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Brasil mais verde e produtivo – 2

Há que se desenvolver de maneira coordenada e fiscalmente eficiente as possiblidades globais da economia de baixo carbono

Valor

O arcabouço fiscal proposto pelo governo responde aos fatores determinantes da dinâmica da dívida pública, e se fortalecerá na medida em que o país crescer investindo no que tem vantagens comparativas estabelecidas ou potenciais.

O arcabouço explicita a variação da relação da dívida como proporção do PIB (d), dada pela taxa de juros real incidente sobre essa dívida (r), a taxa de crescimento do PIB a preços constantes (g) e o resultado primário como proporção do PIB (p), sendo esse resultado a diferença entre receitas e despesas do governo, excluindo o pagamento de juros. A relação d = r-g-p evidencia que estabilizar a dívida como proporção do PIB (d = 0) requer um resultado primário compatível com a taxa de juros existente e o crescimento do PIB.

Sem um crescimento do PIB perto de 2,5% ao ano o sucesso do arcabouço fiscal será difícil

Ao divulgar o novo arcabouço fiscal, o governo deixou entender que deseja ver a taxa “r” caminhar para 4%, a taxa que o BC considera “neutra”. Para facilitar essa convergência, o governo promete subir o resultado primário para +1% do PIB até 2026, moderando gasto e aumentando receitas.

Pelo arcabouço, apenas 70% do aumento de receitas podem ser usados para aumentar despesas, exceto quando isso implicar variação da despesa abaixo de 0,6% sobre a inflação anual. Esse piso é compatível com a observação do presidente do Banco Central de que ninguém conseguiu até agora reduzir as despesas obrigatórias de maneira permanente.

Pode levar 20 anos para sair do atual déficit e chegar a um primário de 1% do PIB, caso as receitas aumentem no ritmo do PIB e 70% desse aumento virarem gastos. Como essa trajetória não é crível, o governo iniciou um esforço arrecadatório e o arcabouço incluiu um teto de 2,5% para o crescimento anual da despesa. Esse esforço é indispensável, mas sem um crescimento do PIB (g) perto de 2,5% ao ano o sucesso do arcabouço será difícil.

O maior desafio econômico atual é, portanto, o PIB crescer sem que se ultrapassem os limites fiscais e reconhecendo que não vai adiantar, nem provavelmente será possível, expandir o crédito direcionado como no passado. A caderneta de poupança, cuja concessão de empréstimos imobiliários quadruplicou de 2018 para cá, chegando a R$ 200 bilhões (2% do PIB) em 2021, exemplifica essa condicionante. A redução desses desembolsos em 2022 deve continuar, mesmo que a proporção do saldo da caderneta direcionada para o setor imobiliário aumente de 65% para 70%, e os saques líquidos, que ultrapassam R$ 100 bilhões desde o começo do aperto monetário em 2021, parem.

Como, então, o investimento pode crescer acima de 5%, sustentando um PIB menos dependente do consumo e das exportações? Essa não é uma tarefa fácil, mas é possível, já que o investimento cresceu em média 7% ao ano em 2003-2010. Além da gestão macroeconômica e de crédito prudentes, ela exigiria hoje aumentar a produtividade das empresas e aproveitar a transição verde, que, junto com a inteligência artificial, se tornou motor da economia mundial.

Segundo o governo, a reforma da tributação do consumo pode adicionar 0,5 ponto percentual à taxa de crescimento do PIB por uma década. De fato, a simplificação e automatização do pagamento dos impostos, com a ampliação das compras passíveis de gerar crédito tributário, darão fôlego ao setor privado. Além disso, a diminuição das distorções atuais aumentará a eficiência alocativa da economia, estimulando o investimento. A simplificação também atrairá o capital estrangeiro, inclusive com a perspectiva de usar o Brasil como plataforma de produção para mercados globais, ajudando a enfrentar eventuais limites do crédito doméstico.

A transição verde pode alavancar o investimento nas energias renováveis e os biocombustíveis, estes em parceria com a eletrificação da mobilidade e com derivados do dendê para a aviação mundial. Ela abre oportunidades para a agricultura cada vez mais eficiente e circular, com integração da lavoura, pecuária e floresta, recuperação das pastagens e uso de biochar para fixar o carbono no solo, além de estimular a regeneração natural ou assistida das florestas. Ela trará mais demanda para a mineração e para tecnologias de eficiência energética, entre outras possibilidades.

Aproveitar as oportunidades verdes exigirá planejamento e definições políticas, porque envolve investimentos vultosos, especialmente privados, para atender de forma competitiva mercados às vezes incipientes.

A estratégia para o hidrogênio verde, por exemplo, merece detida avaliação. O preço alvo do H2 nos mercados consumidores é de US$ 1/kg e sua produção exige 50 kWh/kg. Logo, o preço da energia para viabiliza-lo é perto de R$ 100/MWh, considerando os custos da planta de eletrólise (US$ 1 M/MW), a liquefação e o transporte até o mercado final. Ainda que a energia sobre no Brasil hoje, com quase 30 MW de capacidade solar, é possível que apenas projetos em grande escala com contratos de compra firme e financiamento externo sejam competitivos em horizonte mais longo.

Como as energias renováveis são intensivas em capital (R$ 5M/MW instalado), a exportação de 1 MtH2 /ano exigiria um investimento de US$ 10 bilhões (0,5% do PIB) na geração de eletricidade e outros tantos para a planta de H2. Seu impacto no PIB vai depender ainda da proporção dos equipamentos produzidos no país e de acordos de exportação bem calibrados. Alternativamente, 1 MtH2 seria suficiente para produzir 20 Mt de aço, ou seja, duas vezes as exportações brasileiras, se a opção for converter as usinas siderúrgicas aqui ao invés de mandar todo o H2 para fora.

O arcabouço fiscal poderá ter maior sucesso, portanto, se for acompanhado por outro “arcabouço” que permita desenvolver de maneira coordenada e fiscalmente eficiente as possibilidades globais da economia de baixo carbono no Brasil, o que estimulará o investimento em inúmeras outras áreas, acelerando nosso PIB. É um caminho para robustecer o arcabouço fiscal e afastar o risco de que as demandas de gastos e a reticência à tributação venham a ser acomodadas via inflação.

link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/brasil-mais-verde-e-produtivo-2.ghtml

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Sobre o autor

Joaquim Levy