Entrevistas

Solução é fazer reformas, não é distribuir dinheiro, diz Stuhlberger

Valor

O risco de o Brasil viver uma minicrise “à la República das Bananas”, no período pós-eleitoral, parece que ficou mais afastado, mas a volta do populismo e da gastança é uma preocupação para a economia de 2023 e adiante, diz Luis Stuhlberger, CEO e CIO da Verde Asset Management. Com o aumento do Auxílio Brasil e de outras benesses, o país parece trilhar um caminho fiscal tortuoso que pode prolongar o baixo crescimento e resultar em mais inflação.

“A solução é fazer reformas e fazer a economia crescer, não é distribuir dinheiro. É que ser contra distribuir dinheiro parece que você é um desalmado da Faria Lima, está contra pessoas pobres que estão passando necessidade”, afirma Stuhlberger em conversa com o Valor, ao lado do sócio Luiz Parreiras.

No curto prazo, o Brasil está numa situação privilegiada frente a outros emergentes, em meio ao ciclo de alta de juros nos Estados Unidos e a guerra entre Rússia e Ucrânia. O país se tornou um credor líquido de dólar, as empresas trocaram obrigações no exterior por dívida local e a balança de energia é superavitária, lista Parreiras.

A seguir, trechos da entrevista:

Valor: O senhor comentou recentemente que temia uma minicrise “à la República das Bananas”, referindo-se ao pós-eleições. Esse cenário se desanuviou?

Luis Stuhlberger: O que eu chamei de crise eleitoral de República das Bananas é o medo que todos temos de ter uma eleição muito apertada, desfavorável ao presidente [Jair Bolsonaro], e ele não aceitar o resultado, e sabe lá Deus fazer o quê. Quando disse isso, parecia algo mais forte. A impressão que a gente tem hoje é que isso é bem menos provável. Do lado macro, o que preocupa é a volta do populismo e da gastança. O país ficou refém de uma situação trazida pelo presidente atual. Vamos subir o Bolsa Família [atual Auxílio Brasil] para R$ 600, aumentar o número de pessoas no programa, reduzir o preço da gasolina, o preço da energia elétrica, cortando impostos, e vamos dar auxílio para caminhoneiros, motoristas de táxi, Uber. Esse tipo de cenário de populismo latino-americano não é uma coisa boa. Não estou dizendo que isso vá continuar, mas é preocupante, porque o Brasil não tem condição de abrir um rombo fiscal de primário de 2% do PIB. A gente sabe que funcionários públicos não têm aumentos há anos, que o salário mínimo não tem aumento real, que o número de cestas básicas que um salário mínimo compra diminuiu. Esses problemas aparecem porque o país não cresce, a pobreza se espalha. A solução é fazer reformas e fazer a economia crescer, não é distribuir dinheiro. É que ser contra distribuir dinheiro parece que você é um desalmado da Faria Lima, está contra as pessoas pobres que estão passando necessidade.

Valor: É um mau legado…

Stuhlberger: O país começa a pegar caminhos… porque resolver as coisas pelo lado positivo, que seria melhorar a educação, a saúde, a infraestrutura, tornar o Brasil mais competitivo demora anos. E essas soluções de gastar mais são mais rápidas e eficientes no começo, mas geram problemas no futuro. A solução vai ser aumentar os impostos, e os impostos que vão ser aumentados não são os que caíram. Quem vai chegar lá e dizer que a gasolina vai subir de novo, que vai recompor a carga fiscal sobre consumo que foi retirada? Quando o presidente quer baixar impostos e distribuir dinheiro, o Congresso está sempre a favor. No ano passado, a discussão da reforma tributária mostrou que não é fácil aumentar impostos porque a sociedade se mobiliza. Tem aqueles setores, como o agribusiness, que não conseguem ser tributados, que têm lobby grande no Congresso, tem problemas na discussão da ‘PJotinha’ versus CLT, nenhuma ‘Pjotinha’ quer que seus impostos subam. Tem problemas de competitividade na indústria. Não será uma tarefa fácil, mesmo com o ‘goodwill’ de um governo novo, aumentar impostos, tem certos confrontos anunciados que não sei como vão se resolver. Para resumir: o Brasil tem um problema de desequilíbrio macro gerado por muitos anos de baixo crescimento. Como é que se resolve isso, tem ‘n’ sugestões, mas quando essas sugestões passam pelo populismo… o Brasil hoje dá cheques para 99 milhões de pessoas todo mês. E crescendo, porque vai entrar mais gente. Não é possível que metade da população receba um cheque do governo. Não estou querendo ser pessimista porque, apesar de tudo isso, a nossa dívida bruta ainda está em 78% do PIB e, milagrosamente, não subiu desde o fim de 2019 por uma série de fatores. Então, não parte de um valor extremamente alto que não possa ser consertado. O que a gente espera ver dos nossos políticos e do nosso Executivo é que isso seja consertado da maneira correta e não simplesmente distribuindo dinheiro, porque isso não vai levar a nada.

