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O economista Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre/FGV e chefe da pesquisa econômica da JBFO, disse, em entrevista ao podcast 2+1, apresentado pelos colunistas Vera Magalhães e Carlos Andreazza, do jornal O Globo e da rádio CBN, que a proposta do marco fiscal enviada pelo governo federal ao Congresso é sintomática da ‘escola heterodoxa’ da esquerda na economia. Ele aponta que a escolha de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda significa que o próprio Lula está no comando da pasta.
‘A diferença é que a turma heterodoxa tem certo otimismo na capacidade de o gasto público alavancar crescimento. Nós, não. Achamos que o crescimento é um fenômeno mais microeconômico do que macroeconômico. (…) Tudo depende de como o presidente vai arbitrar’, afirmou.
‘Ficou claro, para mim, na PEC da Transição, que nesse terceiro mandato o ministro da Fazenda é o presidente Lula. Foi por isso que ele escolheu uma pessoa de tanta confiança para ser o ministro da Fazenda, para que ele tenha interlocução fácil. O presidente quer deixar para si mesmo a prerrogativa de desenhar a política econômica’, continuou.
Para Pessôa, o maior erro no texto do arcabouço foi a mudança nos mecanismos da Lei de Responsabilidade Fiscal. O novo projeto retira a previsão de punição ao Executivo em caso de descumprimento das metas fiscais e ainda a previsibilidade de contingenciamento periódico, o que obrigava o governo a acertar os gastos públicos até retornar à execução correta da meta.
‘Ao longo da execução, tem a Esplanada dos Ministérios, a burocracia pública e também os interesses particulares nos corredores, tentando liberar recurso. Nesse momento, não está o interesse coletivo. Aí, o que o burocrata tem para defender o interesse difuso? Os decretos de contingenciamento, a meta, e a punição que ele sofre se a meta não for atingida. Tudo isso que foi feito enfraquece exatamente essa dinâmica e, portanto, dá muito poder ao patrimonialismo e aos interesses particulares. (…) Essas medidas tiram o poder da democracia de dizer não’, destacou.
Sobre a viabilidade da proposta, o economista pontuou que será necessário o aumento de carga tributária. Já o governo, desde a elaboração do texto, bate na tecla de que não haveria cobrança de novos impostos da população.
‘Tem uma zona cinzenta em que não está muito claro se há novo imposto ou se é briga contra elisão fiscal. Por exemplo, tributar distribuição de dividendo. Eu posso dizer que essa tributação é um imposto novo, ou posso dizer que essa tributação é um esforço de combater a elisão fiscal das “pejotinhas” e empresas que estão no Simples’, pontuou.
Samuel duvida também da projeção de crescimento econômico prevista pela Fazenda.
‘Uma das bases do arcabouço fiscal são metas de superávit primário. Essas metas não são realizáveis; elas só são realizáveis se houver, nos próximos anos, um substancial aumento de receita – que pode vir ou não. (…) O melhor era que as metas fossem mais realistas, com o que nós temos sobre a mesa de receita e mantendo os mecanismos tradicionais da Lei de Responsabilidade Fiscal. A estratégia foi outra. São metas irrealistas. Enfraqueceu-se os mecanismos de execução fiscal’, analisou.
Samuel Pessôa chamou ainda a reforma tributária de “o Plano Real de Lula”. Para o economista, o aumento de carga tributária e a briga contra elisão tributária eram pautas para um segundo momento.
‘Gostaria que Lula priorizasse a reforma dos impostos indiretos, além do projeto de lei complementar da regra fiscal. Essa reforma, se for aprovada e não for muito aguada, ela sinalizará que, nos próximos 20 anos, a taxa de crescimento da produtividade do país será maior. A gente tem uma complexidade tributária que nenhum país tem. Isso faz com que as empresas tenham departamentos contábeis gigantes. Adicionalmente, como é muito confusa a regra, gera muito litígio. Fica todo mundo brigando por imposto, e isso drena a energia do país para desenvolvimento tecnológico, produção etc.’, opinou.
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