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Produtividade da pesquisa em queda livre?

Os incentivos na ciência precisam ser alterados, para que possamos ter um número maior de inovações disruptivas

Valor

A maior parte do crescimento econômico no mundo vem das novas ideias, que produzem inovações tecnológicas, que, por sua vez, aumentam a produtividade dos trabalhadores. Por exemplo, entre 1920 e 1970, a taxa de crescimento da produtividade do trabalho nos Estados Unidos foi de 2,82% ao ano, o que fez com que o padrão de vida dos americanos aumentasse dramaticamente ao longo do século XX. Mas será que está ficando cada vez mais difícil encontrar novas ideias realmente transformadoras e fazer ciência verdadeiramente disruptiva?

O economista americano Robert Gordon enfatizou, em livro lançado em 2012, que o impacto das inovações produzidas entre o final do século XIX e 1970 foram bem maiores do que aqueles gerados no período recente. Segundo ele, não dá para comparar o impacto de inovações como o motor de combustão interna com os avanços recentes, como a internet e os telefones celulares. Por isto, segundo ele, a produtividade aumentou à taxa de 1,62% ao ano entre 1970 e 2014, uma grande redução com relação aos 50 anos anteriores (mas, ainda alta com relação ao que aconteceu no Brasil).

A ideia de que as invenções atuais são menos disruptivas do que as do século passado tem gerados muitos debates. Um artigo recente, que tem tido muita repercussão, mostrou que o crescimento exponencial no volume de novas publicações científicas não produziu um aumento correspondente no número de ideias genuinamente novas1.

Os incentivos na ciência precisam ser alterados, para que possamos ter um número maior de inovações disruptivas

Os autores usam dados de 45 milhões de artigos e 4 milhões de patentes publicadas nas últimas seis décadas para mostrar que a porcentagem de artigos disruptivos, ou seja, que romperam com passado, diminuiu bastante ao longo do tempo.

Segundo os autores, há dois tipos de artigos. Os do primeiro tipo contribuem apenas para consolidar uma linha de conhecimento existente (status quo). Outros são disruptivos, ou seja, tornam o conhecimento antigo obsoleto, levando a ciência e tecnologia para novas direções (como Watson & Crick, ao criarem um novo modelo para a estrutura do DNA). A ideia dos autores é que se artigo realmente for disruptivo, a pesquisa subsequente citará bem mais o artigo em questão do que os artigos anteriores na mesma área. Utilizando esta métrica, os autores mostram que a porcentagem de artigos e patentes disruptivos está diminuindo. Isto ocorre, segundo os autores, porque está ficando cada vez mais difícil conhecer com profundidade todo o trabalho de pesquisa publicado anteriormente.

Este estudo confirma os resultados de outra pesquisa importante, que mostrou que está cada vez mais difícil encontrar novas ideias através da pesquisa, ou seja, que a produtividade da pesquisa científica está declinando2. Neste estudo, os autores mostram que foi necessário aumentar muito o número de pesquisadores nos Estados Unidos para manter a taxa de crescimento da produtividade constante, pois a produtividade dos pesquisadores diminuiu muito. Enquanto o esforço de pesquisa aumentou 4,3% ao ano, a produtividade desta pesquisa caiu 5%.

Isto pode ser exemplificado pela Lei de Moore, segundo a qual o número de transistores embutidos num chip de computador deve dobrar a cada dois anos, que tem prevalecido nos últimos 50 anos. Entretanto, o número de pesquisadores necessários para dobrar a densidade do chip hoje em dia é 18 vezes maior do que no início dos anos 1970. Ou seja, a produtividade de cada pesquisador diminuiu 6,8% ao ano.

Na agricultura, os autores mostram que entre 1960 e 2015, a produtividade cresceu a uma taxa de 1,5% ao ano, enquanto o número de pesquisadores agrícolas aumentou 5%. Na saúde, o número de publicações científicas na área de câncer aumentou 14 vezes entre 1975 e 2006, mas a produtividade destes artigos caiu 5 vezes. Por fim, o número de pesquisadores chegou a aumentar 9% ao ano nas empresas americanas, mas sua produtividade caiu 14% por ano.

Em suma, a produção científica e o esforço de pesquisa têm aumentado muito, mas a produtividade média do conhecimento gerado está declinando. Continuamos tendo geração de conhecimento científico genuinamente inovador, mas a maioria dos artigos e patentes atuais não são tão inovadores como os do passado. Quais são as consequências destes fatos para o crescimento econômico no futuro?

Na verdade, as inovações que realmente transformam a humanidade são poucas e muito espaçadas no tempo. E estes artigos mostram que as patentes disruptivas continuam sendo produzidas em grande quantidade, apenas a sua porcentagem no total de patentes é que declinou. A produtividade da pesquisa em geral está diminuindo porque talvez não seja possível manter o ritmo de produção de novas ideias que ocorria no passado, quando muito pouco se sabia sobre os vários ramos do conhecimento.

Mas, desde que inovações genuinamente transformadoras continuem a ocorrer, como no caso da vacina contra covid, não acredito que haverá uma queda dramática da produtividade no futuro. A ameaça ambiental me parece muito mais grave. Temos que contratar pesquisadores, mesmo que eles sejam menos produtivos, até o ponto em que seu salário compense as inovações incrementais que eles possam produzir.

Mas a lição que fica destes artigos é que talvez estejamos focando demais na quantidade de artigos e patentes ao invés de nos preocuparmos com sua profundidade. Os incentivos na ciência precisam ser alterados, para dar mais tempo para que os pesquisadores possam se apropriar com calma do conhecimento produzido até hoje, para que possamos ter um número maior de inovações disruptivas e maior crescimento econômico.

“Papers and Patents are becoming less disruptive over Time”, Park, Leahey e Funk, Nature.

“Are Ideas Hard to Find”, Bloom, Jones, Van Reenen and Webb, American Economic Review.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/produtividade-da-pesquisa-em-queda-livre.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Naercio Menezes Filho