Presidente do Banco XP diz que definição sobre PEC da Transição vai acalmar o mercado financeiro
Valor
A aprovação da PEC da Transição, apresentada na quarta ao Congresso, deverá aliviar a tensão do mercado financeiro. “É necessário ter uma política para diminuir a pobreza e a miséria. Isso precisa ser endereçado. Eu deixaria de lado a emoção na discussão e focaria no fato. Como é que se implementa e quais as escolhas que precisam ser feitas para isso”, diz José Berenguer, presidente do Banco XP.
Enquanto esta entrevista acontece, os ativos brasileiros enfrentam mais um dia de estresse sob a desconfiança do compromisso fiscal do novo governo. Para o executivo, a reação negativa do mercado nos últimos dias é o “termômetro” da indefinição, mas ele vê exagero na reação dos agentes financeiros, que começam a precificar um aumento da taxa Selic. “Não adianta ficar aqui, no que chamo de quadrilátero de Mônaco [região entre a Faria Lima e o bairro nobre Jardins]. A gente anda o Brasil inteiro. Não adianta a gente fechar os olhos e ficar andando de carro blindado para baixo e para cima.”
Berenguer diz que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já esteve no cargo por dois mandatos, sabe que não dá para gastar sem ter fonte de recursos e chegará a um acordo com o Congresso para definir o Orçamento de 2023. “Ninguém gasta ilimitadamente. Fazendo aqui um paralelo. Se meu time joga mal e perde, não posso desligar placar para não saber qual é o resultado do jogo”, afirma Berenguer, que já foi membro do Comitê de Gestão do Santos, seu time do coração.
Berenguer ressalta que a questão fiscal iria se impor também no caso da reeleição do presidente Jair Bolsonaro, e talvez o mercado reagisse igualmente de forma negativa. “Ele também tinha dito que iria manter o Auxílio. Então, a gente já iria ter um desafio fiscal para o ano que vem. O que está sendo discutido agora é se esse auxílio vai ser só para 2023 ou para os próximos quatro anos e de onde virão esses recursos”, afirma.
“O que quero dizer é que o país não vai parar. Não tenho nenhum tipo de receio em relação aos próximos anos. A gente vai ter de fazer escolhas para acomodar esses gastos”, diz o executivo. Neste momento, contudo, ele defende que a PEC de Transição seja definida rapidamente. Segundo Berenguer, o novo governo terá uma gestão diferente do atual, porém, responsável. “O país não vai quebrar. Não existe isso. Esquece”. A seguir, os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: O mercado financeiro tem reagido mal às falas de Lula, que voltou a defender ontem furar o teto dos gastos. Esse mau humor vai persistir até quando?
José Berenguer: Temos de focar no que é essencial. É necessário ter uma política para diminuir a pobreza e miséria, que de fato é um grande problema no país? Sim. Como se faz isso? Com Auxílio? Ótimo. Vamos discutir o Auxílio, mas é preciso saber de onde vem o dinheiro. Como brasileiro, a gente vê o que está acontecendo nas ruas. Não dá para negar que o país tem um problema de renda e pobreza. Isso precisa ser endereçado. Eu deixaria de lado a emoção na discussão e focaria no fato. Como é que se implementa e quais são as escolhas que precisam ser feitas para isso. Entendo a frustração do presidente, mas [a reação do mercado] é o termômetro que a gente tem.
Valor: O senhor avalia que as recentes falas de Lula ainda fazem parte do discurso de campanha?
Berenguer: Lula foi presidente por oito anos. Ele pegou tempos bem bicudos quando assumiu em 2003. Contudo, quando a pessoa senta na cadeira, às vezes, a realidade se impõe. E qualquer cadeira tem os seus limites e ele sabe disso. Acho que toda essa emoção está muito alimentada pelo resultado das eleições, que foi muito apertado, pela polarização no país que a gente vive hoje. Vamos aguardar para ver o que vai acontecer. Ninguém gasta ilimitadamente. Se o meu time joga mal e perde, não posso desligar placar para não saber o resultado do jogo.
Valor: O senhor acha que vai ter uma acomodação entre o que o novo governo está propondo e o Congresso deverá aprovar?
Berenguer: Acho que sim. Não existe a possibilidade de a gente gastar sem procurar esses recursos em outro lugar. É uma questão matemática. Vamos estudar como vai fazer. Esse debate nem começou ainda. [A PEC da Transição] foi entregue no Congresso na quarta-feira. Agora vamos ver como essa questão vai ser discutida. Peguei os governos [José] Sarney, [Fernando] Collor… Não adianta se desesperar. As coisas vão se ajeitar e o país é forte, com instituições que funcionam. O Congresso vai analisar a proposta apresentada. Brinco que, se for ficar prestando atenção em Brasília, vou deixar o meu cliente de lado. A XP tem de focar na execução de sua estratégia. O que quero dizer é que o país não vai parar, a economia vai andar. Não tenho nenhum receio em relação aos próximos anos. A gente vai ter de fazer escolhas para acomodar esses gastos. A vida vai seguir.
