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A história da Lava-Jato e Mãos Limpas

Valor Econômico


A economista Maria Cristina Pinotti tem se dedicado nos últimos anos a estudar o tema da corrupção, analisando as grandes operações de combate ao problema na Itália e no Brasil, além dos efeitos negativos sobre a economia. Desse interesse nasceu o livro “Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas”, obra da qual Maria Cristina é organizadora – autora do capítulo mais instigante, no qual discute o impacto da corrupção sobre o crescimento e o desenvolvimento econômico, ao tratar justamente dos casos do Brasil e da Itália.

Adriano Vizoni/FolhapressPara Maria Cristina, é preciso mudar relação de custo/benefício para agentes da corrupção

Principal nome da Lava-Jato, o hoje ministro da Justiça e da Segurança, Sárgio Moro, escreve um dos capítulos, em que faz uma narrativa da operação. Luis Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), assina o prefácio. Além disso, Gherardo Colombo e Piercamillo Davigo, magistrados da Mãos Limpas, falam da sua experiência experiência com a investigação italiana.

Diretora do Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP), Maria Cristina conta na apresentação da obra de sua reação ao ler o livro “Carta a um Filho sobre Mãos Limpas”, escrito por Colombo, em que o magistrado resume o que foi a Mani Pulite. “Foi um choque conhecer em detalhes como a devastadora reação do sistema político corrupto teve êxito em alterar leis, dificultando a identificação e punição dos crimes de corrupção, ou ver a população retirar o apoio à operação, depois de tanto entusiasmo”, escreve Maria Cristina, também sócia da A.C. Pastore & Associados.

“Fiquei consternada ao concluir que não basta desvendar a extensão e os custos dos crimes de corrupção para erradicá-los: a Itália havia sido derrotada pela corrupção. Estaríamos fadados ao mesmo fim?”, pergunta ela, que desde então tem estudado e tentado entender “as entranhas da Mani Pulite – e, mais especificamente, da própria corrupção – para, quem sabe, encontrar antídotos e vacinas que ajudem o Brasil”.

Maria Cristina diz ter sempre acreditado que a Lava-Jato pode ter um desfecho diferente, “tanto por se tratar de países muito diferentes, e pelas profundas transformações ocorridas no mundo nas duas décadas que separam o início de ambas as operações, como pelas próprias lições extraídas da experiência italiana”.

No capítulo que escreveu para o livro, Maria Cristina Pinotti traça como fio condutor o debate sobre até que ponto corrupção e crescimento estão ligados. “Além dos altos níveis de corrupção, uma nova semelhança entre Brasil e Itália vem se manifestando nos últimos anos: a perda de dinamismo nas suas economias”.

Os números sobre o desempenho pífio da Itália impressionam. Segundo Maria Cristina, a origem da falta de dinamismo econômico está na queda da produtividade da economia italiana. “Depois de crescer em ritmo semelhante ao da Europa Ocidental até meados da década de 1990, se estabilizou e começou a cair a partir de 2000, voltando para níveis observados à época do início da Mani Pulite.” Ela destaca que, entre 1998 e 2016, “a produtividade da economia italiana caiu 17% com relação à alemã e 11% com relação à francesa”.

Ao comentar os motivos para o problema, Maria Cristina diz que há sinais de uma contínua deterioração de indicadores de governança da Itália em comparação aos demais países da região, como um índice sobre o Estado de direito do Banco Mundial. “A reação do sistema político italiano às investigações e punições ocorridas nos primeiros três anos da operação Mani Pulite, com o abrandamento das leis contra corrupção e lavagem de dinheiro e a forte campanha difamatória contra o Judiciário, explica muito dessa queda na qualidade da governança no país, que prejudica sua produtividade e seu crescimento econômico”, escreve ela.

Ao falar do Brasil, Maria Cristina lembra da recessão cavalar que abateu o país entre o segundo trimestre de 2014 e o quarto trimestre de 2016. Para ela, a profunda retração “foi provocada por excesso de interferência estatal na economia, por erros na condução da política econômica e pela destruição de instituições que garantiam a eficiência, a meritocracia, a livre concorrência, o respeito aos contratos e a lisura no trato do dinheiro público, entre outros fatores”.

Na visão de Maria Cristina, a retomada do crescimento só ocorrerá se forem feitas mudanças profundas para recuperar a solvência do Estado, extremamente comprometida. “A corrupção tornou-se sistêmica, corroendo a atuação dos partidos  políticos, do governo e das empresas, em volumes sem paralelo no mundo.”

Na conclusão do artigo, Maria Cristina ressalta que “a corrupção, além de minar os pilares das democracias, produz efeitos profundamente negativos sobre a economia, como indicam a experiência internacional e os casos específicos da Itália e do Brasil”. Segundo ela, na base tanto da corrupção quanto da pobreza estão “instituições incapazes de proteger o bem-estar da maior parte da população”. A economista considera, contudo, ser possível, mudar, como mostram a teoria e vários casos de sucesso – a Colômbia, no fim dos anos 1990, e da Geórgia, em 2004, seriam exemplos bem-sucedidos. “Como se trata de um crime racional, é indispensável alterar a relação entre custo e benefício dessa prática, tanto para o corruptor como para o corrupto, reduzindo a sensação de impunidade que permeia sociedades com elevados níveis de corrupção.”

Por Sérgio Lamucci

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