Folha
Fernando Limongi, professor titular de ciência política da FFLCH da USP e professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, lançou na sexta-feira (19), pela editora Todavia, “Operação Impeachment: Dilma Rousseff e o Brasil da Lava Jato”, com a narrativa dos fatos históricos que geraram o impeachment de Dilma, votado na Câmara em 17 de abril de 2016 e no Senado em 31 de agosto.
Limongi, quase que obsessivamente, nos presta um serviço público: por meio de uma narrativa fluente e enxuta em 168 páginas, acompanhamos em ritmo de thriller a sequência detalhada dos fatos. Todas as referências às notícias da imprensa da época que documentam a reconstituição histórica meticulosa de Limongi estão em 649 notas nas 100 páginas a elas dedicadas em letras pequenas no final do livro.
A edição cuidadosa contém referências bibliográficas e um índice remissivo, que facilita em muito a vida do leitor para recuperar fatos e personagens.
A tese principal do livro, sugerida pela reconstituição dos fatos, é que o impeachment de Dilma foi totalmente diferente do de Collor. Se neste o quarteto crise econômica, povo na rua, falta de articulação política e ocorrência de todos esses fatos no início do mandato explica o impeachment, não é o mesmo caso para Dilma.
Dilma conseguiu por pelo menos duas vezes recentralizar seu governo. Em setembro de 2015, após o MBL dispensar os serviços de Ives Granda Martins e “bater à porta de Hélio Bicudo” —que, assessorado pela também jurista Janaina Paschoal, preparou um novo pedido—, Dilma promoveu uma reforma ministerial. O PMDB recebeu duas pastas adicionais —Saúde, para o deputado do Piauí Marcelo Castro, e Ciência e Tecnologia, para o deputado do Rio de Janeiro Celso Pansera.
Como escreveu Limongi, “a reforma ministerial, portanto, marcou a reaproximação de Dilma e Lula, responsável direto pela reaproximação bem-sucedida com o grupo de Jorge Picciani”.
No segundo momento, no início de 2016, em seguida ao Supremo ter, em dezembro de 2015, derrubado o rito estabelecido pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, deixando o processo em suspenso até fevereiro de 2016, houve o afastamento das principais lideranças políticas do impeachment. Como escreveu Limongi, “o clima político era outro. O impeachment havia saído da pauta. Tudo indicava que o calendário eleitoral seria seguido”.
Nesse momento, voltou-se a tratar da agenda econômica. O governo, por meio do ministro Nelson Barbosa, ensaiou uma reforma da Previdência e um teto de gastos.
Nesse momento de distensão, a Lava Jato contra-ataca. Primeiro com a Operação Acarajé, em 22 de fevereiro, com 51 mandados, entre eles o de prisão para o marqueteiro de Dilma, João Santana. E, em seguida, em 4 de março, com a Operação Aletheia, com o mandado de condução coercitiva de Lula.
Esses movimentos da Justiça deixaram claro para os políticos que a Operação Lava Jato não iria ficar somente nos executivos das empresas nem somente nos políticos petistas. Iria alcançar a todos eles. Em uma ação de salvamento desesperada, o impeachment foi a saída que os políticos encontraram para tentar “estancar a sangria” promovida por Curitiba e pela Procuradoria-Geral da República na pessoa do procurador Rodrigo Janot.
Se entendi corretamente, essa é a narrativa de Limongi. E é nesse sentido que o impeachment de Dilma seria intrinsicamente distinto do de Collor: com erros e acertos, Dilma fez política. O que ela não conseguiu entregar foi o silenciamento da Lava Jato, aliás, produto que Temer também não entregou.
Adicionalmente, o fato de que, após sete anos do impedimento de Dilma, os políticos não se movimentaram para alterar a lei de impeachment de 1950, uma simples lei ordinária, sinaliza que a classe política gosta de ter à mão esse “remédio amargo” de solução de crises políticas agudas.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2023/05/a-historia-do-impeachment-de-dilma.shtml
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