JOTA (publicado em 22/06/2021)
Para criar confiança e mudar aos poucos, o caminho é desconstitucionalizar sem revogar
Começou a tramitar a PEC 32/2020, elaborada pelo governo. O desejo é melhorar a administração pública reformando o RH do Estado direto na Constituição.
Não quero ser estraga-prazer. Mas lembro que mais e mais normas constitucionais, como quer a PEC, costuma matar qualquer reforma. Cedo ou tarde, essas normas vão sair pela culatra.
O bom pressuposto das reformas públicas é descomplicar o direito público. Logo, mudança constitucional útil para o RH do Estado é desconstitucionalizar temas e normatizações. Isso abre espaço para, após, reformas serem negociadas com vagar no plano legal.
O preço político sobe muito quando, ao contrário, se quer fechar na própria Constituição as soluções sobre RH. Mesmo parlamentares reformistas ficam cautelosos com novidades. E cedem às mitigações e exceções, por onde entram benefícios para corporações fortes.
Aí está o problema. Como meia dose de vacina não previne doenças, essas meias novidades constitucionais acabam fracassando. Já as complicações de interesse só corporativo permanecerão firmes na Constituição. E, para tirá-las, serão necessários 3/5 da Câmara dos Deputados e do Senado, em 2 turnos. Bem difícil.
A experiência sugere outro caminho. O governo FHC fez 2 grupos de mudanças na Constituição: a desconstitucionalização econômica de 1995 (ECs 5 a 9) e a reforma administrativa de 1998 (EC 19). Os resultados da primeira foram enormes. A segunda deu em nada.
Qual a diferença? A primeira só tirou normas da Constituição. As mudanças dos modelos regulatórios ficaram para as leis. Elas viriam aos poucos. Nesses 25 anos, o saldo foi positivo. Reformas por meio de leis viabilizaram negociação, equilíbrio e cuidado nos detalhes. Facilitaram que leis posteriores corrigissem recuos, fracassos e desvios. E, democraticamente, ampliaram o espaço para os ciclos eleitorais influírem nas regras.
Já a reforma administrativa de 1998 pôs um monte de complicações na Constituição. As leis de regulamentação ficaram amarradas e não saíram. Mas as complicações constitucionais ainda estão lá. Vamos repetir o erro?
Como opção à PEC 32, a saída é desconstitucionalizar sem revogar. Isso pode gerar confiança e evitar complicações. Depois, muda-se aos poucos o RH do Estado: por meio de leis, com mais negociação e qualidade.
O que é desconstitucionalizar sem revogar? É tirar o status constitucional da regra (ou de parte dela), mas mantê-la em vigor como lei complementar nacional. A regra antiga vigorará até ser alterada com o quórum de lei complementar (metade absoluta do Congresso).
A redução do quórum para reformas de conteúdo facilita sua posterior aprovação. Uma vantagem. Os parlamentares, ao apenas reduzirem o nível normativo de uma regra, não tiram direitos de ninguém e não se comprometem com o conteúdo das reformas futuras – que ninguém sabe a quem vão agradar ou contrariar.
Logo, o ônus político de desconstitucionalizar sem revogar é mais baixo do que aprovar as complicações da PEC 32. É o caminho pró-negociação. Vantagem decisiva.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.