito um ajuste, mas que seja algo simples. A vantagem do teto é que é corrigido simplesmente pela inflação do ano anterior. Na época, estava correto, porque, se olhar o Brasil ao longo do tempo houve, aumento constante de gastos. Saiu de 10,8% do PIB em 1991 e chegou a 20,5% do PIB em 2016, praticamente dobrou em 25 anos. É absolutamente insustentável, não há país que aguente. A partir da hora em que fez o teto simplesmente baseado na inflação, isto é, manter a despesa constante em termos reais, você teve uma queda da despesa primária em percentagem do PIB. Por outro lado, se fixar isso ao PIB, o que acontece se o PIB cair? Você vai cortar 4% de despesa? Inviável. Corta num ano, depois sobre no outro? Não tem como fazer um samba desses com as despesas. Tem que fixar uma regra. Pode ser a inflação e alguma coisa acima da inflação, tipo 1% ou algo assim. Se o PIB estiver crescendo, não se tiver caindo. Mas não deve acompanhar o PIB. Há possibilidade de um certo ajuste dentro do razoável. Também é importante dizer, o que fica pouco claro nas discussões, que o melhor programa social que existe é o emprego. Temos que demonstrar responsabilidade social, controle das despesas, como por exemplo foi feito no primeiro governo Lula. Isso gera renda, emprego, crescimento.
Valor: Existe no PT uma demanda forte por uma reforma tributária para taxar os mais ricos. Seria possível isso?
Meirelles: Um projeto de reforma tributária amplo já está pronto, está na Câmara e Senado. Pela primeira vez em 30 anos, todos os Estados brasileiros chegaram a um acordo, numa discussão em que eu participei ativamente. É um projeto que unifica o PIS/Cofins, o IPI, o ICMS e o ISS, simplificando essa total balbúrdia tributária que existe no Brasil. As pessoas reclamam com razão, porque, segundo cálculos do Banco Mundial, esse é o maior problema para a produtividade brasileira. Faz com que produtividade esteja baixa e caindo. Em relação à justiça tributária, existe sim alguns espaços para alguns movimentos na taxação de maior rendimento, aumentar as alíquotas para rendimentos maiores. Isso é razoável se propor. Ao mesmo tempo, tem que se olhar com cuidado para não entrar em medidas que prejudicam o crescimento, a criação de empregos. Importante olhar, por exemplo, para medidas que não prejudiquem a entrada de investimentos no Brasil. Os investimentos no Brasil hoje têm um componente muito importante, nas últimas décadas, do investimento estrangeiro, devido à baixa de poupança nacional. Você não pode punir o investimento estrangeiro com a punição do lucro. É importante taxar os maiores rendimentos, sim, fazer a justiça tributária, mas olhar com muito cuidado para incentivar os investimentos, não punir.
Link da publicação: https://valor.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/10/27/para-meirelles-lula-tende-a-repetir-o-primeiro-mandato.ghtml
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