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Desafios da educação

Folha

Domingo é dia de votar. Dia também para pensarmos em nosso maior desafio: a dificuldade que temos para transmitir conhecimento e competências às crianças. As redes públicas de ensino fundamental e médio têm falhado.

Já sabemos onde esse processo tem encontrado as maiores dificuldades. O maior gargalo acontece nos anos finais do ensino fundamental, da 6ª à 9ª série, também chamado de fundamental 2. Há uma queda abrupta na proficiência dos alunos no fundamental 2, em comparação com o fundamental 1. A repetência aumenta e, com ela, a defasagem entre a idade e a série correta dispara, atingindo 45%. O aluno se atrasa no ensino. Aos poucos, o estudante e sua família deixam de enxergar benefícios para o adolescente ao frequentar a escola.

O Laboratório de Estudos e Pesquisa em Economia Social (Lepes) da FEA-USP de Ribeirão Preto (lepes.fearp.usp.br) acaba de lançar um documentário que traz um diagnóstico das maiores dificuldades enfrentadas nesse ciclo decisivo de ensino.

Um primeiro entrave aparece na transição abrupta entre os ciclos. O aluno sai de uma escola com um professor generalista, no fundamental 1. Esse professor tinha formação específica em pedagogia e estabelecia relação afetiva com os alunos. Na nova escola, os estudantes passam a interagir com inúmeros professores especialistas, cada um licenciado no ensino de uma única disciplina.

Além disso, o fundamental 2 acaba ensanduichado entre o fundamental 1, que é de responsabilidade das prefeituras, e o ensino médio, a cargo do estado. Também há falta de pesquisa de métodos pedagógicos para esse ciclo. Há muitos mais estudos para o fundamental 1 e o médio.

A transição é simultânea à entrada da criança na adolescência, com todas as turbulências que acompanham essa difícil fase da vida. Para piorar, é o momento em que muitas vezes a família se distancia da vida escolar da criança, quando, diante dos desafios, a presença teria que ser ainda maior.

Momento de muitas turbulências: violência doméstica, casos de racismo e bullying, suicídios, alcoolismo e uso de drogas em geral.

Os professores não estão preparados para esse desafio. O descompasso entre a formação do professor e as demandas da sala de aula leva a vários desfechos negativos: as propostas de temas e debates dos professores não dialogam com as demandas dos alunos. Adicionalmente, os professores, que são especialistas, em geral lecionam em diversas escolas, reduzindo seu convívio com os demais colegas e aumentando a distância em relação aos alunos.

O documentário não oferece soluções prontas para o diagnóstico que faz, mas sim um ponto de partida para a reflexão. O tema é complexo, e não há uma bala de prata. Fica claro que na virada do fundamental 1 para o fundamental 2 aumenta a distância entre a escola e o aluno e, de maneira mais geral, entre a escola e a comunidade em que ela está inserida.

Fica claro também que uma reorganização da rede que permitisse aos professores especialistas trabalhar em uma única escola contribuiria para melhorar o desempenho das crianças —entre outras coisas, por criar um vínculo maior entre alunos e mestres.

Minha memória é a de que tudo que eu faço hoje são variações das competências aprendidas no ensino fundamental, 1 e 2. A partir do ensino médio e na faculdade, somente são aprofundadas competências que já foram adquiridas. Destravar o gargalo do fundamental 2 é possivelmente o maior desafio do próximo governo.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2022/10/desafios-da-educacao.shtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa