Por Daniel Duque, Virtú News
Artigo de Daniel Duque | Mestre em economia pela UFRJ e doutorando pela Norwegian School of Economics. É Head de Inteligência Técnica no CLP e pesquisador no Ibre/FGV
Daniel Duque mostra que não é necessário acabar com o teto nem criar impostos para financiar as políticas sociais. Os novos recursos teriam origem no combate aos altos salários do funcionalismo público e na reforma administrativa, no Seguro Defeso e na correção de distorções da isenção tributária da cesta básica. O gasto social pode, sim, crescer com responsabilidade, coordenação e progressividade.
O governo cogitou criar o Renda Brasil, depois falou no Renda Cidadã, mas até agora não definiu qual será o projeto de política social a ser adotado após o término do Auxílio Emergencial. Para financiar o novo programa há quem defenda a aprovação de um novo imposto sobre grandes fortunas ou uma nova alíquota máxima para o imposto de renda.
Existe, contudo, uma questão adicional. O atual arcabouço institucional incorpora a Lei do Teto de Gastos. Portanto, mesmo que seja viável aumentar as receitas, não é legalmente possível aumentar as despesas governamentais acima da inflação observada no ano anterior. Assim sendo, não é possível manter o teto e, ao mesmo tempo, financiar o novo programa social por meio de novos impostos.
Expandir a proteção contra a pobreza no Brasil é algo urgente – principalmente neste momento, em que, graças ao Auxílio Emergencial, foi possível reduzi-la aos seus menores níveis da história. Por outro lado, usar tempo e energia política para acabar com o teto de gastos, além de pouco aconselhável, é também perigoso: o perfil da dívida pública já tem piorado, como fica evidente no comportamento recente do mercado de juros, tendo havido nos últimos meses elevação das taxas futuras, encurtamento de prazos e dificuldades do Tesouro Nacional para vender títulos corrigidos pela Selic.
Manter a âncora fiscal do teto é, portanto, essencial para, neste momento, o Brasil evitar a tendência de alta indefinida na dívida pública, tendo em vista a pressão orçamentária provocada pela pandemia. Não deve haver, desse modo, uma oposição entre o teto e a expansão da política social: sem o teto, seria necessário um ajuste fiscal muito mais intenso para estabilizar a dívida, devido a maiores juros exigidos pelo mercado, tirando espaço no orçamento para qualquer despesa adicional para programas destinados aos mais pobres.
Fundo para programas sociais
O teto, portanto, restringe a possibilidade de financiar o novo programa por meio do aumento de receitas. O que pode ser feito para aumentar o orçamento das famílias mais pobres, sem tirar de trabalhadores formais com baixo salário – acabando com o abono salarial, por exemplo, algo que foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro?
Será preciso um esforço conjunto entre os três níveis de governo – federal, estadual e municipal – a fim de criar um fundo para os programas sociais.
Ao governo federal caberia destinar os recursos advindos da economia com o fim dos supersalários, a partir da aprovação do PL 6726/16, do deputado Rubens Bueno. Adicionalmente, seriam transferidos recursos do Seguro Defeso, um programa atualmente com pouca transferência e fiscalização. Por fim, seria importante contar com a economia de recursos que deverá ser alcançada como a reforma administrativa.
Já na esfera de estados e municípios, deveriam ser transferidos os recursos de toda a economia propiciada tanto pelo PL 6726/16 quanto pela reforma administrativa.
O gráfico abaixo mostra a projeção de recursos que seriam liberados com tais medidas até 2026, quando o teto de gastos será revisado. Como se vê, até 2026 haveria quantidade de recursos semelhante à do Abono Salarial
Tais recursos poderiam financiar progressivamente políticas no escopo das ideias apresentadas pelos economistas Fernando Veloso, Vinicius Botelho e Marcos Mendes, no Programa de Responsabilidade Social. De início, poderia ser criado um benefício a ser sacado por informais de duas a três vezes no ano, em caso de necessidade, junto a um programa de poupança para incentivar os adolescentes a não deixarem os estudos – hoje um dos maiores problemas da educação pública.
Para uma disponibilidade ainda maior de recursos, seria também possível corrigir distorções atuais da isenção de impostos da cesta básica, que atualmente inclui produtos consumidos majoritariamente pelas classes média e alta, como iogurtes, carnes mais nobres e peixes. Para cada R$ 1 que se deixa de arrecadar devido a essa isenção para carnes e peixes, apenas R$ 0,05 (5 centavos) beneficiam os 10% mais pobres – e isso já excluindo o que se consome fora de casa, desproporcionalmente maior para as famílias mais ricas.
Como o teto de gastos não inclui isenção de impostos como despesa, seria necessário aplicar tal correção destinada aos mais pobres por meio da devolução de imposto, o que não é considerado gasto, ficando, portanto, fora dessa regra constitucional. Como há atualmente cerca de R$ 20 bilhões anuais que deixam de ser arrecadados, uma correção progressiva poderá trazer de R$ 2 bilhões a R$ 10 bilhões de recursos. Esse montante pode ser destinado a beneficiários do Bolsa Família e a crianças que estejam no Cadastro Único – permitindo um benefício de até R$ 50 mensais.
Em resumo, não é necessário acabar com o teto de gastos nem criar novos impostos para alcançar o objetivo de expandir as políticas sociais. Com a cooperação de ajustes feitos nas três esferas do Executivo, é possível agregar recursos que permitiriam um novo orçamento para o combate à pobreza. Os novos recursos teriam como origem a economia feita a partir do combate aos altos salários do funcionalismo público e da reforma administrativa. Adicionalmente, seria incorporado o orçamento hoje destinado ao Seguro Defeso. Por fim, haveria receita adicional com a correção de distorções da isenção tributária da cesta básica. O gasto social, assim, poderá crescer com responsabilidade, coordenação e progressividade.
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