Entrevistas

Luiz Fernando Figueiredo: “Brasil não cresce há 15 anos. Isso é um crime”

CORREIO BRAZILIENSE

A confusão em torno do Orçamento de 2021, que abre uma infinidade de crimes de responsabilidade fiscal, é apenas a ponta do iceberg para os problemas fiscais do país, que estão cada vez mais graves e fazem o dólar subir e os juros futuros dispararem. O alerta é do economista Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e CEO e sócio da gestora de recursos Mauá Capital. Para ele, mantido o quadro atual, o país vai trilhar, rapidamente, o mesmo caminho da Grécia, que foi obrigada a adotar medidas duríssimas, como cortes de salários e de aposentadorias em mais de 30%. No entender dele, não é mais possível o Estado custar 40% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto, na média dos países emergentes, essa relação varia entre 15% e 20%.

Esse inchaço, inclusive, é um dos motivos para o baixo crescimento econômico do país. “O Brasil não cresce há 15 anos. Isso é um crime. O país está, de tal maneira, sufocado. Nesse mesmo período, o mundo cresceu entre 3,5% e 4% ao ano. O Brasil ficou absolutamente para trás, o que só contribuiu para aumentar a pobreza e as desigualdades sociais”, lamenta. Na avaliação de Figueiredo, os gastos com a pandemia do novo coronavírus foram necessários, tanto que quase todos os países fizeram pacotes fiscais, e muitos até maiores do que o brasileiro. Contudo, é preciso enfrentar a realidade e as consequências do aumento elevado do endividamento público, que já está em 90% do PIB. Por isso, não é possível mais aventuras no Orçamento. “Nesse processo, todo mundo ficou mais pobre. O brasileiro ficou, em média, de 20% a 25% mais pobre. Todos, inclusive, a arrecadação pública, perderam”, afirma.

Com a antecipação dos debates eleitorais e independentemente de quem vencer para a Presidência da República em 2022, essa agenda será inevitável e vai exigir as verdadeiras prioridades do Orçamento, com um real ajuste fiscal. “Um país que gasta o que arrecada em todas as esferas públicas, 40% do PIB, não é possível que não consiga fazer um esforço que nunca fez, corte de 10% a 15% das despesas”, diz.

Figueiredo reconhece que, apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter prometido essa agenda, houve muita decepção e muitas “bolas nas costas” de integrantes do governo no ministro da Economia, Paulo Guedes. Não por acaso, o sócio da Mauá confessa que não pretende votar no chefe do Executivo nas próximas eleições. Contudo, diz que não se arrepende por ter votado contra o PT. “Eu estou muito decepcionado. Mas, infelizmente, não estamos falando do melhor candidato na ocasião. Estamos falando do menos pior”, frisa. Ele diz ainda que, apesar da polarização criada com a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao cenário político, ainda é possível construir uma alternativa de centro para 2022. A seguir os principais trechos da entrevista de Figueiredo concedida ao Correio.

 O Orçamento de 2021 aprovado pelo Congresso está à beira de um crime de responsabilidade fiscal?
Se for sancionado do jeito que foi aprovado, sim, mas não será, porque vai ser modificado. Não é apenas uma questão de crime de responsabilidade, é um Orçamento inexequível. Claro que tem crime de responsabilidade, sim. Mas não é um crime de um do governo, veio do Congresso dessa forma. O governo tem que reagir do jeito que é possível, e me parece que está se chegando a um entendimento para que isso (a sanção) não aconteça.

Sempre se falou que o Orçamento do Brasil era fictício, mas, agora, chegamos ao extremo. Isso não é um perigo para um país com a condição fiscal do Brasil?
A verdade é que o Brasil teima em querer resolver seus problemas por meio das consequências dos problemas. O Brasil não está, pelo menos não esteve até agora, disposto a ir na causa do problema.

