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Primeiras impressões do marco fiscal

Folha

Na quinta (30), foram apresentadas as linhas gerais do novo marco fiscal. Temos que esperar o detalhamento, mas o princípio é que a taxa de crescimento do gasto público real, isto é, acima da inflação, oscilará entre 0,6% e 2,5% ao ano.

O crescimento do gasto primário da União será de 70% da expansão da receita do ano anterior, se for maior que 0,6% e até o limite de 2,5%. Caso contrário, a alta do gasto será 0,6% como piso e 2,5% como teto.

Ou seja, temos uma banda de crescimento entre um teto e um piso. O ponto do interior da banda em que estaremos (quando não estivermos nem no teto nem no piso) dependerá do crescimento da receita.

Adicionalmente, há metas de superávit primário que, se não são atingidas, reduzem o crescimento do gasto para o ano subsequente em 50% do crescimento da receita, em vez dos 70%.

Essa regra estabelecerá que quase sempre o crescimento do gasto será menor do que o crescimento da receita. Como a receita cresce conjuntamente com a economia, a regra prevê uma redução do gasto como proporção do PIB (Produto Interno Bruto). É uma regra correta para uma economia que tem um desequilíbrio fiscal crônico.

Há três dúvidas maiores e qualificações à regra. Primeiro, hoje o gasto com saúde é vinculado ao crescimento da receita. Se o gasto total crescerá menos que a receita, haverá, com a passagem do tempo, um aumento da participação do gasto em saúde como proporção do gasto total.

O ideal seria que houvesse em 2023 a recomposição do gasto em saúde até o nível avaliado adequado pelo governo. A partir desse ponto, a regra de crescimento do gasto de saúde seria a mesma do gasto total, 70% do crescimento da receita, com o piso e teto.

Segundo, a vinculação à receita fará com que a regra seja mais procíclica do que um teto de gasto. O fato de o crescimento do gasto ser inferior ao crescimento da receita não elimina a prociclicidade. Esta ocorre pois, quando a receita cresce, o gasto também cresce. Piso e teto moderam esse problema.

O terceiro problema é que a regra é insuficiente. Além da regra, o governo divulgou metas de superávit primário de 2024 a 2026, respectivamente de 0% do PIB, 0,5% e 1%. A simulação da regra não gera esses valores de superávit. Falta algo entre 1% e 1,5% do PIB de receita.

Para que essa trajetória de superávit primário estabelecido pelo governo se materialize, será necessário um aumento de carga tributária. Não está claro quais serão as bases tributárias a serem exploradas.

O mantra do presidente Lula tem sido “precisamos colocar o pobre no orçamento e o rico na receita”. Portanto, tudo sugere que, quando as medidas de elevação de arrecadação vierem, elas se concentrarão em impostos sobre as altas rendas.

Dois são os espaços mais óbvios de tributação sobre as altas rendas. Primeiro, fechar espaço de planejamento tributário que permite que o lucro tributário das empresas seja sistematicamente inferior ao lucro contábil. Essa é medida para as empresas que operam no regime do lucro real.

Para as empresas que operam no regime do Simples e as pejotinhas, a agenda é tributar a distribuição de dividendos. Os regimes tributários especiais constituem caso claro de elisão fiscal.

Evidentemente, para que o ganho de receita ajude a reduzir a dívida pública, não poderá ser compartilhado com estados e municípios nem vinculado a outras linhas de gasto.

A aprovação do marco fiscal com essa elevação de arrecadação, associada à aprovação da reforma dos impostos indiretos, que melhorará em muito o ambiente de negócios no Brasil, produzirá o espaço para que Lula chegue bem a 2026. E o país também.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2023/04/primeiras-impressoes-do-marco-fiscal.shtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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Samuel Pessôa