Entrevistas

‘Copom quer evitar aperto excessivo na economia’, diz Mario Mesquita

Valor

O Banco Central indicou que fará uma pausa no ciclo de alta de juros, com a Selic em 13,75%, por considerar que os efeitos do aperto monetário já realizado começarão a ser percebidos daqui para frente. Mas evitou se comprometer com essa pausa no ciclo porque há riscos vindos da política monetária americana e também da política fiscal brasileira. Essa é a leitura do economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita.

“Eu acho que, no fundo, ele está preocupado em não promover um aperto excessivo e não ter um enfraquecimento da atividade intenso demais à frente”, afirma. No cenário traçado pelo ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, haverá uma recessão nos Estados Unidos no próximo ano, que deve ser branda. De todo modo, levando-se em conta que cada ponto percentual a menos de PIB global tira um ponto do PIB brasileiro, é preciso monitorar o ambiente internacional com cautela. Além disso, ele chama a atenção para o fato de que, na América Latina, os países estão enfrentando crises também, o que não ajuda o Brasil.

Para Mesquita, o mais provável é que a Selic volte a cair no segundo semestre de 2023, e encerre o ano em 9,75%. O que pode ameaçar esse cenário é a incerteza ainda é a indefinição fiscal. “O que está embutido nas expectativas do mercado é aquela tradição brasileira de se aproximar de uma crise fiscal e sempre arrumar um jeito de evitar que essa crise acabe se materializando, mesmo que seja, por vezes, de um jeito temporário. Mas se a gente desta vez não conseguir fazer uma correção de curso de política fiscal de uma forma relativamente tempestiva, aí o espaço para relaxamento monetário pode acabar”.

Queda de juros só é viável se próximo governo estabelecer relativamente cedo o marco fiscal do país”

Outro ponto de atenção para o próximo ano, alerta o economista, é a demanda da sociedade por mais gastos, o que coloca em pauta a discussão sobre a necessidade de aumento de impostos, qualquer que seja o próximo governo. “Esse vai ser o grande debate fiscal do ano que vem”, afirma.

Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O comunicado da última decisão do Copom mudou a sua visão sobre o cenário da política monetária?

Mario Mesquita: A decisão e o comunicado vieram em linha com o que a gente estava esperando, que era a alta de 0,5 ponto, abrindo espaço para parar o ciclo na próxima reunião. Não mudou nada porque esperávamos esse cenário. Dada a incerteza que a gente tem, é razoável o Copom não se comprometer de antemão, seja com a pausa, seja com a continuação do ciclo. Nossa visão é de que ele indicou que o cenário base é uma pausa. Mas se o cenário prospectivo de inflação piorar daqui para a próxima reunião, ele pode fazer um pequeno ajuste adicional. Então, eu gostei do comunicado, achei que ele foi tão transparente quanto ele consegue ser dada a incerteza que existe.

Valor: As expectativas de inflação para 2023, assim como a inflação implícita, continuam piorando a cada semana. É hora de parar?

Mesquita: Acho que o BC deve estar pesando esses fatores [piora das expectativas] com o tanto que ele já fez de ajuste na taxa, que não é pouco, cujos efeitos apenas estão começando, e vão se intensificar ao longo do tempo. Vale notar também que parte da piora das expectativas para 2023 vem da volta das reduções de impostos que estão acontecendo agora. Acho que o BC está querendo, e é correto, analisar a inflação sem dar o peso exagerado a esses cortes de impostos, que tendem a ser temporários. É um cenário difícil, complexo, de incerteza. O BC apontou fatores de risco de alta, derivados de política fiscal basicamente, mas tem também risco de baixa de inflação, associado a perspectiva à de uma desaceleração econômica global que se avizinha e que tende a ser bem relevante. Eu acho que, no fundo, ele está preocupado em não promover um aperto excessivo e não ter um enfraquecimento da atividade intenso demais à frente. É claro que ele não deve deixar acontecer uma desancoragem das expectativas de inflação. Então, essa preocupação com o custo da desinflação procede, mas tem um limite. O limite é dado pela ancoragem das expectativas. Se elas começam a decolar, aí o BC tem que recalibrar seu plano de voo e, provavelmente, fazer mais. Mas não é o que a gente vê por ora.