E qual é a causa do problema?
A causa do problema é que o Estado é maior do que o país. O Brasil tem um Estado que custa 40% do PIB (Produto Interno Bruto). O serviço que o Estado presta é ruim, para dizer o mínimo. O Estado faz absolutamente tudo, então, quando você faz tudo, você não faz nada direito. E, simplesmente, tornou-se muito maior do que o país é capaz de aguentar. Até por isso, a gente não para de fazer deficit, porque o país não consegue gerar riqueza suficiente para pagar esse Estado. A gente vem, há 30, 40 anos, aumentando o gasto público nas três esferas. A maneira de resolver é a fácil: arrecada mais do lado privado, vai aumentando a carga tributária. Nós dobramos a carga tributária nesse período, só que isso foi para pagar gasto corrente, ou seja, para acomodar despesa. Tem um momento, porém, que fica inviável. O Brasil não cresce há 15 anos. Isso é um crime. O país está, de tal maneira, sufocado. Isso é inexorável. Enquanto o mundo cresceu, nesse período, entre 3,5% e 4% ao ano, o Brasil ficou absolutamente para trás.

E quem mais paga por isso são os mais pobres. Tanto é que se está vendo o aumento da pobreza de forma assustadora…
Não tenha a menor dúvida disso. Um país que não cresce não consegue reduzir sua pobreza. Pelo contrário, ela aumenta. Então, tem que atuar na causa, que é reduzir o gasto público. De novo: um país que gasta o que arrecada em todas as esferas públicas, 40% do PIB, não é possível que não consiga fazer um esforço, que nunca fez, de corte de 10% a 15% das despesas. O que acontece nas nossas despesas em casa? Quando precisa, a gente aperta. Em uma empresa, quando precisa, ela aperta. Só que, agora, o que aconteceu? No ano passado, o Brasil já tinha um endividamento que era o maior de todos os países emergentes. De longe, o maior: 74,3% do PIB (em dezembro de 2019). Nós enfrentamos uma pandemia, na qual o governo gastou mais de R$ 700 bilhões. É meritório esse gasto, porque muita gente ia morrer de fome. E muita empresa ia quebrar. Esse gasto não é criticado. Talvez, pode-se dizer que foi mais do que deveria. Se comparado com os países emergentes, gastou mais do que a média, é verdade. Mas o gasto em si não é criticado. Ah, vai aumentar a (relação) dívida-PIB. Mas, em um caso como esse, é um caso de guerra, paciência. É um caso de emergência absoluta. Só que, nesse processo, todo mundo ficou mais pobre. O brasileiro ficou, em média, de 20% a 25% mais pobre. Todos, inclusive, a arrecadação pública, perderam. Só que o gasto público não pode diminuir. E pior, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) diz que não pode reduzir jornada e salário (dos servidores). Mas em que mundo a gente está vivendo?

E como sair desse quadro dramático?
O Brasil, infelizmente, só age direito quando está à beira do precipício. É o nosso caso agora. Tem país que se joga no precipício de peito aberto, como a Argentina, a Venezuela, o Equador, vários outros. Mas o Brasil nunca fez isso. Eu suspeito, pelos indícios, que também não será dessa vez que o país vai cair no precipício. O que acontece é que, se mexer nas causas, se fosse fácil, já seria feito. Tem um bilhão de lobbies, que foi o caso dessa brincadeira recente com o Orçamento. Foi um monte de gente querendo emenda, e ficou um negócio inviável. Existe uma discussão que eu acho muito equivocada. Se discute o teto de gasto e quanto se pode gastar mais. Mas o que é preciso passar a discutir, que tem mérito e é razoável, é o seguinte: quais são os gastos prioritários e os menos prioritários. Quando se tem uma situação em que apareceu uma prioridade tão emergencial, eu tenho que reduzir os gastos não-prioritários. É simples assim. O mundo é assim. Só no setor público brasileiro que não pode. Tem a Constituição, o STF não deixa. É uma loucura.

