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Avanços e retrocessos na regra fiscal

Folha

Na semana passada, o governo divulgou o texto da lei complementar que estabelecerá a nova regra fiscal.

O maior avanço da regra foi o estabelecimento de uma banda para o crescimento real do gasto primário da União. Um governo de esquerda reconhece a existência de uma limitação para o gasto público.

Como afirmei neste espaço há duas semanas, a regra é procíclica, pois vincula o crescimento do gasto público ao crescimento da receita. No entanto, o piso e o teto para o crescimento do gasto público reduzem a prociclicidade da regra fiscal.

É necessário melhorar a redação do quarto parágrafo do quarto artigo. O parágrafo refere-se ao cálculo da taxa de crescimento da receita real que balizará o crescimento do gasto na Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano subsequente. O ideal é que seja apurada a receita mensal real, mês a mês, e, em seguida, haja o cômputo da taxa de crescimento da receita total em 12 meses ante os 12 meses imediatamente anteriores.

Como já se sabia, as metas de superávit primário para os próximos anos serão factíveis somente se houver forte elevação da carga tributária. Se não houver crescimento da carga tributária e se o crescimento da economia for na casa de 1,5% ao ano, o gasto público ficará em torno de 19% do PIB até 2026. Haverá déficit primário até 2025, e, se tivermos sorte, o superávit primário será nulo em 2026. A dívida bruta crescerá nos quadriênio de Lula uns 15 pontos percentuais do PIB.

Assim, até segunda ordem, as metas de superávit primário, de -0,5%, 0%, 0,5% e 1% do PIB, respectivamente em 2023, 2024, 2025 e 2026, são irrealizáveis.

A estratégia do ministro Haddad para conviver com o risco de descumprimento das metas —por ele mesmo estabelecidas— foi alterar o nono artigo da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). O novo artigo da LRF lê-se: “Na hipótese de ser verificado, no âmbito da União, que, ao final dos meses de março, junho e setembro, a estimativa de receitas ou despesas poderá não comportar o cumprimento da meta de resultado primário estabelecida no anexo de metas fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, o Ministério Público da União e a Defensoria Pública da União: 1 – poderão promover, por ato próprio e nos montantes necessários, nos 30 dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela Lei de Diretrizes Orçamentárias”.

Todo o controle de despesa ao longo da execução fiscal anual deixa de ser obrigatório. E, consequentemente, um parágrafo ao novo artigo da LRF estabelece que “o descumprimento da meta de que trata o artigo não configura infração a esta lei complementar”.

A descriminalização da política fiscal, como o ministro Haddad se referiu à alteração do texto da LRF, abre a porta para a ação dos grupos de pressão ao longo da execução do Orçamento. Essa descriminalização retira poder dos agentes públicos, que, neste momento, são os defensores do interesse coletivo, em dizer não quando os agentes dos grupos de pressão e dos poderes particulares baterem na porta dos ministérios.

Quando terminar o ano e o Executivo enviar para o Congresso a carta explicando os motivos do não atingimento da meta, os interesses particulares já estarão contemplados. No Brasil, tudo vira direito adquirido em um piscar de olhos.

É muito melhor trabalhar com metas realísticas da execução fiscal e manter o controle das metas na execução anual.

É necessário que o Congresso Nacional volte ao modelo de controle do gasto público na execução do Orçamento ao longo do ano-calendário.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2023/04/avancos-e-retrocessos-na-regra-fiscal.shtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa