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Perspectivas para 2021

A incapacidade do governo federal de agir de modo sensato é o principal responsável pela situação dramática que vivemos

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O ano de 2020 passou, o auxílio emergencial acabou, as escolas continuam fechadas, os óbitos por covid-19 estão aumentando novamente e a vacinação começou. O que podemos esperar para 2021?

O isolamento social ainda está mais elevado do que antes da pandemia. Dados do Estado de São Paulo mostram que antes da pandemia, 30% das pessoas permaneciam o dia todo perto das suas casas numa 6ª feira típica. No início de abril, com o recrudescimento da pandemia, essa parcela disparou para 54%. Desde então, o isolamento vem caindo paulatinamente, mas ainda está em 40%, dez pontos percentuais acima de antes da pandemia. E deverá crescer novamente com o aumento do número de mortes pela covid-19, reflexo do comportamento dos brasileiros nas festividades do final de ano.

No ano passado, só foi possível evitar uma queda maior da atividade porque quase metade das famílias brasileiras receberam o auxílio emergencial. Apesar da renda média dos brasileiros não ter aumentado, houve uma grande melhoria da distribuição de renda, pois a maior parte dos beneficiários do programa, apesar de não serem pobres, ganhava até R$ 3.200 por mês. Muitos deles aproveitaram os recursos adicionais para comprar pela internet alimentos, roupas e eletrodomésticos que não possuíam, o que gerou forte efeito multiplicador. Assim, a taxa de atividade econômica começou a se recuperar a partir de maio, logo após o início dos pagamentos do auxílio. Com o fim das transferências, haverá retração desse consumo.

Muitos brasileiros de classe média que receberam o auxílio aumentaram sua poupança, assim como os mais ricos, que não puderam mais viajar nem frequentar restaurantes. Essa poupança acumulada só será gasta com o fim das medidas de distanciamento e dos óbitos. Como o processo de vacinação da população provavelmente vai se estender até o início do ano que vem, não há perspectivas de aumento de consumo por essa via. Assim, o crescimento econômico em 2021 provavelmente será menor do que o esperado.

Além disso, a classe média alta também foi bastante afetada pela pandemia. A figura mostra o comportamento da desigualdade da renda familiar per capita antes e depois da pandemia, incluindo os rendimentos do auxílio emergencial (linha de baixo) e excluindo-os (linha de cima). Podemos verificar que em 2018 e em 2019 o índice de Gini observado permaneceu em torno de 0,53 (quanto mais alto mais desigual). Mas, com o início da pandemia, a desigualdade declinou até atingir 0,47 em setembro. A partir de outubro, com a redução do valor do auxílio emergencial, ela começou a aumentar novamente, como esperado.

Mas o comportamento da linha de cima é ainda mais interessante. Ela mostra que, se não levarmos em conta o auxílio emergencial, a desigualdade teria se mantido constante durante todo o ano passado. Isso significa que, abstraindo mudanças de comportamento decorrentes do auxílio, tanto os mais pobres como os mais ricos teriam sido igualmente afetados pela pandemia. Com efeito, a renda familiar per capita entre as pessoas com ensino superior desabou na pandemia, tendo passado de R$ 4.500 no início de 2019 para R$ 3.000 em novembro de 2020, uma queda de 33% puxada pela queda nos seus rendimentos do trabalho.

A partir de outubro, a desigualdade sem auxílio começou a se reduzir, indicando uma retomada do emprego e do salário maior entre os mais pobres do que entre os mais ricos. Obviamente, uma parcela significativa dos mais pobres não está conseguindo encontrar trabalho, o que está aumentando a pobreza no Brasil. Mas tudo indica que quando as duas linhas se encontrarem (quando o auxílio terminar de vez) a desigualdade de renda terá diminuído com a pandemia.

O que pode ter causado essa grande queda no rendimento efetivo das famílias mais escolarizadas? Muitos fatores podem estar atuando simultaneamente. Em primeiro lugar, muitas pessoas formadas perderam o emprego durante a crise, mesmo as que estavam no setor formal da economia. Nesses casos, o fim do período do seguro desemprego provocou a diminuição da renda. Além disso, pode ter havido uma redução voluntária do número de pessoas trabalhando, pois um dos cônjuges pode ter optado por ficar em casa para ajudar com o ensino das crianças. Outra possibilidade é que muitas pessoas com ensino superior tinham um negócio que foi à falência por falta de demanda.

Por fim, um dos principais efeitos da pandemia está ocorrendo na educação. Com o atraso na vacinação, a maior parte das escolas permanecerão fechadas por mais um semestre, ou funcionando a meia-boca, com consequências desastrosas para as crianças, principalmente as mais pobres. É difícil acreditar que os gestores educacionais dos municípios conseguirão estabelecer os protocolos necessários para uma volta segura às aulas sem ajuda do governo federal. E o governo, se já está tendo enormes dificuldades para realizar o Enem, uma das provas mais importantes da vida para os estudantes, não vai conseguir coordenar um processo organizado de volta às aulas em todos os municípios.

Em suma, as perspectivas para 2021 são muito ruins. O fim do auxílio emergencial e a volta do vírus deverão reduzir o crescimento previsto para esse ano. Além disso, o processo de vacinação será lento e enfrentará resistências, o que prolongará o tempo necessário para atingirmos a imunidade de rebanho. Ficaremos mais tempo em casa com medo do contágio, o que afetará ainda mais a saúde mental de todos e diminuirá bastante o desenvolvimento infantil e o aprendizado das crianças.

A incapacidade do governo federal de agir de modo sensato é um dos principais responsáveis por essa situação dramática pela qual estamos passando.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/perspectivas-para-2021.ghtml

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Sobre o autor

Naercio Menezes Filho