A equipe econômica fez esse discurso no começo do governo, de que havia má alocação de recursos, que era preciso rediscutir os gastos. Mas passamos dois anos e meio, e nada foi feito.
Sem dúvida, esse foi o discurso da equipe econômica desde o início, e ela tentou fazer isso. Teve um sucesso razoável com a reforma da Previdência. Foi uma boa reforma. Se olharmos os gastos discricionários do governo, reduziram fortemente no primeiro ano. Mas 2020 foi o ano da pandemia. Não adianta acharmos que teríamos uma coisa radicalmente positiva de reforma estrutural. A agenda foi a da pandemia, tanto do Congresso quanto do governo. O problema foi não tratar, da pandemia para frente, as questões estruturais. Um país que está muito endividado, qualquer alternativa a mais de gastos, por conta de situações emergenciais, obrigatoriamente, precisa passar por redução de outras despesas. Um país típico emergente gasta de 15% a 20% do seu PIB, mas 40% não é possível. Nesse sentido, a equipe econômica ficou firme tentando fazer o possível. Sem dúvida, dentro do governo, há correntes contrárias, e a equipe econômica acabou levando uma série de bolas nas costas.

E, agora, estamos vendo uma disputa clara entre o presidente da Câmara, Arthur Lira, que é líder do Centrão, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, em torno o Orçamento…
Para mim, sinceramente, me parece que o Arthur Lira está mais alinhado com o Paulo Guedes do que várias pessoas de dentro do governo. Tem muita gente do governo com quem eles acertam e combinam, mas que, depois, fica fazendo o trabalho inverso no Congresso. O que me parece, sendo assim bastante sincero, é que existe muito mais um desalinhamento dentro do governo do que fora dele. Claro que o Congresso vai fazer o possível para gastar mais. As lideranças do Congresso, principalmente, o Arthur Lira, mas também o Rodrigo Pacheco não ficam muito atrás. Estão querendo, minimamente, que o Orçamento seja uma coisa organizada e que não tenha um rompante de estourar o teto de gastos. E, na minha visão, o teto é o último dos moicanos, e não é suficiente. De longe, não é suficiente (para equilibrar as contas públicas). Simplesmente, bloqueia o gasto absurdo. Mas, com o teto, a situação fiscal não está melhorando. Só está segurando para que os gastos não estourem. O que precisa ser feito é um trabalho sério de reduzir as causas dos problemas, que é o excesso de gasto público. Isso passa, também, pelo próprio volume de isenções (fiscais) que existem. São quase R$ 400 bilhões por ano. Tem que pensar no sentido amplo. As três esferas gastam 40% do PIB. Tem que reduzir isso aí. Se reduzir 5%, 10%, está resolvida a conta. Não são 30%. Em países que entraram em uma crise fiscal realmente de verdade, como a Grécia, os cortes foram brutais. Estamos falando de cerca de 30% de redução no salário das pessoas, de aposentadorias, de tudo, perda de direitos. O Brasil está adiando esse momento, mas uma hora vai chegar aqui.

Vamos nos deparar com um momento Grécia? E quando isso pode ocorrer?
Lembro que, na época da presidente Dilma (Rousseff), cheguei a dizer exatamente isso: o Brasil está no caminho da Grécia. Não vou dizer que o país está, hoje, no caminho da Grécia, porque o que foi aprovado no Orçamento, e eu tenho bastante convicção, vai ser arrumado. Mas isso não melhora a situação fiscal de jeito nenhum. Até continua piorando, num passo que ainda dá para um novo governo arrumar. Não é uma escalada enorme. E isso tudo, que muitas vezes não transparece, vai ter um custo gigantesco. É essa discussão que vem, desde agosto do ano passado, impedindo que o país se recupere. Está gerando um choque gigante. É só olhar para a taxa de câmbio, que está uma loucura. Está completamente fora do preço. Isso reflete o risco político que estamos vendo, essa bateção de cabeça que não para de acontecer. Reflete incerteza. Como a Bolsa brasileira reflete, assim como a curva de juros.

E isso trava o crescimento?
Muito, porque tem uma coisa que os economistas chamam de condições financeiras. O Banco Central atua na taxa básica de juros (Selic). Agora, o crescimento depende, a partir da taxa básica, das condições financeiras. Quando há uma situação de muita aversão a risco, que é o caso, todo mundo bota as barbas de molho. Com receio, assim, as condições financeiras ficam muito apertadas. Então, mesmo que a taxa de juros seja baixa, não é possível espalhar liquidez na economia.

O Banco Central iniciou o ciclo de alta dos juros. Isso ajudará a onter as incertezas?
Estamos falando de uma taxa de juros ainda baixa. Se o Banco Central seguir o que tem dito, ao final deste ciclo de alta, a Selic encerrará o ano entre 4% e 5% (ante os 2,75% atuais). É para lá que o BC está indo, o que, em todas as métricas, ainda mostra uma taxa de juros estimulativa. Não é excepcionalmente estimulativa. Essa capacidade o Banco Central perdeu porque tivemos choques no câmbio. E 80% desses choques são explicados pelo risco fiscal e pelo risco político. Infelizmente, o BC teve que subir os juros e, se olharmos o que está acontecendo com a inflação, essa alta é resultado desses choques, porque estamos com uma ociosidade na economia como nuncaantes vimos. Não tem como a inflação subir muito forte. Mas, se ficar levando choque, levando choque, não tem jeito.

O país registra uma combinação explosiva neste momento: inflação e juros em alta, perspectiva de recessão e desemprego recorde. Com sair disso?
Existe um problema que afeta tudo, inclusive a inflação e a política monetária, como consequência. Quando se tem muita fragilidade fiscal, a potência da política monetária perde força e fica muito mais frágil. É um pouco aquela história: nada funciona bem. É como se você estivesse supersaudável, mas fica sem se alimentar. Uma hora, as coisas começam a não funcionar bem. Você fica cansado, sonolento, não consegue manter sua atividade normal. É o que o Brasil está vivendo. Está sendo sufocado por um gasto público desproporcional.

Com a incapacidade do governo de resolver esse problema e um Congresso dominado pelo Centrão, grupo de partidos fisiológicos que gostam de gasto público, como é que fica isso?
Estamos chegando a um ponto em que essa turma toda vai perceber que, se continuar assim, todos perdem. Nas vezes em que o Brasil fez grandes mudanças, foi porque aconteceu isso. Fisiológico ou não, o Centrão sabe que, para tudo que ele almeja, é preciso andar na normalidade. E nós não andaremos na normalidade se a situação fiscal não ficar minimamente ok. Aliás, todas as vezes em que o Brasil flertou com esse problema, gerou um caos tão grande que, no final, os políticos, em geral, pararam e disseram: ‘Opa, todo mundo vai perder’. Então, vamos fazer o que é difícil. Como, inclusive, a Grécia fez.

Com o governo atual, é possível ter um lampejo de serenidade e de bom senso para fazer o que é preciso para resolver esse problema fiscal?
Infelizmente, não vejo esse lampejo de serenidade. Não acho que vá acontecer isso. O caminho mais provável é continuar com a deterioração fiscal moderada, que não joga tudo para o espaço, e o próximo governo vai poder fazer uma mudança estrutural relevante. Ou, se tivermos uma deterioração mais forte, essa verdade vai ser inescapável. Todo mundo vai fazer.

O país está com uma eleição no meio do caminho, cuja disputa já foi antecipada. Como o senhor vê essa questão eleitoral? Se o presidente Bolsonaro for reeleito, terá força para fazer os ajustes em um segundo mandato?
É muito difícil dizer. O que eu posso falar é o seguinte: se não fizer, está frito, porque vai quebrar o país. Se adiar um pouquinho, ainda dá, mas é inescapável. O governo que vier, se não fizer (o ajuste fiscal), não acabará o mandato. Para mim, é quase certo que o próximo governo, se não vier com uma agenda que dê conta da situação fiscal e do endividamento, e não cuidar disso para valer, de forma definitiva, não terminará o mandato.

Será mais um processo traumático para o país…
Sim, muito traumático. Agora, quero dizer que, na minha modesta opinião, o que o Supremo fez foi um desastre. Eu não consigo ver nem um décimo de razão nas duas decisões desastrosas do STF (que colocaram Lula de volta ao cenário político). Primeiro, a do ministro Edson Fachin, depois, a da ministra Cármen Lucia, quando ela mudou o voto na Segunda Turma. Não existe país no mundo que faça uma coisa dessas. Ou seja, coisas de cinco, 10 anos, e voltam atrás completamente. Nesse caso, foram três instâncias. É uma loucura o que está acontecendo. É brincar com o país. O Brasil é um país que não dá para se levar a sério. Imagina um investidor que compra uma concessão em leilão por 20 anos. De repente, muda e falam: ‘Não valeu’. Tem que devolver tudo. Depois dessa decisão (do Supremo), dá para dizer que isso é impossível? Não dá para dizer. A decisão do STF trouxe, a meu ver, um potencial de polarização muito grande. Então, realmente, fica muito mais a mercê de um lado muito extremo de esquerda ou de direita.

Qual sua avaliação dessa polarização para o país?
É um horror. O que o Brasil precisa é de bom senso, de tranquilidade para atuar nos seus problemas reais e poder se tornar um país que seus cidadãos merecem. O problema do Brasil é que a elite brasileira é muito ruim. Ela não deixa o nosso país prosperar. E, daí, você, hoje, tem um potencial de polarização grande. Não é certo. Estamos longe ainda das eleições. Mas ele já é grande. O STF pode voltar atrás e o Lula não estar no páreo (nas próximas eleições), mas não sabemos.

O senhor acha que há espaço para uma candidatura de centro?
Eu acho que tem espaço, sim, mas ficou mais difícil. Se tiver, é urgente que seja uma candidatura única. Não dá para ter um monte de candidatos.

Na última semana, inclusive, houve uma carta dos candidatos de centro em favor da democracia.
Eu vi, é uma boa carta. Mas eu, honestamente, não acho que a democracia esteja tão em risco assim. Mas não custa nada cuidar.

Mas estamos vendo arroubos autoritários frequentes.
Nesse sentido, às vezes, acho que subestimamos as nossas instituições. Acho que, nesse sentido, o Brasil está muito bem. Temos instituições bem fortes para segurar isso. Se teve ou não teve, pode ver que vão cortar as perninhas nessa brincadeira. Não tenho a menor dúvida. Aconteceu em outros governos, e, se houver um rompante muito forte, vai acontecer de novo.

Dá para falar em recuperação da economia? Qual é a sua perspectiva?
Acho que dá. A estatística do nosso PIB é muito difícil de entender, porque o cálculo é média sobre média, o que não quer dizer nada. No geral, o correto é olhar para o crescimento na margem, dessazonalizado, etc, para você ver se, na margem, está crescendo ou não. Não adianta olhar o crescimento de hoje contra o de seis meses atrás. É bom olhar o de hoje contra o do mês passado, contra 12 meses atrás. O cálculo da maioria dos países é sempre na margem. Aqui, a gente faz média sobre média. Por fazer esse cálculo aqui, acaba tendo um carry over, ou seja, menos crescimento no ano passado. Então, se fosse só na margem, a queda de 4,1% do PIB (de 2020) poderia ter sido menor do que foi. O carry over deste ano é da ordem de 3,6%, 3,7%. E se o país crescer menos do que 3,6%, vamos crescer negativamente na margem. Contra o finalzinho do ano e 12 meses à frente, vai ter uma pequena queda. E parece ser o caso de 2021.

