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Risco de uma abertura prematura em São Paulo

O momento de reabrir é quando condições concretas assim o permitirem; não devemos jogar fora ganhos obtidos até o momento

covid-19 representa o maior desafio sanitário do último século, com impactos devastadores na vida dos cidadãos brasileiros. Diante da inexistência de vacina e de protocolos seguros para a cura, o distanciamento social é a única estratégia capaz de conter a disseminação da doença, evitar o colapso do sistema de saúde e minimizar o número de infectados e de vítimas da pandemia.

As autoridades estaduais e municipais passaram a adotar o distanciamento social há mais de dois meses, apesar da resistência explícita da Presidência da República, e com vários graus de rigor e de aceitação pela população. Dado o enorme desafio representado pela covid-19, acreditamos que as autoridades só devam relaxar as medidas de distanciamento social quando as condições objetivas o permitirem, representadas por uma clara tendência de queda dos casos de contágio e óbitos, num contexto de ampla disponibilidade de testagem do vírus.

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Baixo movimento de consumidores na Rua Ladeira Porto Geral, área de comércio popular no centro de São Paulo Foto: Felipe Rau/ Estadão – 18/3/2020

Em São Paulo, os índices de distanciamento têm oscilado em torno de 50%, acima do índice de outras regiões, mas abaixo do desejado. O governo tem atuado para elevá-los, tendo inclusive levado à antecipação de feriados, e cogitado a necessidade de decretar um “lockdown” (distanciamento forçado, mais rigoroso).

O governo de São Paulo anunciou, no dia 27 de maio, um plano (Plano São Paulo), cuidadosamente elaborado e competente, para a reabertura gradual da economia, usando critérios técnicos para a sua implementação e acompanhamento. Seu objetivo é a retomada ordenada e gradual das atividades sociais e econômicas. No entanto, não obstante a qualidade do plano, os ainda elevados, e talvez crescentes, casos de contágio e de óbitos pela covid-19 têm provocado incerteza e dúvidas quanto à conveniência do relaxamento no atual estágio do combate à pandemia.

A recente experiência internacional fornece vários exemplos preliminares de sucesso, mas também de fracasso, nos planos de abertura das economias. Reaberturas prematuras, quando as taxas de contágio, de ocupação de UTIs e de mortes ainda estão em aceleração são sucedidas por medidas mais severas de afastamento social, que duram mais tempo, com maior número de mortes.

A partir do momento em que fica clara a tendência de queda no número de mortes e de contágio, as aberturas têm mais chances de sucesso, mas não podem prescindir de ampla política de testagem. Os testes e os métodos de monitoramento permitem identificar e isolar indivíduos contaminados, mesmo que assintomáticos, e sua rede de contatos. Esses sistemas de testagem, se bem organizados, podem substituir em parte o papel cumprido atualmente pelo isolamento social.

Os indicadores do atual estado da epidemia sugerem que ainda não atingimos as condições necessárias para colocar o plano em execução. Não há evidência clara de desaceleração consistente do número de casos e de mortes. Ademais, o Brasil é um dos países que menos testam no mundo, e a situação não é diferente em São Paulo. A flexibilização do distanciamento social requer um amplo esforço de testagem da população. Na ausência destes pré-requisitos, a reabertura do Estado de São Paulo é prematura.

Nessas condições, o risco de fracasso é elevado. O combate à covid requer determinação e perseverança. Acreditamos que este mesmo plano anunciado possa ser implementado com sucesso, mas no momento adequado. Recuar antes da hora pode acarretar uma segunda onda da doença devastadora, levando a um crescimento no número de mortes pior do que o quadro sério que hoje testemunhamos. O momento de reabrir São Paulo é quando as condições concretas assim o permitirem. Não devemos jogar fora os ganhos obtidos até o momento.

Fonte: Estado de SP

*Affonso Celso Pastore, Ilan Goldfajn; Marcos Lederman; Cristina Pinotti; Angelica Queiroz; Daniel Gleizer; Fernando Reinach 

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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