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Reforma tributária e abertura da economia

Sem completar as reformas que levem à consolidação fiscal é impossível retomar o crescimento sustentável, mas esta é apenas uma condição necessária. Por isso, é com tristeza que assisto ao rebaixamento da prioridade da proposta de reforma dos impostos sobre bens e serviços da União, dos Estados e dos municípios, unificando-os em um IVA arrecadado no destino.

Não é a primeira vez que buscamos os benefícios do IVA. Na reforma tributária de 1966, o imposto federal sobre Produtos Industrializados (IPI) e o imposto estadual sobre Vendas e Consignações (IVC) deixaram de ter incidência em cascata, passando a ser recolhidos pelo valor adicionado. No entanto, quando foi decidido que o recolhimento do ICM (substituto do IVC) ficaria no Estado de origem, foi cometido o erro fatal para a sobrevivência do IVA.

A maior vantagem de um verdadeiro IVA recolhido no destino, sem exceções, é de ser idêntico a um imposto que incida somente na última operação. Ou seja, um IVA com alíquota uniforme de X% é idêntico a um imposto de X% sobre a venda final do produto, independentemente do número de etapas na cadeia produtiva. Ao isentar o imposto na exportação – o último elo da cadeia –, são isentados todos os recolhimentos das etapas anteriores, deixando de existir um “imposto implícito que penaliza as exportações”.

Essa é, talvez, a característica mais importante da proposta de reforma atualmente na Câmara dos Deputados, e que é superior a todas as demais. Por ser cobrado no destino, ele tem, também, a vantagem de eliminar a guerra fiscal entre os Estados, evitando o erro da proposta original dos ministros Campos e Bulhões, em 1966, que além de deixar um resíduo de incidência na exportação, era geradora de distorções na alocação regional dos investimentos.

Se o Brasil quiser crescer a taxas sustentáveis que levem ao maior aumento possível da renda per capita, é necessário aumentar a concorrência, forçando as nossas indústrias a ganhar eficiência nas exportações e na produção doméstica de bens ora importados. Mas para isso é preciso abrir a economia ao comércio internacional, que terá maior eficácia com a aprovação daquela reforma tributária. Para crescer mais, precisamos elevar exportações e importações, aumentando a inserção de nossos produtos nas correntes internacionais de comércio. Esta é a forma como todos os emergentes de maior sucesso elevaram suas taxas de crescimento.

Entre 1968 e 1973, o Brasil cresceu à taxa média de 11,2% ao ano e fez um esforço de aumento das exportações, mas ao criar subsídios fiscais e creditícios elevados cometeu o mesmo erro que incorrera na substituição de importações. Deveria ter reduzido mais as tarifas e deixado o câmbio se acomodar em um nível mais depreciado, mas preferiu o caminho dos subsídios. Além da isenção totalmente legal do IPI e do ICM na última operação, deu aos exportadores um subsídio fiscal de igual valor, ao qual somou outros de natureza creditícia. Cálculos realizados à época pela equipe da Funcex (Subsídios Efetivos às Exportações) mostram que havia subsídios efetivos superiores tão ou mais elevados do que as tarifas efetivas da substituição de importações e, mais importante ainda, eram dados em maior escala aos setores menos eficientes na utilização dos recursos domésticos, como foi demonstrado por Savazini (Export Promotion: The Case of Brazil).

À luz da moderna teoria do desenvolvimento, hoje entendemos o que explica aquele erro. Acemoglu, Johnson e Robinson nos ensinam que as instituições não são independentes dos grupos que assumem o poder e das pressões sobre eles exercida. Na busca de sua legitimação pelo crescimento – a única que poderia ser buscada por um governo autoritário – foi tomado o caminho de um distorcido sistema de subsídios às exportações favorecendo a indústria, seguido do retorno à substituição de importações no II PND. Os militares se foram, mas a prática se manteve. Depois um interregno social democrata vivemos um período de governos de esquerda que, como os militares, tinham preferência por decisões discricionárias, respondendo às demandas de nossa indústria sem nunca ter pensado nos interesses da sociedade.

Já é hora de pensarmos no Brasil!

Fonte: O Estado de S.Paulo, 10/11/2019

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Sobre o autor

Affonso Pastore