O senhor acha que vai ter queda na margem do PIB de 2021?
Sim. A nossa projeção de crescimento do PIB deste ano está em torno 3%, mas eu acho que a chance de ser 2,5% é muito maior do que 3%. Tem um viés de baixa aí. E essa previsão já foi de 3,5%. A revisão aconteceu porque a pandemia ficou muito pior do que se imaginava. E isso aconteceu porque estados e municípios resolveram fazer fechamentos meia bomba já sabendo, no fim do ano passado, que a segunda onda da covid-19 seria gigante com a nova cepa. Outro erro gritante foi que, quando teve essa cepa nova no Amazonas, tinha que ter fechado o estado do resto do Brasil. O Amazonas não podia ter se comunicado com o resto do país. Ficou normal. Por conta do colapso lá, se levou muitos doentes para outros estados, o que afetou todo mundo. Por falta da preparação no final do ano para a segunda onda, que ia ser relativamente grande, houve um colapso, com mais de 3,7 mil mortes diárias, e podemos chegar ao pico de cinco mil por dia. Na margem, estamos vendo uma pequena acomodação. Alguns estados têm redução de casos, mas (a pandemia) ainda está crescendo no Nordeste, por exemplo.

O impacto disso na economia, na sua avaliação, vai ser brutal?
Por conta desse colapso (dos sistemas de saúde), estados e municípios resolveram, agora, agir direito e fecharam tudo. Isso poderia ter sido feito, por um período curto, em dezembro. Mas, como não foi feito, tivemos um monte de mortes a mais. E, agora, fechou de vez. E, quando fecha de vez, a economia para. Como o país já teria uma desaceleração grande por dois meses por conta da segunda onda, agora, esse impacto vai ser muito maior. Isso faz com que a perda de PIB seja maior do que se imaginava antes. Outra coisa é que essa própria situação de colapso gera uma queda dramática na confiança. Os índices de confiança de empresários e do consumidor da FGV (Fundação Getulio Vargas) estão caindo barbaramente. Algo que a gente nunca viu. Isso quer dizer menos propensão a consumir e menos propensão para a economia se recuperar mais à frente. Se você associa isso à bateção de cabeça sem fim do governo, flertando com o precipício na questão fiscal, é a tempestade perfeita.

E ainda temos um presidente que, apesar de tudo, mantém uma postura negacionista e estimula as pessoas a descumprirem as orientações da ciência na pandemia…
Há tanto ingrediente ruim, que eu tenho dito o seguinte: para ser pessimista com o Brasil está fácil. Não é por outra razão que eu falei o seguinte em um evento: os ativos do Brasil são o lixo do mundo. Se compararmos, nos últimos 12 meses, com qualquer país, os nossos ativos estão um horror. E tudo por questões internas. Estamos administrando muito mal tudo. E a culpa é 100% nossa.

Mas a Bolsa pode chegar em 130 mil pontos?
Sim, já esteve perto de 130 mil, recuou, mas o Ibovespa pode ir para os 130 mil pontos, sim. Vamos imaginar que todas as Bolsas do mundo estivessem a 100 mil pontos. E todas juntas sobem até 120 mil, para facilitar. E, aí, acontece a pandemia. Só que cada um foi agindo de um jeito. Resultado. Agora, as Bolsas no mundo estão entre 130 mil e 140 mil no mundo inteiro, só que teve um grupo de países, principalmente o Brasil, que foi o pior de todos, que agiu muito mal. Resultado: a nossa Bolsa chegou a 105 mil e as outras estão a 140 mil. Mas esses 100 mil pontos, estamos olhando em reais. Olha o que o real depreciou. Em dólar, a Bolsa despencou. O resultado disso é que, depois de vários anos de estrangeiros vendendo ações no Brasil, porque o país não cresce, a partir de outubro do ano passado, passaram a comprar ações no país. Não é porque o Brasil vai bem, mas é que ficou de graça em dólar. Então, o fluxo dos estrangeiros de outubro de 2020 até a última quarta-feira estava na ordem de R$ 85 bilhões. Não é pouco dinheiro.

