Assessores de Lula, Ciro e Tebet discutem aumento de gastos sociais e responsabilidade fiscal em debate de O GLOBO e Valor
Globo
Os principais candidatos à Presidência concordam coma necessidade de redesenhar o Orçamento da União, mas têm visões diferentes sobre como equilibrar as contas pública se a manutenção do teto de gastos, regra que limita o aumento das despesas à inflação. Representantes de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) participaram ontem de um debate sobre as propostas dos presidenciáveis para a economia, promovido pelos jornais O GLOBO e Valor Econômico em São Paulo. A campanha de Jair Bolsonaro (PL) não respondeu ao convite.
Os assessores econômicos dos candidatos avaliam que o Orçamento de 2023 enviado por Bolsonaro ao Congresso com Auxílio Brasil de R$ 405, terá de ser redesenhado no ano que vem para manter os atuais R$ 600, viabilizados pela aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) no Congresso que driblou regras eleitorais e fiscais com um estado de emergência que só vale até o fim deste ano. Lula, Ciro e Tebet já se comprometeram com a manutenção dos R $ 600, mas seus economistas ontem mostraram visões diferentes sobre como abrir espaço no Orçamento para aumentar gastos sociais e investimentos públicos. O debate foi mediado pelos jornalistas Renato Andrade, diretor da sucursal do GLOBO em São Paulo, e Sergio Lamucci, editor executivo do Valor.
Equilíbrio das contas públicas e teto de gastos
Guilherme Mello, professor do Instituto de Economia da Unicamp e integrante da comissão que redige o programa de governo de Lula, afirmou que o ex-presidente pretende criar uma nova regra fiscal para substituir o atual teto de gastos. Disse que essa nova regra será “anticíclica”, o que indica mais gastos para estimular a economia, mas terá como eixos principais previsibilidade, transparência e flexibilidade.
— A ideia de que gasto público é pecado mortal não é verdade. O gasto público bem feito tem impacto enorme na sociedade — disse. — Tenho uma visão crítica do teto de gastos, mas não vou olhar para trás. Quem acabou com o teto foi o governo Bolsonaro, que supostamente o defende.
Coordenador econômico de Ciro, o professor da Universidade Federal do Ceará e deputado federal Mauro Benevides Filho (PDT-CE), também criticou o teto. Para ele, a regra atual reduz a capacidade de investimento do governo ao submeter esse tipo de gasto ao teto. E defendeu mudar a vinculação de gastos obrigatórios.
— Vincular aumento de gasto de saúde a inflação, sem nem mesmo considerar o crescimento do PIB, não faz o menor sentido —afirmou. — O teto de gastos não contribuiu para diminuir despesas obrigatórias, que são mais ou menos 85% a 90%. Essa despesa obrigatória não respeita o teto, cresce em termos reais.
Na contramão, a economista e advogada Elena Landau, coordenadora do programa econômico de Tebet, classificou a manutenção do teto de gastos como fundamental para que o próximo governo mantenha o controle das contas públicas. Para ela, o teto não impediu investimentos em saúde e educação por ter regras de flexibilização, mas foi distorcido no governo Bolsonaro com medidas como as PECs que adiaram o pagamento de precatórios e viabilizaram novos benefícios sociais às vésperas da eleição.
A economista afirmou que, se eleita, Tebet vai recriar o Ministério do Planejamento e Orçamento (fundido por Bolsonaro com a Fazenda e outras pastas na da Economia) e propor ao Congresso rever emendas constitucionais que “tornaram regras fiscais confusas”.
—Vamos manter a regra de controle de despesas. O teto de gastos foi eficiente para reduzir a taxa de juros, baixar a inflação —afirmou, lembrando a criação da regra em 2016, no governo de Michel Temer em meio à onda inflacionária iniciada na gestão de Dilma Rousseff (PT).
Reforma tributária
No debate, os três indicados dos candidatos defenderam reformas tributárias progressivas, elevando a carga de impostos dos mais ricos. Mauro Benevides, assessor de Ciro, propôs taxar dividendos e grandes fortunas. Ele calcula que, cobrar 0,5% de cada R$ 100 dos que têm patrimônio acima de R$ 20 milhões geraria R$ 60 bilhões ao ano, que poderiam ir para ações sociais. O representante do pedetista disse que a reforma tributária ideal para a campanha de Ciro tem dois pilares: maior progressividade do Imposto de Renda, com correção da tabela, e alíquotas distintas para setores econômicos.
Elena Landau afirmou que a reforma de Tebet também combateria a regressividade e proporia taxar lucros e dividendos, mas defendeu o fim de regimes especiais que beneficiam setores econômicos e da guerra fiscal entre estados. Ela afirmou que é possível uma reformas em elevar a carga tributária já alta no país, mas definiu que o objetivo principal deve ser e retornar à população pobre o que ela paga em impostos e tributar mais a renda das classes mais altas. No caso de uma reforma resultar em “qualquer ganho fiscal”, os recursos iriam para políticas sociais, investimentos em ciência e incentivos à economia verde, defendeu.