Quem perde com a inflação? A população de baixa renda. Ninguém ganha com descompromisso fiscal”
Valor: O banco tinha traçado cenários diferentes para a vitória de Lula ou de Jair Bolsonaro?
Berenguer: Não fizemos esse tipo de discussão. Toda vez que tentamos traçar esse tipo de cenário, não acertamos como vai ser exatamente. Temos uma série de variáveis que a gente não controla, como guerra, elevação de taxa de juros lá fora, balanço dos bancos centrais sendo reduzido. O que a gente controla? A relação com o cliente, engajamento do meu time, a qualidade do produto que eu ponho na prateleira. Óbvio que se a taxa de juros sobe, o investidor de renda variável vai ser menos agressivo e vai ter mais demanda na renda fixa. Mas isso a gente ajusta taticamente. O importante é o norte.
Valor: O mercado estaria agindo dessa maneira se o Bolsonaro tivesse ganhado as eleições?
Berenguer: Bolsonaro tinha dito que iria manter o auxílio. A gente já iria ter um desafio fiscal para o ano que vem. O que está sendo discutido agora é se esse auxílio vai ser só para 2023 ou para os próximos quatro anos e de onde virão esses recursos. Talvez essa movimentação de preços esteja mais relacionada a uma frustração.
Valor: Frustração com a derrota de Bolsonaro?
Berenguer: Não. Com a questão dos quatro anos. Não sei se o Bolsonaro iria propor. É difícil [saber]. É só andar pelas ruas para ver. Não adianta ficar aqui, no que chamo de quadrilátero de Mônaco [região entre a Faria Lima e o bairro nobre Jardins]. A gente anda o Brasil inteiro. Vai na Praça da Sé e veja o que está acontecendo com a população de baixa renda. Não adianta a gente fechar os olhos e ficar andando de carro blindado para baixo e para cima. A resolução dessa questão passa por educação, melhores condições de moradia e uma série de outras coisas. No curto prazo, tem de dar Auxílio. Independentemente da vitória do candidato A ou candidato B, a discussão atual seria parecida, embora com características diferentes.
Valor: O sr. acredita que o investidor estrangeiro está mais tolerante com esse cenário? O investidor local está preocupado…
Berenguer: O investidor estrangeiro tem duas preocupações: questão social e ambiental. Há uma percepção de que a agenda ambiental vai ter uma prioridade maior no governo Lula do que na gestão anterior, assim como a questão social. Tive uma conversa com um grande investidor que demonstrou muita preocupação com a desigualdade do país. Qualquer um dos dois candidatos teria de trazer essa discussão para mesa.
Valor: Com Lula, que tem uma visão voltada a programas sociais, o investidor externo fica mais animado para apostar no país?
Berenguer: Sim. Alguns investidores já começaram a fazer isso. A Noruega tirou o Brasil da lista negra. A gente vai ter alguns investidores que terão um olhar mais positivo em relação ao país. Para alguns investidores que estavam preocupados com a questão ambiental, isso vai fazer a diferença. Agora é preciso lembrar que a operação para se proteger a Amazônia é muito complexa. Tanto o governo que está saindo como o que está chegando têm seus desafios. É uma demanda que a comunidade internacional tem sobre a gente. Temos de ficar atentos.
Valor: Como o banco tem avaliado a equipe de transição e qual a expectativa da XP em relação à formação do novo governo?
Berenguer: É uma equipe muito grande. Não tive contato com nenhum deles. Nós vamos começar a ter ideia de algumas propostas e de agenda mais para frente. Ainda é muito cedo para formar uma opinião sobre o que esses grupos estão fazendo. Fora essa questão da PEC da Transição, que tem de ser endereçada agora. Estamos no limite. Precisamos fechar o Orçamento de 2023.
Valor: Falta dar uma sinalização mais clara sobre a situação fiscal?
Berenguer: O melhor é não falar e fazer. Vamos pensar num cenário, que acho improvável, de maior inflação por conta dos maiores gastos. Num primeiro momento, a curva de juros Brasil vai inclinar mais. Então, o financiamento vai ficar mais caro. Quem perde com a inflação? A população de baixa renda. Isso é evidente para quem está no governo, e o Lula sentou lá por oito anos. Ninguém ganha com descompromisso fiscal. Melhor opção é ver como o governo vai tratar deste tema. Tenho convicção de que eles serão mais efetivos na gestão do Tesouro e em relação ao Orçamento do que o mercado está achando.