Como avalia a carta assinada por economistas, banqueiros e empresários alertando para o grave momento vivido pelo país?
Primeiro, acabei não assinando a carta, por conta daquelas coisas prosaicas. Combinei, apoiei desde o início, mas não consegui assinar. Contudo, falei publicamente que eu apoio. Eu só não pus o meu nome. Na verdade, o que aconteceu é que todo mundo está preocupado com a austeridade fiscal. E muita gente está falando a mesma coisa. E estamos chegando a um ponto que é preciso se juntar para mostrar que é uma preocupação unânime. Não precisa nem entender muito bem de finanças públicas para ver como o quadro está ruim. Não precisa nem ser PhD, basta a aritmética básica para ver o quão ruim que está. E o pessoal se juntou para fazer uma força e teve uma série de empresários que foram conversar com os políticos para mostrar que nós estamos brincando com fogo. Desse jeito, o país vai ter um colapso. E ninguém quer ver um colapso, seja de esquerda, seja de direita, seja o que for. Ninguém quer terra arrasada. É disso que se trata a carta.

O senhor acredita no Brasil?
O Brasil é um país extraordinário. Tem uma população maravilhosa, trabalhadora, sofrida, mas alegre. O problema é que tem uma elite que não para de sugar o Estado, como o funcionalismo público. Se sou funcionário público e vejo um Estado desse tamanho, deveria ter receio de ganhar a minha aposentadoria, porque não vai dar para pagar se não fizer um ajuste antes. Tem muito direito que vai deixar de existir, porque a gente teima em não tratar do problema. Só que, de novo, quando chega a um ponto em que todo mundo perde, é melhor agir. E estamos prontinhos para chegar aí. O Brasil tem muita riqueza e tem boas oportunidades em infraestrutura, até porque não investe há muitos anos. Tem dinheiro sobrando de estrangeiro para investir em infraestrutura no Brasil, mas é preciso ter os projetos.

Estão tentando criar uma crise militar. Como vê isso?
Eu nunca vi um país em que os seus cidadãos têm tanta baixa estima. O que o brasileiro fala mal do Brasil é uma coisa impressionante, e como os nossos políticos e governantes, agentes de Estado, adoram ficar inventando problemas que não tem. E, enquanto fica inventando e tentando resolver os problemas criados por nada, o país não consegue andar para frente. E não foca no que é preciso.

Gestores de fundos de nvestimento que votaram em Bolsonaro dizem, hoje, que não votariam nele, como o Luis Stuhlberger. Ele teve a coragem de admitir que errou, e o senhor?
Eu estou igualzinho a ele.

Foi uma decepção ou já era esperado?
É difícil dizer. Porque, no início da eleição, teve gente que até me achou bolsonarista. E o que eu disse na época foi o seguinte: o que não dá é para ter o PT, porque o PT destruiu o país. E não é que o país não tenha corrupção na sua história, mas gerou o maior escândalo de corrupção do mundo. E, na própria eleição, o (Fernando) Haddad dizia que não tinha problema na Previdência, não tinha problema fiscal, como aconteceu com a Dilma. Para mim e para muita gente, com o PT, era certo que o país quebraria em cinco minutos. E, com o Bolsonaro, não era certo, ainda mais com o Paulo Guedes na Economia e o grupo bacana que ele formou na área econômica, na Infraestrutura e em Minas e Energia. Pelo menos o país não quebrou até hoje. Se você me perguntar se eu me arrependo, eu respondo: em nenhum segundo. Eu só estou muito decepcionado. Mas, infelizmente, não estamos falando do melhor candidato na ocasião. Estamos falando do menos pior. Logo que houve a eleição, antes de o Bolsonaro apontar a equipe, o índice de confiança subiu oito pontos. Isso não tinha acontecido há 10 anos, porque o risco PT saiu da mesa. Mas não era porque o Bolsonaro ia ser bom. Isso é um dado.

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