Valor: O que colocaria esse cenário de fim de ciclo em risco?

Mesquita: Eu diria que o Fed é um risco. A gente espera que o Fed leve a taxa básica de juros para vizinhança de 4%. Com os últimos números que saíram nos Estados Unidos, ele até deve continuar com o ritmo de 0,75 ponto na próxima reunião e, depois, desacelerar lá na frente. Mas é possível, dado o cenário econômico inflacionário nos Estados Unidos, que o Fed tenha que subir o juro ainda mais, além de 4%, para 5%. Se isso ocorrer, aí vai ser uma pressão para um dólar mais forte no mundo. E pode ser um dólar mais forte no Brasil também, o que pode ter consequências inflacionárias. Esse é um risco relevante. A incerteza sobre política fiscal, que existe hoje em dia, é relevante também. O mercado, assim como nós, tem expectativa de queda de juros no ano que vem. Minha avaliação é que essa queda de juros só é viável se o próximo governo estabelecer relativamente cedo qual será o marco fiscal do país, quais vão ser os objetivos da política fiscal, o que será preciso fazer para atingir esses objetivos. Desde a pandemia, aumentou a incerteza em relação à política fiscal. Então, independentemente do resultado da eleição, o que a gente estará olhando é em que medida a gente consegue reduzir essa incerteza sobre a trajetória da política fiscal. Se isso for encaminhado de forma adequada, então o BC vai ter espaço para cortar juros. Se não for, talvez ele tenha até que voltar a subir. O que está embutido nas expectativas do mercado é aquela tradição brasileira de se aproximar de uma crise fiscal e sempre arrumar um jeito de evitar que essa crise acabe se materializando, mesmo que seja, por vezes, de um jeito temporário. Mas se a gente, desta vez, não conseguir fazer uma correção de curso de política fiscal de uma forma relativamente tempestiva, aí o espaço para relaxamento monetário pode acabar.

A gente precisa ter mais clareza da estratégia, quais objetivos e quais são os instrumentos [da política fiscal]”

Valor: O que seria uma solução aceitável para o mercado?

Mesquita: O que precisamos saber é se vamos voltar ao teto na versão original, se vamos para uma outra versão híbrida, que seria um teto com alguma outra meta para geração de resultado primário. Tem várias alternativas sendo ventiladas, sendo discutidas. O que a gente precisa é ter um Norte, como temos na política monetária. A gente precisa ter mais clareza de qual é a estratégia, quais são os objetivos e quais são os instrumentos. Eu acho que esse desarranjo da política fiscal decorre do choque da pandemia, foi importante naquele momento mais agudo relaxar a política fiscal. E agora a gente precisa voltar para os trilhos.

Valor: O mercado está mais condescendente com essas definições, dado que não temos hoje nenhum arcabouço vigorando?

Mesquita: Acho que, por ora, o mercado entende que no início da campanha eleitoral, dificilmente você vai ter discussões muito profundas sobre detalhes de política fiscal. O mercado entende que essa é a hora em que várias propostas são ventiladas, propostas da sociedade civil, inclusive. Mas as respostas mais claras, quem pode dar é quem estiver no governo a partir do ano que vem. Então acho que o mercado está naquele período em que ele tem preocupação, mas ele sabe que as respostas não vão chegar no curtíssimo prazo. Então ele não está reagindo muito a esse noticiário, embora ele esteja ali no pano de fundo como um elemento importante, até decisivo. Política monetária você faz no Copom. Política fiscal resulta da interação entre Executivo e Legislativo. Você implementa por lei orçamentária, por medidas que precisam ser aprovadas pelo Congresso. A gente vai ter a eleição, a formação da equipe econômica ou confirmação da equipe atual, vai ter todo aquele período de acomodação pós-eleição e então devem surgir as propostas que serão implementadas no começo do ano que vem.

Valor: Por enquanto, os sinais têm sido na direção de aumento de gastos.

