JOTA (publicado em 26/10/2021)
Como Bacha e Arida qualificaram minha defesa do universalismo para o direito público brasileiro
Em artigo para o blog Fumus Boni Juris, de O Globo, expus uma visão geral para orientar a construção das futuras normas e medidas de direito público. A meu ver, elas devem, primeiro, assumir o ônus permanente de provar sua necessidade e adequação; segundo, ser o mais possível universais; terceiro, ser o menos possível inseridas na Constituição.
No primeiro ponto, critiquei políticas públicas improvisadas, que se fundamentem em princípios de autoridade (como a “supremacia do interesse público”) ou se mantenham por simples inércia. Defendi a necessidade de fundamentações técnicas, prazo certo para a duração das políticas, avaliação independente e sujeição a revisões obrigatórias e constantes.
Quanto ao universalismo, minha preocupação foi com o risco de grupos poderosos ou barulhentos conseguirem privilégios por meio de exceções, isenções ou benefícios especiais.
Por fim, argumentei que a ampliação descontrolada da Constituição afeta a democracia, pois dificulta os câmbios de regras quando das alternâncias eleitorais. E traz rigidez jurídica, diminuindo a evolução das políticas públicas.
Essas ideias abriram a porta para um interessante diálogo com colegas muito qualificados.
O economista Edmar Bacha apontou para a dificuldade da postura universalista na sociedade brasileira. Sua preocupação é como pôr em prática o princípio constitucional da universalidade na provisão de serviços púbicos básicos. Perguntou: “Como, numa sociedade tão desigual como a nossa, favorecer políticas públicas universais com a necessidade de elas serem bem focadas?”. Citou o exemplo das bem sucedidas cotas e lembrou do dilema de optar entre a renda básica universal e o Bolsa Família. Por fim, reportando-se a seu livro com Simon Schwartzman, “Brasil: uma nova agenda social” (2011), arrematou: “A equidade se impõe como princípio norteador básico para alcançar a universalidade na provisão de bens públicos, numa sociedade tão desigual como a brasileira”.
Entrando no diálogo, o economista Persio Arida acrescentou: “Uma das grandes vantagens do universalismo como princípio, além de ajudar na autocontenção do Estado, bem enfatizada no seu primeiro ponto, é deslocar o ônus da prova para quem defende um tratamento privilegiado. No caso dos despossuídos, há uma razão ética a justificar uma rede de proteção social financiada pelo dinheiro dos contribuintes; o ônus da prova se limita a adequar o gasto às possibilidades orçamentárias. Mas, no caso de estamentos burocráticos, políticas industriais ou isenções tarifárias, o ônus da prova, além do componente ético, que quase sempre sopra na direção do universalismo, consiste em provar que o bem-estar da sociedade aumenta tirando dinheiro de todos para beneficiar alguns”.
Com essas ótimas ponderações, o universalismo se fortaleceu entre meus critérios para o direito público. Há bons guias para lidar com lobbies e deter a bola de neve de “regimes especiais”. E tive a prova, mais uma vez, do enorme valor da troca acadêmica aberta e generosa.
Link da publicação: O valor do diálogo acadêmico – JOTA
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