Luiz Parreiras: O populismo, seja de direita, seja de esquerda, rouba do futuro para colocar no presente. Essa é a tragédia que resulta em menos crescimento e mais inflação. E a gente já viu na história do Brasil, 20 anos de hiperinflação, quem paga a conta da inflação é o pobre. Parte de um diagnóstico errado, de um sistema político todo torto.

É preciso que a economia cresça. É que ser contra distribuir dinheiro parece que você é um desalmado da Faria Lima”

Valor: O Brasil, aparentemente, está no fim seu de ciclo de aperto monetário. O BC vai conseguir vencer essa batalha contra a inflação?

Stuhlberger: Sim, porque a inflação no mundo inteiro já fez o pico, e aqui não é diferente. Praticamente, com exceção do gás natural, toda a cesta de commodities já baixou a níveis ok, mesmo o petróleo está num preço ok. A questão do equilíbrio entre indústria e serviços, que provocou alta muito grande na inflação, também já está acomodada. Pós-covid, os serviços estão voltando à normalidade. O Brasil tem uma questão em que a economia é mais indexada do que qualquer outra que a gente conheça. O normal do Banco Central é imaginar que a alta de commodities e alta de bens de consumo, do jeito que sobe, cai. A inflação que realmente vale para o Banco Central subir as taxas é a de serviços e salários. Aqui no Brasil, o canal de transmissão, devido à indexação da economia, é muito forte. Por isso acaba demandando taxa de juros mais altas do que em outros lugares do mundo. Eu acho que ainda existe um risco eleitoral razoável na inflação dos próximos anos, um risco de modelo fiscal, mas a gente tem plena consciência que o pior ficou para trás.

Valor: E o quanto a alta de juros nos EUA atrapalha o Brasil?

Stuhlberger: Juros altos nos Estados Unidos são problema para o mundo inteiro. Os Estados Unidos ainda têm um ou dois anos de ciclo de juros acima do neutro, por ser um caso quase que único de economia muito forte e pleno emprego. Para os juros caírem lá, talvez seja mais lento do que se imagina. Isso atrapalha o Brasil, mas o problema brasileiro foi tão maior que está num ciclo mais positivo.

Parreiras: Diferentemente de outros momentos, em que o juro nos Estados Unidos subia e o Brasil quebrava, lá no meio dos anos 80, começo dos anos 90, hoje o Brasil tem um benefício enorme porque não tem dívida em dólar. O governo é credor líquido em dólar, tem US$ 360 bilhões de reserva, menos swap e tal. As empresas são pouco endividadas em dólar, passaram os últimos cinco, seis anos trocando por dívida local, se beneficiaram desse aprofundamento do mercado de capitais brasileiro. Quando a taxa de juro em dólar subir, é óbvio que não é bom, o mundo vai crescer menos, atrapalha algumas coisas, mas não tem mais o risco existencial. Tem outros emergentes sofrendo com isso, mas o Brasil está particularmente bem posicionado. Quais são os preços mais importantes do mundo? A taxa de juro em dólar, a taxa do Fed, e o preço do petróleo. Nesses dois preços, o Brasil está numa situação privilegiada, não tem mais dívida em dólar, e não é mais importador de petróleo. Em grande medida é até exportador, exporta o bruto e importa os derivados, mas no líquido roda numa balança de energia com superávit. Não quer dizer que isso nos permita fazer muita bobagem.

Neste ano o S&P 500 está caindo, Europa também, e aqui o Ibovespa está subindo. Por que o ciclo brasileiro dessincronizou dessa maneira, meio maluca? Porque não tem mais essa conexão tão forte dada pela dívida em dólar e pela necessidade de importar petróleo. Então, o ano passado a bolsa brasileira caiu por quê? Porque o juro subiu muito, quebrou o teto dos gastos, teve toda a história da PEC dos precatórios, arrebentou o arcabouço fiscal do Brasil. O juro saiu de 2%, foi para 13,75%, o que desmontou o valuation de todos os ativos brasileiros. Este ano, isso já estava no preço, então o mercado brasileiro não sofreu tanto. Os ativos estavam baratos e a Petrobras sobe. Então o Brasil quebrou um pouco essa sincronia. Da perspectiva de gestor é até bom isso, porque quando tudo se mexe igual nosso trabalho é muito mais difícil. Quando as coisas se mexem diferente, dá para diversificar seu risco de maneiras mais interessantes.

Stuhlberger: Nessa nova geopolítica, o Brasil, como um celeiro de alimentos e exportador de commodities, ficou numa posição muito boa. É curioso que os políticos do centrão falam que tem que dar dinheiro por causa da guerra. Mas a guerra só beneficia o Brasil. Ela nos deixa numa situação, pelo que tem a oferecer para o mundo, extremamente privilegiada. O que andou muito nos últimos 30 anos no Brasil, com crescimento de produtividade de 4% ao ano, é o setor do agribusiness. Não estou nem falando de petróleo e de minério de ferro. Então, nisso o Brasil está bem.

