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Políticas públicas no novo governo

Novo governo terá que ser fiscalmente responsável e fazer um pente fino nas políticas públicas

Valor

O governo eleito terá que enfrentar muitos desafios. A situação social piorou muito nos últimos quatro anos, pois a pandemia e a má gestão do governo atual criaram muitos problemas. Ao mesmo tempo não há folga fiscal para resolver todos estes problemas somente aumentando os gastos públicos. Quais serão as alternativas para o novo governo atenuar nossos problemas sociais?

O principal objetivo das políticas públicas no Brasil deve ser melhorar a vida dos mais pobres de forma sustentada. Esta melhora deve vir não somente do aumento de empregos nos períodos de crescimento econômico, mas principalmente fornecendo educação de qualidade e saúde física e mental desde os primeiros anos de vida, para que os nascidos nas famílias mais pobres tenham autonomia para escolher o que querem fazer das suas vidas, assim como os nascidos nas famílias mais ricas.

Recursos “extra-teto” devem ser o necessário para recompor o arcabouço de políticas públicas mais urgentes

A definição das políticas que devem ser priorizadas deve ser feita de forma intertemporal, levando em conta os gastos correntes e os benefícios no longo prazo. Os programas com maior retorno marginal para os recursos públicos devem ser priorizados. Por exemplo, não podemos deixar que as pessoas passem fome, assim como não podemos deixar que as crianças cresçam sem saber ler e escrever por causa da pandemia, incapacitando-as para o futuro. Também será necessário recompor as políticas públicas na área da saúde, que foram bastante debilitadas nos últimos anos. Programas como o Farmácia Popular, muito bem avaliados, têm que ser reconstruídos, assim como políticas que preservam o meio ambiente.

Assim, é razoável que a equipe de transição pleiteie recursos “extra-teto” através de uma PEC, para que possa enfrentar já no primeiro ano de mandato os problemas criados pela pandemia e pelo governo atual. Mas a situação das finanças públicas no curto prazo tem que ser levada em conta, pois uma grave crise fiscal já no início do mandato prejudicaria os mais pobres. Assim, o montante de recursos “extra-teto” deve ser definido pelo volume necessário para recompor o arcabouço de políticas públicas mais urgentes para a educação, saúde, assistência e meio-ambiente no primeiro ano de mandato. A partir dos anos seguintes, não seria mais necessário um “waiver” porque o governo eleito planeja substituir o teto de gastos, de forma que a gestão de recursos públicos deverá seguir uma nova regra.

A fonte dos recursos para cada gasto deverá estar clara em todos os casos. Será necessário aumentar os impostos sobre os mais ricos, elevando as alíquotas marginais do imposto de renda, criando impostos sobre lucros e dividendos e aumentando os impostos sobre a herança. Além disto, será necessário diminuir todos os subsídios e benefícios fiscais para os profissionais liberais, para as grandes empresas, para combustíveis fósseis e também os fundos regionais, que têm um retorno muito baixo para a sociedade.

Será importante também avaliar todas as políticas públicas e aperfeiçoar os programas sociais que serão mantidos, para que eles possam trazer o maior benefício econômico para a sociedade ao menor custo. O exemplo dos programas de transferências de renda é instrutivo. O Bolsa Família foi muito importante para diminuir a pobreza extrema desde o início dos anos 2000. Em 2019, 14 milhões de famílias eram beneficiadas com uma transferência média de R$ 180. Além disto, o valor dependia da composição das famílias, privilegiando as gestantes, lactantes, crianças e adolescentes. E havia contrapartidas.

Mas o programa também tinha alguns problemas. O valor da transferência era muito baixo, insuficiente para igualar oportunidades, os cortes de orçamento deixavam famílias elegíveis fora do programa e o valor da transferência era corroído pela inflação.

Em 2020, com a pandemia, as transferências aumentaram para R$ 600 por pessoa. Em 2021, o auxílio emergencial foi substituído pelo Auxílio Brasil, que inicialmente foi bem desenhado. Mas já em dezembro de 2021 o governo atual, preocupado com sua popularidade, estabeleceu um piso de R$ 400 por família, acabando na prática com as regras que privilegiavam as famílias maiores com crianças. Isto incentivou a criação de “novas famílias”, de modo que hoje em dia o total de famílias beneficiadas atingiu 21 milhões, 7 milhões a mais do que em 2019. E a PEC eleitoreira aumentou o valor mínimo da transferência para R$ 600.

O que deve ser feito a partir de agora? Se o governo eleito continuar com o valor mínimo de R$ 600 e introduzir um valor adicional de R$ 150 por criança, como prometido na campanha, o total gasto seria de R$ 175 bilhões no primeiro ano do governo. Como R$ 100 bilhões já estão alocados no orçamento para 2023, o governo precisaria de cerca de R$ 75 bilhões para cumprir a promessa, sendo que o restante do valor conseguido através da PEC seria usado para recompor as políticas prioritárias de saúde e de preservação do meio ambiente no primeiro ano do mandato. Os recursos já previstos no Fundeb devem ser usados nos programas de recuperação do aprendizado.

Mas o governo eleito deveria, já no início do ano que vem, reformular o Bolsa Família, retornando às regras originais do programa, fiscalizar as famílias “criadas” artificialmente, buscar mais agilidade na entrada e saída do programa e almejar um valor médio final em torno de R$ 600 por família, para cerca de 16 milhões de famílias (que recebiam as transferências no final de 2021), a um custo anual estimado de R$ 115 bilhões.

Além disto, as medidas necessárias para os aumentos de impostos, reduções de benefícios, avaliação das políticas públicas e a nova regra fiscal devem ser implementadas desde o início do novo governo. Por fim, reforma tributária e abertura comercial, essenciais para aumentar a produtividade, devem ter prioridade.

Em suma, nos próximos quatro anos será necessário reverter os graves problemas sociais e ambientais ocorridos nos últimos quatro. Mas o novo governo terá que ser fiscalmente responsável e fazer um pente fino nas políticas públicas, para continuar somente com os programas que trazem maior retorno para a sociedade e deixar claro de onde virão os recursos para financiar cada programa.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/politicas-publicas-no-novo-governo.ghtml

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Sobre o autor

Naercio Menezes Filho