Folha
Será lançado nesta segunda (5), na Fundação Getulio Vargas em São Paulo (av. 9 de Julho, 2.029), às 18h30, o livro “Adeus, Senhor Portugal”, com o subtítulo “Crise do absolutismo e a independência do Brasil”. Contribuição original sobre o tema, a obra foi escrita pelo jornalista e historiador Rafael Cariello e pelo professor da Escola de Economia de São Paulo Thales Pereira.
Rafael e Thales documentam que nossa independência resultou de uma profunda crise fiscal, cujos efeitos se fizeram sentir nos dois lados do Atlântico. Como é comum na história brasileira, mas também nas histórias das nações em geral, as mudanças de regime muitas vezes ocorrem (ou são deflagradas) por uma grave crise das contas públicas.
Além de deflagrar a crise política que levaria à emancipação da América portuguesa, a crise fiscal do final dos anos 1810 ajuda a entender o motivo de o Brasil não ter se fragmentado em dois, ficando o Norte, do Piauí até o Amazonas, sob a órbita de Lisboa. No tempo dos navios a vela, a ligação do Norte com Lisboa era muito mais ágil do que a do Norte com o Rio de Janeiro: ventos e correntes contrárias tornavam quase impraticável a ligação direta por mar do extremo Norte com as capitais do Nordeste e do Sudeste.
Pressionado por ameaças militares na Europa, Portugal escolheu não dedicar parte de seus escassos recursos financeiros para organizar uma esquadra, mesmo que pequena, para defender o Maranhão e o Pará. As elites locais fiéis a Lisboa esperaram os navios-fantasmas que não chegavam, enquanto um exército relativamente pequeno e desorganizado do Ceará e outras províncias nordestinas leais ao Rio de Janeiro conseguiram manter a unidade territorial da América portuguesa.
A independência é tratada nessa nova interpretação dentro do contexto das crises fiscais que abalaram os Estados absolutistas ao longo de todo o século 18 e início do século 19. O encarecimento das guerras, fruto de mudanças técnicas, gerou forte demanda dos Tesouros sobre a receita. O setor produtivo, para aceitar a maior tributação, demandou voz e voto.
Em paralelo, novos tempos e novas ideias —o iluminismo e o liberalismo – gerariam a ideologia que iria permitir a construção de um outro regime. A ascensão de novas visões de mundo e de possibilidades de organização do poder, associada ao esgotamento fiscal do Estado absolutista, desaguou na era das revoluções.
As revoluções, aos trancos e barrancos e cada uma ao seu modo, criaram uma governança fiscal em que o poder de tributar e gerir a dívida pública passou, em um primeiro momento, para as classes proprietárias, aninhadas em uma Casa Legislativa. O elemento essencial era a promulgação de uma carta constitucional que limitasse o poder discricionário do rei.
Foi assim também em 1822, entre nós: as províncias do Nordeste somente aderiram ao Rio de Janeiro, contra Lisboa, após a garantia de uma Constituição local.
Com a gestão da dívida pública sob a responsabilidade dos próprios credores, o risco de calote caiu muito e, consequentemente, as taxas de juros sob as quais o Estado se financiava reduziram-se, permitindo níveis mais elevados de endividamento.
Mas não somente os calotes seguidos das dívidas produziram a crise final do absolutismo. A inflação, tal como hoje, afetou a todos, nos anos derradeiros do Antigo Regime no Brasil, e muito mais aos mais pobres. A perda de popularidade do rei em função da carestia, então, como hoje, é elemento central nas crises fiscais.
Rafael e Thales argumentam que nosso processo de independência é um capítulo dessa história.
Os autores também recuperam as histórias de importantes personagens desse processo político. Além dos irmãos Andrada, ganham destaque, entre outros, o jornalista liberal baiano Cipriano Barata e o fazendeiro Lino Coutinho, ambos representantes da Bahia nas cortes de Lisboa.
Impossível uma leitura melhor, no momento em que celebramos 200 anos de nossa Independência.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2022/09/nossa-primeira-crise-fiscal.shtml
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