Comportamento dos mercados parece refletir, além de desenvolvimentos de curto prazo, a incerteza sobre qual será a futura regra fiscal
Valor
Depois de elevar a taxa Selic em 12 reuniões seguidas, o Copom deixou a taxa básica de juros parada, em 13,75% ao ano em sua reunião de setembro. O comitê sinalizou também que estava adotando, naquele momento, uma estratégia de manter a taxa básica de juros no citado patamar por um período prolongado o suficiente para assegurar a convergência da inflação à meta. Ao mesmo tempo, os textos oficiais do Copom incluíram a típica cláusula de escape, que abria espaço para um ajuste na estratégia, com a retomada, em caso de frustração do processo de desinflação, das altas de juros.
Dada a extensão e intensidade do processo de ajuste monetário entre março de 2021 e setembro de 2022, que acarretou uma elevação de cerca de 8 pontos percentuais da taxa de juros real ex-ante, o mercado passou a esperar que, depois de um período de estabilidade que duraria entre quatro e oito meses, a Selic entrasse em rota de queda.
Se não haverá mais teto, é fundamental saber que tipo de regra fiscal vai prevalecer a partir de 2023
Naquela conjuntura, as expectativas de inflação para 2022 e 2023 encontravam-se acima da trajetória das metas, mesmo incorporando o intervalo de confiança de 1,5 ponto percentual, em cerca de 6% e 5%, respectivamente, mas a mediana de prognósticos para 2024, compilada pela pesquisa Focus, do nosso Banco Central, achava-se em 3,5%, não muito acima da meta de 3%. Essa trajetória das expectativas corroborava a estratégia de pausa prolongada aparentemente decidida pela autoridade monetária, visando uma convergência gradual da inflação para a meta – como a política monetária atua sobre a economia com defasagens longas e variáveis, as decisões a serem tomadas ao longo de 2023 terão como foco, predominantemente, a inflação de 2024.
Assim, as expectativas quanto à evolução da taxa básica de juros estavam baseadas na premissa que a distensão monetária começaria quando o Copom ficasse mais confiante sobre a trajetória de desinflação, o que deveria ocorrer no mais tardar até meados de 2023.
No momento de maior otimismo quanto à trajetória futura das taxas de juros, o mercado chegou a apreçar cerca de 3 pontos percentuais de cortes da Selic até o final de 2023. Desde então, contudo, a curva de juros sofreu forte ajuste, e o apreçamento atual implica uma modesta elevação adicional da taxa de juros, para 14% ao ano, ao final do ano que vem. Esse cenário, caso se materialize, implica que a política monetária provavelmente seguiria exercendo influência restritiva sobre a atividade econômica durante a primeira metade do próximo mandato presidencial.
Cabe examinar o que teria ocasionado tamanha revisão de expectativas e apreçamento no mercado. As expectativas de mercado sobre a evolução da taxa de câmbio em 2023 pouco se alteraram nos últimos meses, e continuam apontando para estabilidade próxima a R$ 5,25. As expectativas de inflação para 2024 também tiveram mudança limitada, de 3,4% para 3,5%. As perspectivas para o crescimento do PIB aumentaram, de 2,65% para 2,81% em 2022 e de 0,5% para 0,7% em 2023 (a desaceleração esperada para o ano que vem diminuiu marginalmente).
A explicação para a mudança no formato da curva de juros provavelmente reflete mudança de perspectiva sobre a política fiscal. Como os economistas de mercado esperavam e ainda esperam uma desaceleração do PIB em 2023, as expectativas para o resultado primário do governo vêm indicando deterioração, dado que as receitas tendem a ser mais sensíveis à atividade econômica do que as despesas. As expectativas de piora do resultado primário entre 2022 e 2023 aumentaram de 1,4 para 2,1 pontos percentuais do PIB, e ainda parecem estar em trajetória de deterioração, mesmo sem alteração relevante nas perspectivas para a evolução da atividade econômica. Isto sugere que a política fiscal dará maior suporte para a atividade econômica do que se esperava anteriormente, o que tende a dificultar o processo de desinflação almejado pelo Banco Central.
Pode-se argumentar que a deterioração das expectativas sobre a política fiscal não é, pelo menos até o momento, suficiente para, isoladamente, explicar toda a elevação da curva de juros. O comportamento dos mercados parece refletir, além de desenvolvimentos de curto prazo, a incerteza sobre qual será a futura regra fiscal.
O teto de gastos, adotado em 2016, tem apoio aparentemente bem limitado entre a classe política. Mas, se não teremos mais o teto, ou teremos um limite para o crescimento das despesas desfigurado por várias exceções, é fundamental saber que tipo de regra fiscal vai prevalecer a partir de 2023. Importante também, cabe registro, saber como será financiado o almejado aumento do gasto social, seja por meio de cortes em outras despesas, ou elevação da carga tributária, ou uma combinação dos mesmos. Isto porque o Brasil já tem um setor público altamente endividado, para o seu nível de renda per capita – 91% do PIB, na métrica do FMI, ante média de 62%. A esperada queda de juros poderia impulsionar a economia a partir de 2024 e, um efeito colateral, reduzir o custo de financiamento do governo. Mas para isso a política fiscal teria que ajudar.
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