Criação do SUS, Plano Real e Bolsa Família foram fundamentais, mas falta uma ação para os jovens mais pobres
Folha
Para que o Brasil possa crescer de forma sustentada, será necessário aumentar a produtividade dos jovens pobres. O Brasil teve três políticas públicas cruciais nesta direção nas últimas décadas. A primeira delas foi a criação do Sistema Único de Saúde, a segunda foi o Plano Real e a terceira foi o programa Bolsa Família. Ainda falta uma política para que os jovens mais pobres possam ter condições de lutar por uma trajetória profissional de sucesso.
A constituição de 1988 estabeleceu que a saúde pública deveria ser universal e gratuita. Com base neste princípio, um grupo de sanitaristas desenhou o Sistema Universal de Saúde (SUS), criado em 1990. Antes do SUS, os mais pobres não tinham acesso aos serviços de saúde, que só eram fornecidos gratuitamente por poucos hospitais beneficentes. As agentes da Estratégia Saúde da Família, parte integrante do SUS, passaram a visitar as famílias mais pobres para examinar suas condições de saúde, permitindo que os mais pobres entrassem em contato com o Estado pela primeira vez em suas vidas. Esta foi a primeira política pública primordial para os mais pobres.
Em junho de 1994, a inflação no Brasil atingiu 47%. Nesta época, as pessoas corriam para o supermercado quando recebiam seus salários, pois o imposto inflacionário corroía o poder de compra diariamente. Os mais ricos tinham acesso a cartões de crédito e aplicações financeiras que os protegiam da inflação (“overnight”). Mas, os pobres não tinham dinheiro no banco e, portanto, tinham que conviver com perdas cada vez maiores no valor do dinheiro, que guardavam embaixo do colchão, à medida que a inflação acelerava. A segunda política pública crucial para os mais pobres foi o Plano Real que, com um desenho econômico brilhante, acabou com a hiperinflação.
Em 2002, havia vários programas sociais destinados a melhorar a vida dos mais pobres, como o bolsa escola, o cartão alimentação, e o auxílio gás. Além disto, um cadastro único das pessoas mais pobres do país tinha sido construído. Isto permitiu que fosse implementada a terceira política pública crucial, o programa Bolsa Família, que unificou todos estes programas, que antes eram geridos por ministérios diferentes e tinham muitas sobreposições.
O Bolsa Família transferia apenas R$ 200 em média para cada família, o que foi suficiente na época para tirá-las da extrema pobreza. E passou a exigir que os beneficiários mantivessem seus filhos vacinados e frequentando a escola. Assim, em tese, o programa criaria as condições para que a geração seguinte tivesse mais escolaridade e conseguisse entrar no mercado de trabalho formal, aumentando sua produtividade.
Mas, para que isto realmente ocorra está faltando mais uma política crucial, que é melhorar a qualidade da educação. Desde 1988 até hoje, os recursos educacionais por aluno aumentaram mais de três vezes. O novo Fundeb aumentou ainda mais os recursos da união destinados à educação. Desde então, os jovens passaram a ficar mais tempo na escola e a conclusão do ensino médio triplicou. Mas, o aprendizado destes jovens permanece estagnado.
O Pisa, exame internacional que avalia o conhecimento de alunos de 15 anos de idade em mais de 60 países, mostra que os alunos brasileiros estão entre os que menos aprendem, sem terem tido qualquer evolução significativa de conhecimento ao longo do tempo. Além disso, os alunos não têm as habilidades socioemocionais necessárias para persistir na prova, pois a maioria desiste antes do final. Por fim, a pandemia afetou bastante o aprendizado dos alunos das séries iniciais e piorou a saúde mental e as habilidades socioemocionais dos nossos jovens.
Para que o ciclo de políticas públicas cruciais tenha sucesso é necessário que um grupo de especialistas proponha uma mudança fundamental no sistema de gestão educacional brasileiro, como fizeram os criadores do Plano Real, do SUS e do Bolsa-Família. Quem vai desenhar a quarta revolução nas políticas públicas?
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