— Rico não paga imposto. Uso sempre meu exemplo — disse, definindo-se como pessoa jurídica. —Tenho vergonha da quantidade de imposto que pago. É um absurdo dentro da desigualdade brasileira.
Guilherme Mello afirmou que o programa de Lula prevê aumento da tributação sobre a renda e redução da taxação do consumo, que prejudica os pobres. E afirmou que um novo governo do PT vai tributar os “muito ricos” com, por exemplo, aumento da alíquota do imposto sobre heranças.
Privatização da Petrobras e preços dos combustíveis
Todos os assessores descartaram a privatização da Petrobras, cujos estudos foram iniciados pelo governo Bolsonaro, inclusive Elena Landau, que atuou no programa de desestatização do governo de Fernando Henrique Cardoso. Para ela, a privatização da petroleira, que classificou como a melhor estatal do país, não é uma prioridade. Num governo Tebet, a atual política da Petrobras que alinha o preço dos combustíveis à cotação internacional do petróleo será mantida, com reforço na autonomia da empresa, afirmou.
Guilherme Mello afirmou que a atual política de preços da Petrobras é uma referência, mas deve levar em conta que o país é produtor de petróleo. O assessor do PT descartou a privatização da estatal, que considera estratégica para o país:
— Os grandes países que têm empresas produtoras e que produzem refinados podem gerenciar custos para minimizar choques de preços. O PPI (política de paridade) é uma referência de custo de oportunidade para a empresa, não uma lei de ferro e fogo.
O economista do PT criticou o fato de a Petrobras ter deixado de investir em energia renovável e disse que Lula propõe que a estatal coordene a transição energética no país. Benevides afirmou que a campanha de Ciro também é contra a política de preços da Petrobras e a sua privatização:
—Temos que focar na privatização daquelas (estatais) que estão drenando recursos do tesouro. Temos 69 que todo mês o governo tem que colocar dinheiro do Orçamento.
Inflação e autonomia do Banco Central
Questionado sobre se Lula manteria a autonomia do Banco Central (BC) — aprovada pelo Congresso com mandato fixo de quatro anos para presidente e diretoria e sancionada por Bolsonaro em 2021 — Guilherme Mello afirmou que respeitar a autonomia da instituição é tema pacificado no PT. O partido sempre foi contra. No entanto, ele indicou que um governo petista poderá propor uma revisão das metas de inflação, o que pode alterar a definição da taxa básica de juros (Selic) pelo BC.
—O que agente está discutindo é como o governo pode somar esforços com o BC para combater um problema grave, que é a carestia. O que o governo fez nos últimos anos? Foi abrindo mão de todos os instrumentos que podia se valer para combater choques de preço, como, por exemplo, dos alimentos — afirmou. — O Conselho Monetário Nacional ( órgão que define as metas e é presidido pelo Ministro da Economia) vai ter de olhar o cenário inflacionário, de atividade, fiscal e falar qual é a meta crível. É importante ter meta.
Elena Landau disse que a autonomia do BC foi um ganho para a sociedade e que Tebet não vai “mexer em nada” sobre o tema. Ela também destacou a necessidade de combater a inflação e impedir a volta da indexação na economia:
—O Brasil não pode deixar a indexação voltar. Não se faz o plano real duas vezes numa geração. O combate à volta da indexação é prioridade para que a gente possa ter poder de compra. Não há outra forma de garantir poder de compra.
Já Benevides criticou a autonomia do BC, dizendo que a instituição “tem de dar satisfação à sociedade, que prestar contas ao Congresso Nacional”, o que não foi dispensado pela autonomia. No entanto, ele afirmou que a política monetária do BC “perde relevância” com a solução dos problemas fiscais nos moldes propostos pelo programa de Ciro:
—Enquanto a gente não equacionar o problema fiscal, pensar no tamanho da despesa financeira (da dívida pública), se essa mudança de modelo não for alcançada, vamos continuar patinando.
Elena Landau, assessora de Simone Tebet (MDB)
“A política (de preços de combustíveis) será mantida, e a independência da Petrobras, fortalecida”
“Os juros acabam sendo mais elevados por causa da instabilidade jurídica, _ institucional”
Mauro Benevides Filho, conselheiro de Ciro Gomes (PDT)
“Para a população brasileira, a reforma tributária deve diminuir a carga. Para o governo, no mínimo, manter”
“A Petrobras continuará superavitária, mas não pode abusar da sociedade _ brasileira”
Guilherme Mello, integrante da equipe do programa de Lula (PT)
“A ideia de que gasto público é pecado mortal não é verdade. Bem feito, tem impacto enorme”
“A estrutura tributária é montada sobre impostos indiretos, consumo. Quem paga mais é o mais pobre. Isso _ tem que mudar”
Link da publicação: https://infoglobo.pressreader.com/o-globo/20220914/page/1
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