Valor: O sr. disse que o banco controla a relação com o cliente. Nesses dias de estresse no mercado financeiro, o que a XP tem recomendado?
Berenguer: Calma. Não tome decisão nenhuma no calor da emoção. Pense a médio e longo prazo. Acho que esse país é viável. Sabemos que demora e é preciso ter paciência. Não vamos quebrar e não vai ter nenhum tipo de ruptura.
É uma discussão de modelo de país que a gente precisa ter. Qual é o plano do país para os próximos 20 anos?”
Valor: A XP e seus executivos não se posicionaram em relação aos candidatos. Mesmo assim, a companhia foi alvo de eleitores bolsonaristas. Houve algum prejuízo?
Berenguer: Tivemos críticas dos dois lados. Acredito que uma empresa não deve ter posicionamento político, executivo também não. Aqui no Brasil, qualquer que fosse o posicionamento de um de nós, eu estaria desagradando a outra metade. A XP tem de cumprir seu papel de atender o cliente, pagar seus impostos. Lamentavelmente os dois lados, em algum momento, bateram na gente. Ficamos focados em nosso trabalho e não tivemos impacto financeiro.
Valor: Como avalia os atos golpistas nas ruas e as ofensas contra ministros do Supremo Tribunal Federal?
Berenguer: O resultado está dado. Lula ganhou, Bolsonaro perdeu. Acabou. Natural que as pessoas protestem e elas têm esse direito, mas não podem fomentar o caos. É preciso focar daqui para frente. Vamos fazer discussões importantes, como definir o Orçamento, saber o que se quer para o país e qual será a nossa vocação. Essa tem de ser a agenda.
Valor: Qual a projeção da XP para o mercado de capitais para 2023?
Berenguer: Vamos ter um ano melhor que 2023, mais ativo tanto em renda fixa como em renda variável. O Brasil vai ser o primeiro a cortar juros. Óbvio que estamos imaginando um cenário de responsabilidade fiscal. Uma gestão diferente, porém, responsável. O trabalho do Banco Central foi muito bom. Estou animado para 2023.
Valor: O mercado, neste momento, precifica o risco de a taxa Selic voltar a subir…
Berenguer: Está errado, porque a premissa é que vamos simplesmente gastar sem ter uma fonte. Essa fonte pode ser controle, remanejamento, pode ser aumento de impostos, pode ser uma série de coisas. Não dá para gastar de forma ilimitada. E entendo a movimentação de preços. Você tem uma indefinição, até que essa definição seja tomada pelo caminho A ou pelo caminho B, as pessoas ficam inseguras. É o termômetro, não é que tem um cara lá sentado ‘ah, agora vou puxar a curva de juros porque estou insatisfeito’. Não existe isso. Até porque a capacidade do sistema, especialmente os bancos, de tomar risco é muito menor do que foi há 10, 15, 20 anos. O regulador, desde 2008, exige muito capital em algumas situações, proíbe essa tomada de risco por parte dos bancos. Esse movimento é natural, essa incerteza de onde virão os recursos e como a gente vai estabilizar a trajetória de dívida/PIB gera isso e daqui a pouco vai ficar mais claro e vai haver a normalização do mercado.
Valor: Desde o governo Temer, houve uma revisão do papel do BNDES e esse espaço foi ocupado pelo mercado de capitais. O BNDES vai voltar a crescer agora?
Berenguer: Tem a questão da TJLP [taxa de juros de longo prazo, que foi extinta], tem a questão da limitação fiscal. O BNDES é um banco que tem limitação de Basileia. Acho que a gente deveria definir quais os setores que queremos apoiar. Gosto mais do modelo de banco de desenvolvimento que trabalha com equalização de juros. Vamos definir cinco, dez setores em que a gente quer estar na ponta, e aí definir uma dotação que pode ser via BNDES. Quanto quero gastar, como país, para fomentar esses setores? Equalizo a taxa que esse setor vai pagar. Isso funciona em uma série de bancos de desenvolvimento. Através de equalização você consegue fazer mais coisas. Mas desde que se definam quais setores estimular. Saneamento é importante? É, então vamos lá.
Valor: Mas isso não é reeditar os campeões nacionais?
