Valor (publicado em 06/08/2021)
O apoio espontâneo de representantes da elite econômica que surgiu ao manifesto a favor das instituições e do sistema eleitoral brasileiros pode criar o espaço para que surja uma terceira via para as eleições, na visão da economista Eliana Cardoso. Com passagem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Ministério da Fazenda, Eliana é uma das signatárias do documento, fomentado por um grupo de cerca de 30 economistas ligados ao Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), mas que contou com o endosso de mais de 17 mil pessoas até agora.
“Precisamos de um nome de oposição ao Bolsonaro que não polarize a sociedade e que possa criar uma unidade a favor da democracia, da liberdade de imprensa, e de uma sociedade que respeite nossos valores republicanos”, afirma.
Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Declarações polêmicas do presidente Jair Bolsonaro contra os outros poderes não são novidade. O que deflagrou, neste momento, esse movimento de defesa das instituições?
Eliana Cardoso: O Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), de São Paulo, e a Casa das Garças, do Rio, que são institutos irmãos, têm feito reuniões conjuntas neste momento, usando o recurso dos encontros remotos. E há discussões via Whatsapp desses grupos. Há muito tempo, há uma insatisfação crescente com a forma que este governo tomou. Essa insatisfação já era muito grande há um ano, um ano e meio. O grupo é apartidário, as pessoas não se manifestam sobre suas preferências políticas, o debate é sobre política pública – o que está sendo feito na política fiscal, quais reformas preferíveis, como anda a política monetária, como é preciso aumentar competição. Mas evidentemente que, desde a pandemia, o crescimento do desgoverno e dos horrores que o presidente tem cometido tem chamado a atenção do grupo.
Valor: Quais os pontos de crítica que são discutidos?
Eliana: Há um acompanhamento do que está acontecendo com a pandemia no mundo e no Brasil. E vemos que a administração deste governo é um horror, provoca revolta dentro do grupo. As pessoas criticam políticas inadequadas que estão sendo tomadas. Parte do descontentamento tem sido com as ‘fake news’, porque isso cria uma desconfiança. Somos um grupo que tem acesso a jornal, podemos decidir onde tem desinformação. Mas a grande maioria que está obtendo sua informação através de redes sociais é influenciada por fake news, é vulnerável. Essa inocência de parte da população é explorada pelo mau político. Então, tínhamos uma preocupação crescente com as fake news e com o fato de que o presidente faz um discurso que é antidemocrático.
Valor: Como foi mobilizar as pessoas para esse movimento?
Eliana: Não foram assinaturas procuradas, as pessoas pediram pra assinar. Ninguém solicitou assinatura. As pessoas espontaneamente, vendo o manifesto nas redes sociais pediram para também assinar. Eu acho que a sociedade está cansada, muito cansada. As ameaças do presidente às eleições são assustadoras. Ele tem preparando o caos, é um homem a quem interessa o caos. Houve ataques diretos ao
Barroso [presidente do TSE], que o grupo respeita, ele tem discurso coerente, honesto, informado. Quando Bolsonaro passou a atacar pessoalmente juízes do Supremo e do TSE, ficou muito claro o caminho que ele tá tomando. Um homem que, se for deixado livre, vai tentar destruir a democracia. Temos convicção de que, mesmo não pertencendo a nenhum partido político, a democracia é o pilar mais importante. Sem democracia, não há rotatividade do poder, e aí há autoristarismo e arbitrariedade. Num momento em que se percebeu que Bolsonaro representava de fato um ataque à democracia, alguém disse que chegou a hora de dizer basta, de falar sobre isso fora do grupo. Quem colocou o manifesto no Whatsapp foi o Ilan [Goldfajn, ex-presidente do Banco Central e diretor do CDPP]. Em menos de 24 horas, já tinha mais de 16 mil assinaturas. É claro que o manifesto está dando voz a um sentimento que não é só nosso. É da sociedade brasileira. É um sentimento da maioria da população que tem sentido que esse presidente é um homem muito mau, que mente, que promove o caos, que quer solapar as eleições.
Valor: Ao reunir tantas assinaturas em defesa das instituições, o grupo não estaria também formando um grupo de oposição ao presidente Bolsonaro em 2022?
Eliana: Eu acredito que a grande maioria é um grupo que favorece uma terceira via. Eu acredito que nós não queremos polarização. Não estamos funalizando quem será a pessoa que vai fazer oposição ao Bolsonaro e a este governo. Não sabemos quem é este nome. A terceira via ainda não apresentou um nome de consenso. Mas precisamos de um nome de oposição ao Bolsonaro que não polarize a sociedade e que possa criar uma unidade a favor da democracia, da liberdade de imprensa, e de uma sociedade que respeite nossos valores republicanos. Isso é importante não só pela importância primordial da democracia, mas também porque queremos um ambiente de menos incerteza. Incerteza traz muita infelicidade às pessoas. É muito difícil viver sem um mundo em que você já tem a incerteza da pandemia. E você coloca acima disso um presidente que provoca o caos. Há também a incerteza que prejudica o bom funcionamento da economia. Se a economia não funciona, não há criação de emprego.
Valor: A senhora acredita que o cenário de uma terceira via ganha forças, então, a partir dessa mobilização?
Eliana: Tem muitos candidatos bons, que oferecem seus nomes. Brevemente vai ter o PSDB decidindo sobre qual é o nome que vai levar para frente. Tem o [Luiz Henrique] Mandetta, tem vários outros candidatos surgindo. Acredito que esses candidatos precisam dialogoar entre si. Podemos ver quem tem mais chance de se tornar competitivo. E vários deles poderão estar dispostos a se unir e abrir mão de sua candidatura em nome do nome mais forte. Mas também espero que haja impeachment. Não perco a esperança. O presidente, sendo impedido, você remove do poder um homem que já cometeu inúmeros crimes de responsabilidade, que está sendo investigado, que tem causado enormes prejuízos ao país de todos os tipos, e que cria um ambiente de insegurança em todos os níveis. A possibilidade dele ser tornado inelegível é concreta. Se ele não for candidato, nós teremos provavelmente um processo eleitoral mais tranquilo.
Link da publicação: https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/08/06/incerteza-politica-prejudica-o-bom-funcionamento-da-economia-diz-eliana-cardoso.ghtml
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