Mesquita: Dado que a sociedade parece esperar do próximo governo, independentemente do resultado da eleição, a manutenção de um patamar de gastos mais elevado ou até sua expansão, é importante que ela esteja preparada também para pagar mais impostos. E não simplesmente querer e esperar que o governo gaste mais e que as futuras gerações paguem por esse gasto. Mais dívida agora, mais imposto lá na frente. Vamos lembrar que, antes do teto de gastos, o crescimento da despesa primária federal seguia um ritmo de 6% ao ano acima da inflação. Se é isso ou algo nessa direção que a sociedade espera que a gente tenha, a sociedade tem também que estar disposta a pagar por isso via aumento de imposto, e não simplesmente empurrando a conta para as futuras gerações. Esse vai ser o grande debate fiscal do ano que vem. Quando falo em arcabouço fiscal, estou falando de desenhar uma estratégia, instituições, objetivos e instrumentos e, de forma muito simples, dizer como a conta fecha. Não vale dizer que a conta vai fechar simplesmente com a mágica do maior crescimento. Acho que as pessoas não caem mais nesse tipo de narrativa, que uma mudança aqui e ali de personalidade vai gerar maior crescimento e aí as coisas se resolvem naturalmente. Esse cenário de torcida não cola.

Valor: As medidas de expansão de gastos já adotadas também impactam os ativos?

Mesquita: O que a gente viu em termos de risco Brasil e outras medidas de risco foi uma alta relevante no fim do ano passado, quando de novo alguns parâmetros de política fiscal foram alterados para dar mais estímulo. De lá para cá, parece que houve uma redução da sensibilidade. O mercado foi respondendo menos a novas iniciativas na área fiscal, por achar que, de fato, as respostas virão mais para a virada do ano. Nesta semana, o real vinha até apreciando bastante em relação ao dólar. E também a gente sempre busca explicações locais para tudo o que acontece aqui. Volta e meia, os vetores internacionais são mais importantes. O mercado tem passado nos últimos anos por períodos em que fica muito preocupado com o aperto monetário nos Estados Unidos, daí é risk-off, depois acha que o aperto não vai precisar ser tão intensos, daí é risk-on. Essas mudanças têm tido um papel muito mais importante sobre preços dos ativos do que o noticiário local.

Valor: Sobre o Fed, as bolsas americanas seguem ainda bastante resilientes, enquanto a curva de juros mostra um risco de recessão à frente. Qual mercado está errado?

Mesquita: A curva invertida nos EUA [taxas de curto prazo mais altas do que as de longo prazo], do jeito que está, mostrando que o Fed pode parar de subir os juros no final do ano e começar a cortar os juros no começo do ano que vem, parece muito otimista. A gente não vê espaço para ele parar no fim do ano, tão pouco para cortar tão rapidamente os juros. A economia americana entrou nesse processo com uma inflação alta, economia muito aquecida, mercado de trabalho muito robusto, as famílias têm um colchão de poupança extra acumulado durante a pandemia que ainda equivale a algo como 11% do PIB e elas podem usar isso para seguir consumindo por mais tempo. Então a ideia de que você vai conseguir um soft landing perfeito, sem nenhum solavanco, e já no começo do ano que vem a inflação vai cair e o Fed vai cortar o juro parece otimista. Valuation de empresas, idealmente, deve ser uma decisão de médio e longo prazo. Os melhores investidores em geral nesse tipo de ativo tem essa perspectiva. Então, tem algum excesso de otimismo nesse mercado. Mas olhando os preços, o que me parece mais estranho é essa expectativa de corte de juros.

Valor: Os números do mercado de trabalho americano na sexta-feira vieram fortes. Isso significa que o Fed pode ir além dos 4% na alta de juros?

