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A ruptura fiscal é inevitável?

AE News, Luiz Fernando Figueiredo e Rafael Ihara (publicado em 14/10/2021)

Ao longo dos últimos meses, vimos os ativos brasileiros incorporando um elevado prêmio de risco com a curva de juros precificando taxas de dois dígitos e o dólar caminhando em direção a R$ 6. É verdade que tivemos um temor de crise institucional e ainda vemos pressões políticas crescentes para medidas populistas. É verdade também que todas as tramitações de PEC, principalmente as de cunho fiscal, foram ruidosas. Mas a pergunta que devemos nos fazer é se no final do dia teremos de fato uma ruptura fiscal.

Primeiro, é importante ter em mente que a dinâmica fiscal segue muito melhor do que o esperado pelos analistas. A surpresa positiva do resultado primário, apenas do governo central, soma cerca de R$ 27 bilhões este ano, tendo como base a mediana esperada na Bloomberg. Se pegarmos a pesquisa do Tesouro (Prisma Fiscal), a surpresa é da ordem de R$ 128 bilhões. O fato é que teremos a dívida bruta se estabilizando ao redor de 80% do PIB, ao invés dos 90% ou 100% imaginados há alguns meses. É inegável a contribuição da inflação maior para este resultado. No entanto, também é verdade que poderíamos ter um cenário muito pior caso houvesse de fato um descontrole dos gastos públicos e o fim do teto de gastos – certamente estaríamos discutindo um cenário de dívida caminhando para 100%, mesmo com a inflação mais alta.

Apesar de todas as tentativas recentes de mudança no arcabouço fiscal, o centro reformista do Congresso e parte do governo têm evitado uma ruptura e temos visto soluções bastante razoáveis nos últimos debates. Será que a ruptura é provável nos próximos meses e anos? 2022 é ano eleitoral e naturalmente cresce o receio de medidas populistas. Mas o governo federal deveria se questionar se auxílios turbinados serão capazes de melhorar a competitividade do presidente no pleito do próximo ano, tendo em vista que mesmo com o auxílio emergencial vigente este ano temos visto a rejeição do governo testando novas máximas e um desempenho sofrível nas intenções de voto para um incumbente. Vale notar também que a escolha por mais gastos está longe de ser trivial, pois ela certamente impactará o câmbio e condições financeiras (ou seja, inflação e atividade), tornando o ambiente econômico muito mais desfavorável a uma reeleição.

Para alguns analistas, a preocupação vai além de 2022, principalmente com as declarações estapafúrdias do ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas atualmente. Aqui, questionamos se é razoável tomar essas declarações a valor de face. Vale lembrar que o governo Lula entregou um superávit primário de cerca de 3% do PIB. Pode-se argumentar que houve contribuição do cenário externo para o crescimento e consequentemente da arrecadação, mas sempre houve a opção de acabar com a meta de primário e entregar um resultado fiscal muito pior. Será que o ex-presidente esqueceu quão importante foi a consolidação fiscal e macroeconômica para a obtenção do grau de investimento e a boa performance da economia brasileira em seu mandato e do desastre que veio a seguir a partir do descontrole fiscal de seu segundo mandato e da Dilma? Por mais que ele e seu partido tenham uma visão estadista, retrógrada e autoritária.

Outro questionamento que fazemos é se não houve nenhum avanço do sistema de freios e contrapesos para evitar uma nova crise fiscal como a que vimos na gestão Dilma? Nos parece que temos um Tribunal de Contas da União (TCU) muito mais atuante. Temos visto também uma participação crescente do Instituto Fiscal Independente (IFI), apontando as inconsistências da política fiscal. Além disso, temos uma maioria de centro reformista atuante no Congresso, que de acordo com a avaliação dos nossos consultores políticos, se manterá após a eleição de 2022. Ou seja, por mais que tenhamos um presidente fiscalmente irresponsável a partir do próximo mandato, o Congresso pode conter exageros exatamente como estamos observando nos EUA. Por último, a nossa impressão é que a população tem compreendido melhor a noção de restrição orçamentária e a importância de um Estado mais enxuto – por exemplo, era impensável um candidato à presidência defender privatizações há 10 anos, enquanto hoje alguns candidatos carregam com orgulho esta bandeira.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Luiz Fernando Figueiredo