Valor:Vocês estão trabalhando com o risco de recessão global?

Stuhlberger: Certamente vai ter uma recessão na Europa. E nos Estados Unidos, se tiver, vai ser coisa de um, dois, três trimestres.

Parreiras: E um crescimento chinês com bastante dificuldade.

Valor: E hoje a divisão do risco dos fundos é predominantemente Brasil?

Parreiras: Em meados do ano passado, a gente achava que o mercado lá fora estava caro. Aqui, por erros de política, as taxas de juros subiram, muitos mercados caíram bastante. Então o Brasil voltou a ficar barato no relativo. Então, a gente voltou a ter um pouco mais de risco no Brasil. Eu vejo aqui um pouco a tragédia do Brasil nos últimos anos e essa história de que desde 2014 a economia está de lado se pensar de uma perspectiva ampla. O Brasil tem um PIB per capita que praticamente não cresceu nos últimos oito anos, teve uma baita recessão, uma retomada meio fraquinha. Aí vem pandemia e agora alguma retomada, mas, enfim, há muita dúvida sobre ela. Há uma eleição super difícil pela frente. Então, é difícil você ter uma performance muito legal dos ativos aqui e das empresas etc. Não, obrigado.

Valor: Entre 2014 e 2015, a Verde chegou a devolver R$ 7 bilhões para os cotistas, sob a avaliação de que a liquidez do mercado local não comportava o tamanho dos fundos. Hoje não tem mais esse problema?

Stuhlberger: Sim, foi uma circunstância, no pior momento da crise do governo Dilma [Rousseff], que a gente realmente pensou: ‘Olha, o mercado tá pequeno’. Então resolvemos devolver mesmo. E foi uma devolução grande, de 40% do capital.

Parreiras: Naquela época, a bolsa brasileira estava negociando por dia R$ 6 bilhões, R$, 7 bilhões. Como que a gente ia ter um fundo do tamanho que tinha? Era a coisa mais certa a fazer como fiduciário do dinheiro dos clientes e devolver o capital. E aí a gente construiu essa solução da devolução de capital no âmbito do “spinoff” da Verde [com o Credit Suisse], devolvendo em três, quatro tranches. Já no primeiro semestre deste ano, a bolsa negociou R$ 40 bilhões em média.

Stuhlberger: Primeiro a Dilma foi ‘impichada’, depois veio o Temer e ele fez reformas importantíssimas. Michel Temer saiu como o presidente mais impopular da história do Brasil, mas fez reformas importantíssimas, como o teto de gastos como um símbolo da responsabilidade fiscal. Nos primeiros anos, isso fez a inflação e a taxa de juros caírem dramaticamente, o que deixou provado que esse modelo de gastar muito no Brasil acaba, no final, gerando inflação e juros mais altos. Como fica aquele modelo que o governo acelera e o Banco Central breca? Vem com taxas de juros altos. Mas, infelizmente, como o Brasil é um país de memória curta, o teto de gastos agora virou o inimigo público número um tanto do presidente atual quanto do futuro, quanto do Congresso. Não tem ninguém para defender o teto como um instrumento importante de controle fiscal, redução da dívida, como redução da taxa de juros. Então, esse benefício da redução da inflação estrutural e da taxa de juros veio e com isso veio um aumento de liquidez dos mercados e que acabou gerando esse ciclo muito bom para as empresas, de abrir o capital, de aparecerem fundos alternativos. Não estou falando das taxas de 2% da pandemia, estou falando de 6%, 6,5% com inflação aí de 3%, 3,5%, que é uma maravilha para o Brasil. Com isso, aparece um montão de produtos alternativos no mercado, fundos imobiliários, de crédito, FIPs, quer dizer, o mercado, nessa segunda derivada, que a primeira foi só multimercados e ações, acabou aparecendo uma quantidade muito grande. Tudo isso vai passando pelo mercado de capitais, cria liquidez e cria desenvolvimento. Infelizmente, a nossa memória é curta.

Valor: E hoje a avaliação de vocês é que o tamanho do fundo é adequado para a liquidez atual?

Parreiras: Apesar do momento atual de juro mais alto, houve o aprofundamento do mercado de capitais entre 2017 e 2021, com muita empresa abrindo o capital, a liquidez cresceu. Tem mais players, mais fundos, mais participantes em geral. E quer queira quer não, a liquidez lá fora é sempre um caminho. O exterior traz uma diversificação de outros instrumentos que ajudam bastante.

Link da publicação: https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/09/12/solucao-e-fazer-reformas-nao-e-distribuir-dinheiro-diz-stuhlberger.ghtml

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