Mesquita: Sim, é esse o risco. Uma coisa em particular que me preocupou nos números foi a queda da taxa de participação. Era de se imaginar que, com a alta de salários que está acontecendo por lá, pessoas que tinham parado de trabalhar voltassem a procurar emprego. Pelo menos na última leitura, isso não aconteceu, o que pode significar que o mercado de trabalho fique apertado por mais tempo. Também o número de vagas sobre o número de pessoas desempregadas está muito alto, bem acima do padrão histórico. Também um sinal de mercado de trabalho muito aquecido. Então, por um lado, você tem sinais de atividade econômica começando a enfraquecer nos Estados Unidos, mas o mercado de trabalho, que é superimportante para a inflação de salários e de serviços, que é componente chave para o índice de inflação, está muito, muito aquecido. É de se esperar que o mercado reveja essa ideia de que estamos caminhando rapidamente para o fim e uma reversão do ciclo de política monetária.

Valor: Você vê risco de recessão nos Estados Unidos?

Mesquita: A gente projeta um crescimento da economia americana de apenas 1% no ano que vem, o que pode incluir trimestres negativo. Então, não é uma recessão profunda. Se acontecer, é uma recessão que tende a ser relativamente suave.

Valor: Como isso afeta o Brasil?

Mesquita: Grosso modo, cada ponto percentual a mais ou a menos do PIB mundial dá mais ou menos 1 ponto percentual no crescimento do Brasil. Então, vira um vetor de baixa. Eu acho que essa lógica é algo que o nosso Banco Central está olhando. Quando ele se refere ao cenário internacional, ele está considerando que, se o mundo tiver uma recessão ou uma desaceleração mais intensa, a gente vai sentir inevitavelmente as repercussões.

Valor: A atividade do Brasil também tem mostrado resiliência. O que explica isso?

Mesquita: A gente se surpreendeu com o primeiro semestre. Teve vários fatores, um deles foram os estímulos fiscais. A gente achou que o mercado fosse reagir de forma mais intensa a novos estímulos fiscais do que ele reagiu. Então, teve estímulo de um lado, falta de reação de outro, e a atividade econômica ficou mais forte. Teve algum benefício dos preços de commodities, teve algum uso da poupança que foi acumulada na pandemia.

Valor: E qual o seu cenário para crescimento do PIB brasileiro?

Mesquita: A projeção é de 2% neste ano e de 0,2% no ano que vem. Esse cenário para o ano que vem é basicamente em função do aperto monetário e da desaceleração do PIB global, além do fato de que alguns estímulos [no Brasil] não serão recorrentes. A gente espera desaceleração no segundo semestre e no ano que vem. No cenário base, a Selic volta a cair na segunda metade de 2023 e termina o ano em 9,75%. Minha preocupação é que o BC não consiga cortar tanto. Isso, num cenário em que o arcabouço fiscal será definido.

Valor: E risco institucional? Isso também está sendo captado pelos ativos?

Mesquita: Ruído e incerteza, venham de onde vierem, nunca são bem-vindos. Eles sempre aumentam prêmios de risco e têm o seu efeito sobre preços de ativos.

Valor: Qual o seu cenário para o câmbio?

Mesquita: A gente projeta o câmbio em R$ 5,25 no fim deste ano e em R$ 5,50 no fim do ano que vem. Em parte, essa desvalorização cambial que a gente projeta para o ano que vem reflete a queda de commodities, que devem se estabilizar em um nível inferior ao atual, muito pela destruição de demanda que vai acontecer pela desaceleração do PIB mundial.

Valor: Como a situação dos países da América Latina afeta a situação do Brasil?

Mesquita: A gente está vivendo um período desafiador na América Latina. Vários países que têm meta de inflação subindo taxa de juros intensamente. Tem um aumento de incerteza sobre política econômica em geral. Está ocorrendo no Chile a discussão da nova constituição. E tem uma situação cada vez mais preocupante na Argentina. Quando um país troca de ministro duas vezes em um mês, é sinal de que os problemas estão ganhando uma dinâmica mais intensa. E uma crise na Argentina, uma recessão mais profunda por lá, não há de ajudar a economia brasileira. O próprio FMI mostrou os riscos de baixa da economia. Tem os riscos de racionamento na Europa, risco de crise de dívida em mercados emergentes, preços de alimentos altos, corroendo o poder de compra e gerando em alguns lugares distúrbios sociais e políticos, tem a guerra que não terminou. É uma conjuntura mundial bastante desafiadora, um cenário no qual o BC deve ter uma cautela adicional.

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