Berenguer: Não. A gente precisa de saneamento. Não acho que a gente deva fomentar empresas sem discutir os setores que a gente precisa fomentar. Poderíamos ter decidido lá atrás que o setor de proteínas era estratégico, como de fato era. O mercado vai continuar tendo seu papel na medida em que a gente aprendeu que isso funciona. Essa discussão mais estratégica do que a gente precisa fortalecer no país é superimportante, e aí usar os mecanismos de política pública para fortalecer educação, saneamento, segurança e outros setores, como tecnologia, empreendedorismo. O BNDES vai voltar a emprestar? Espera aí, vamos para uma discussão anterior. É uma discussão de modelo de país que a gente precisa ter. O que a gente quer além de diminuir pobreza? Qual é o plano do país para os próximos 20 anos? Essa é uma discussão que está faltando vir para a mesa.
Valor: Os bancos públicos vão ter outro papel no governo Lula?
Berenguer: Acho que existe esse desejo. Teve a crise de 2008, o sistema financeiro parou de emprestar, ninguém sabia o que ia acontecer. Naquele momento, os bancos públicos tiveram um papel importante. Em algum momento, especialmente no governo da Dilma Rousseff, isso acelerou, e talvez não precisasse. O banco público tem um papel quando os mercados estão disfuncionais, mas prefiro um modelo de mercado competitivo, em que a gente possa competir e desenvolver as melhores soluções. Ficou provado que o mercado de capitais tem capacidade de suportar a demanda por financiamento de longo prazo das empresas. Mesmo com a Selic a 13,75%, as emissões continuam saindo.
Valor: O mercado voltará a ficar aquecido para IPOs e follow-ons no ano que vem?
Berenguer: Pode ser bem mais, tanto em volume quanto em número de operações. Mas o cenário global é muito mais desafiador. A inflação ainda está alta. Teve uma moderação nos índices de inflação nos EUA recentemente, mas ainda é um cenário de contração monetária e de diminuição dos balanços (dos bancos centrais) que foram aumentados durante a covid-19. Então o cenário global para os próximos anos é mais desafiador na medida em que essa reversão vai acontecer e você precisa combater a inflação.
Valor: Vai haver recessão nos EUA e na Europa?
Berenguer: Alguma coisa vai ter que ter. Não sou economista, mas o conceito técnico de recessão são dois trimestres negativos. Vai ter de ter para trazer a demanda para baixo e trazer uma efetividade no processo de combate à inflação.
Valor: Para o Brasil, se espera um crescimento mais baixo…
Berenguer: É cedo. Vamos esperar passar essa emoção, ver o que vai ser a PEC, a discussão do Orçamento como um todo, para ter uma discussão mais embasada. Minha sensação é que as pessoas estão pessimistas demais.
Valor: Os balanços trimestrais dos bancos mostraram aumento da inadimplência de pessoa física e pequena empresa. A XP tem outro tipo de carteira…
Berenguer: São 4 milhões de clientes pessoa física, muito poupador, de média e alta renda, onde a inadimplência é menor. O que aconteceu é que a taxa de juros saiu de 2% para 13,75%, boa parte desse crédito é indexado ao CDI, ficou maior, compromete mais a renda, a inadimplência aumenta. É um processo passageiro.
Valor: Mas o crédito continua crescendo. Não vai dar errado?
Berenguer: Não acho. A gente vai ter, talvez, um pouco mais de inadimplência no curto prazo, e a médio e longo prazo volta a cair.
Valor: Para isso, os juros precisam começar a cair…
Berenguer: Sim, é o que eu acho que vai acontecer. Pode parecer pouco provável se a gente pegar a tela agora e olhar. Calma, o cenário base é de queda da taxa de juros no ano que vem, e isso ajuda a normalizar a inadimplência.
Valor: Para aproveitar essa oportunidade num ano com Selic em dois dígitos, onde a XP planeja avançar em 2023?
Berenguer: A gente tem a conta de pessoa física terminando, faltam pouquíssimas funcionalidadades, a conta PJ entra firme no ano que vem, toda a parte de previdência e seguro de vida está cada vez mais ativa e vamos continuar investindo. Em câmbio e financiamento ao comércio exterior, a gente vem ganhando posições. Na parte dos negócios que a gente tinha, varejo, renda fixa, renda variável, banco de investimento, private, corporate, temos crescimentos relevantes. É continuar melhorando o processo de entrega dos produtos para os clientes e de terminar a construção da oferta para, por exemplo, disputar a folha de pagamento de uma companhia. A gente começou com o mais difícil, que era o cliente investir com a gente. Tem de ter calma, fazer bem feito.
Valor: Voltando à discussão da PEC, é preciso ter calma então?
Berenguer: Esse país é muito mais forte que essa discussão de Brasília. Teve uma eleição, foi eleito um candidato, está uma proposta na mesa, vai ser discutida no Congresso. Pode ser que tenha diferenças entre os dois governos e haverá. Mas o país não vai quebrar. Esquece. Não existe isso.
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