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‘Traduzir o economês era sua arte particular’

Celso Pinto me impressionou com sua inteligência e capacidade de comunicação

São lembranças e gratidão que levarei comigo para sempre. Tinha escrito um dos primeiros artigos da minha carreira, ainda como estudante de doutorado de economia, e recebi a ligação de um jornalista já muito respeitado e influente. Não lembro como Celso Pinto soube do artigo nem como me encontrou no exterior. sua influente coluna relatando as conclusões do meu “paper”, um dos artigos da minha tese, sobre taxas de câmbio e a correção de defasagens cambiais, numa amostra grande de países. A coluna relatava para o leitor do jornal, de forma impressionantemente simples, mas ao mesmo tempo acurada e profunda, o artigo e suas consequências. A coluna fez a manchete da primeira página do jornal, o que era comum com o que Celso escrevia e noticiava.

Impressionaram-me a inteligência e a capacidade de comunicação de Celso Pinto. Mas também me impressionou a forma como me tratou, um jovem desconhecido, com menos de 30 anos: com o respeito e amizade que mantinha com todos que o conheciam. Não à toa era reconhecido como um dos melhores e mais relevantes jornalistas do país.

Essa interação deu início a uma relação que continuou por muitos anos. Me formei, trabalhei nos Estados Unidos os primeiros anos da minha carreira. Conversava frequentemente com Celso Pinto, às vezes apenas para trocar ideias, bater papo, outras vezes para colunas. Visitei o Brasil, Celso me convidou para almoçar com as lideranças e donos do jornal. Lembro vividamente que no caminho passamos pela sua mesa cheia de papéis, que exalava notícias e análises. Fiquei com a nítida impressão de que a história do Brasil estava sendo narrada ali mesmo.

Voltei ao Brasil no fim da década de 90 e Celso me convidou para ser colunista do Valor, que estava sendo criado naquele momento. Ele foi seu primeiro diretor. A criação do jornal foi muito importante, fruto do esforço de Celso, entre outros. Poucos podem creditar um legado de tamanha relevância no país. Tenho orgulho de ter assistido esse nascimento de perto, de importância única no país, na companhia de Celso Pinto.

Traduzir o “economês” era uma segunda natureza do Celso, sua arte particular.

Quando fui convidado para ser diretor do Banco Central, deixei de escrever a coluna, não era mais possível comunicar fora dos instrumentos formais da instituição. Mas o treino e o esforço em escrever “em português claro” foram muito úteis na vida pública, inclusive quando fui convidado a assumir a presidência do BCB muitos anos depois.

De fato, com Celso Pinto, aprendi como comunicar de forma mais simples e direta conceitos supostamente complexos, ditos técnicos. Mas, mais importante, aprendi a necessidade de comunicar, na linguagem comum ao próximo, elemento fundamental para a tolerância, algo escasso no mundo de hoje.

Celso foi crucial para a minha carreira. Serei grato eternamente.

Fonte: Valor Econômico

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Ilan Goldfajn