Artigos

O teto dos gastos e o ajuste fiscal

A ciência política não tem um bom diagnóstico, mas é fato que o sistema político brasileiro apresenta hipersensibilidade à lógica da ação coletiva. Isto é, grupos organizados conseguem com facilidade pressionar o Congresso a aprovar medidas que os beneficiam em detrimento do bem comum.

Adicionalmente, é natural em sociedades democráticas e muito desiguais que o eleitor escolha elevada carga tributária e muitas transferências. Fato que chamei no longínquo 2006 de contrato social da redemocratização: a prioridade da sociedade é equidade e não crescimento econômico.

A associação de hipersensibilidade de nosso sistema político à lógica da ação coletiva com o contrato social da redemocratização produziu trajetória crescente da carga tributária e do gasto primário.

Para que a inflação não saísse do controle, o Banco Central foi obrigado a praticar juros reais elevados. Desde 2015 estamos tentando reconstruir a estabilidade fiscal. Um item importante foi a aprovação da emenda constitucional 95 que estabeleceu um teto ao crescimento do gasto primário da União.

O teto do gasto público representa muleta que os políticos instituíram para facilitar a gestão do conflito distributivo, antes que este, mal gerido, nos jogue no abismo inflacionário.

A muleta deflagra uma série de medidas corretivas quando o teto é ultrapassado e, quando ele não é ultrapassado, há forte compressão do gasto discricionário. A compressão do gasto discricionário produz problemas em todos os setores, incentivando solução política para a fonte do problema: o crescimento continuado do gasto obrigatório à taxa superior ao crescimento da economia. Ou seja, a restrição de recursos se impõe antes que a inflação apareça.

Estamos próximos de aprovar a reforma da Previdência no Senado Federal.

No entanto, o problema fiscal persiste. Continuamos a ser uma sociedade em que o setor público estruturalmente arrecada menos do que gasta.

Penso que fica claro o acerto do governo Temer em priorizar a emenda constitucional. Após a aprovação da reforma da Previdência, ainda temos outras medidas para lidar com o desajuste do gasto obrigatório.

Bom que tenhamos a emenda constitucional 95 para nos ajudar a buscar outras soluções.

Será necessário incluir os estados e municípios na nova Previdência, bem como avançarmos com medidas que deem aos governadores e prefeitos instrumentos de gestão para lidar com situação de desequilíbrio fiscal estrutural.

Meus dois colegas de coluna — Laura Carvalho e Nelson Barbosa—, que ocupam este espaço às quintas e sextas-feiras, afirmaram que Marcos Lisboa errou quando escreveu que o gasto público se acelerou.

Segundo os colunistas, aceleração é a segunda derivada da posição, isto é, a variação da velocidade. Como a taxa de crescimento do gasto público não cresceu nos últimos anos, Marcos teria errado.

Segundo o Houaiss, a palavra acelerado tem diversas acepções. Uma é a lembrada pelos meus colegas colunistas: variação da velocidade, como aprendemos no colégio nas aulas de dinâmica, quando estudamos o movimento uniformemente variado.

Outra acepção de acelerado é “que se movimenta em velocidade; ligeiro, veloz”.

O emprego do termo está correto. A editoria da Folha de S.Paulo não terá que escrever um “erramos” para este caso.

E meus colegas economistas heterodoxos precisam consultar o dicionário antes de apontar erros em outros.

Fonte: Folha de S.Paulo, 29/09/2019

Os comentários expressos neste artigo não expressam, necessariamente, as opiniões do CDPP

Sobre o autor

Samuel Pessôa