Entrevistas

Pastore: ‘Já compramos um 2022 extremamente difícil’

Virtù News (publicado em 13/08/2021)

“A inflação saiu do controle e é possível que tenhamos uma recessão no ano que vem. As pessoas não se deram conta disso”, afirma o economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e um dos mais respeitados consultores do País. “Quando falo isso vejo do outro lado um par de olhos arregalados”.

Em conversa com o Virtù, Pastore detalha um cenário repleto de desafios para o próximo ano. “É uma ilusão imaginar que as coisas estão bem. Já compramos um 2022 extremamente difícil”, diz.  “Estou surpreso com a incapacidade de as pessoas olharem para o problema com a dimensão em sua totalidade”.

O aumento dos riscos, resultado da tensão política e da frágil situação fiscal, piora o ambiente econômico e afugenta os investimentos. Associado a isso, Pastore acredita que Jair Bolsonaro, em busca da reeleição, vai procurar maneiras para aumentar os gastos públicos, o que eleva ainda mais a percepção de risco. “Isso vai para cima do câmbio, vai para cima de juros, derruba bolsa, reduz investimentos e potencializa a retração econômica”, resume o economista.

No que diz respeito à inflação, Pastore considera que o Banco Central ficou “atrás da curva”, ou seja, tolerou a alta de preços por muito tempo e demorou a reagir por meio da elevação da taxa básica de juros, a Selic. A inflação está rodando em 9% ao ano, ante uma meta de 3,75% para este ano e 3,5% para o próximo. A inércia inflacionária tende a incentivar novos reajustes. Para recuperar a ancoragem das expectativas e reafirmar a sua autonomia, o BC terá que subir a Selic para acima da chamada “taxa neutra” — em outras palavras, os juros terão que ser elevados para um nível que freie o crescimento econômico, e, por isso, Pastore considera que haja possibilidade de ocorrer uma recessão no próximo ano. “Se o BC for de fato independente, terá que subir a taxa de juros para um nível que contraia a economia”.

É um cenário preocupante sobretudo porque o desemprego se mantém em níveis recordes e a desigualdade de renda voltou a subir.

A reação política de um governo com perda de popularidade é gastar mais, argumenta Pastore, por isso há baixa chance de haver responsabilidade fiscal. “Então é melhor não investir no Brasil. O real desvaloriza, isso acentua pressão sobre juros e crescimento”, diz. “Tenho muita preocupação com o que vem pela frente”.

O economista, contudo, pondera como positiva a reação da sociedade civil e de algumas instituições. Ele foi um dos primeiros a assinar o manifesto Eleições Serão Respeitadas. “Esse é o lado bom do que está acontecendo”, afirma. “A sociedade civil resolveu colocar limites”.

Link da publicação: https://virtunews.com.br/pastore-ja-compramos-um-2022-extremamente-dificil/

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