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Daqui para a frente

A democracia é fundamental. Para os empresários, o respeito às regras, à lei, aos outros é especialmente relevante

Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski

O Globo

Muitos nos perguntam por que os empresários começam agora a falar de política. Por que escrevem artigos, participam de manifestações e assinam manifestos? O que lhes dá esse direito? O que existe por trás? Para começar, todos, evidentemente, têm direito à manifestação. Cada grupo profissional tem sua visão própria, seus cacoetes e ângulos de análise, que decorrem de experiência, formação, viés profissional e mesmo dos interesses. Os empresários não fogem à regra. Têm uma forma própria de ver o mundo, que decorre da batalha que travam diariamente pela sobrevivência de seus negócios, pelo futuro de suas empresas, pela geração da riqueza que garantem a si e a todos os que os cercam: governo, fornecedores, clientes e colaboradores.

A democracia é fundamental. Para os empresários, o respeito às regras, à lei, aos outros é especialmente relevante. Assim como a concorrência leal, a isonomia competitiva em que todos estão sujeitos às mesmas normas. Não há, na democracia, espaço para autoritarismo, discriminação, tratamento diferenciado aos semelhantes. A liberdade é precondição para o pleno exercício da criatividade, para o surgimento de novas ideias, para a ciência e para a nova tecnologia. A restrição à liberdade acadêmica, além de moralmente inaceitável, é também economicamente perversa por implicar sempre, ao final, a restrição ao livre pensamento, à inventividade, à inovação empresarial. Justiça social, sobrevivência e dignidade de todos os cidadãos são também parte importante dessa equação. Miséria, fome, discriminação e desigualdade são intoleráveis, e nenhum Estado sobreviverá sem combatê-las com afinco.

Essas reflexões nos levam ao momento atual do Chile. Tido até há poucos anos como uma espécie de Suíça latino-americana, o país seguiu uma linha ultraliberal. Não tem nenhum banco público. Em 2019, tinha o maior PIB per capita da América Latina. Os empresários locais assumiram o controle da política. Os índices econômicos mostravam o sucesso da linha adotada, o rating do país subindo, atraindo investimentos estrangeiros, o PIB crescendo. De repente, tudo mudou. A população foi às ruas, e a violência levou o presidente a declarar estado de emergência. Um governo de esquerda, eleito como reação popular aos que levaram o Chile à situação de desigualdade, está agora em difícil situação. Uma nova Constituição foi rejeitada em referendo por 61% da população.

O que tiramos de lição desse país que passou de um período de grande sucesso a uma fase de enorme incerteza? Em primeiro lugar, os dilemas atuais, a complexidade, a necessidade de mergulhar mais profundamente nos porquês dos fatos e percepções. Em seguida, a certeza de que progresso sem redução da miséria, sem garantias de saúde, educação e um sistema eficiente de previdência está fadado à instabilidade, à paralisia, à revolta popular. Isso vale para qualquer democracia do mundo, já que as sociedades se movem, aprendem, reivindicam e contam hoje com a enorme caixa de repercussão das redes sociais.

O que tem isso a ver com empresários? Tudo. É a classe no centro deste capitalismo que tem sido questionado. Vários deles entendem a urgência da reflexão e estão conscientes de que, dentro das regras do sistema político e econômico, sairão a adequação e o fortalecimento das oportunidades de liberdade.

Há um sem-número de desafios pela frente, frutos de anos de maus-tratos, conclusões apressadas, diagnósticos tortos, falta de sentido de urgência e da recente pandemia que ainda há de ter consequências econômicas e sociais. São situações tão complexas — sem esquecer o meio ambiente que pode nos exterminar enquanto civilização —, que apenas uma coalizão entre empresários, academia, governo, trabalhadores e sociedade civil, ancorada na ciência consequente, na fé respeitosa, no Estado laico, na liderança comprometida e na criação de valor mais bem distribuída, poderá nos devolver, mais que a esperança, um futuro sustentado por quem aprendeu com os erros do percurso.

Empresários têm direito e obrigação de se colocar. Que não haja estranhamento quanto àqueles que transparentemente têm se manifestado. Que cresçam em número, seja pelo combate à timidez e ao medo de pretensas represálias, seja porque entendem a dimensão de sua missão. Daqui para a frente, teremos todos o poder de fazer diferença!

Link da publicação: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2022/09/daqui-para-a-frente.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Pedro Passos