Entrevistas

Automação eleva o custo do atraso educacional

Naercio Menezes Filho se diz pessimista sobre o futuro do país por problemas com ensino

Valor

Estudioso de temas como educação, mercado de trabalho e pobreza, o economista Naercio Menezes Filho se diz pessimista com a situação da sociedade brasileira e destaca a urgência de uma melhora da gestão do sistema educacional do Brasil, com melhor coordenação entre governo federal, Estados e municípios.

O resultado recente de uma prova internacional de alfabetização – com o Brasil no fim do ranking – é classificada como impactante, após anos de melhora contínua nos indicadores. Ao mesmo tempo, afirma, a automação já muda o mercado de trabalho no Brasil, embora em ritmo mais lento, e eleva o custo do atraso educacional.

“A tecnologia está automatizando as tarefas antes feitas por humanos. A alternativa para o jovem é basicamente estudar, se desenvolver, só que isso é muito difícil no Brasil. A educação não está empoderando o jovem para isso [a automação]”, diz o professor da FEA/USP e do Insper, onde é titular da cátedra Ruth Cardoso e pesquisador do Centro de Gestão e Políticas Públicas. “É um círculo vicioso e isso me deixa muito pessimista em relação ao futuro e à sociedade que estamos construindo”, afirma.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: O que representa o resultado do Pirls, avaliação de alfabetização em que o Brasil ficou entre os últimos colocados?

Naercio Menezes Filho: O resultado foi realmente muito impactante. Nas avaliações feitas aqui, desde 1995 a gente vê melhora no [desempenho] do 5º ano. Primeiro, as notas diminuíram quando o acesso aumentou, já que incluiu crianças com mais dificuldade, mas depois as notas aumentaram consistentemente, o que trazia otimismo. Só que o resultado da comparação mostra o Brasil muito mal, próximo do Kosovo. Não é que não houve progresso, mas não está no ritmo desejado. O resultado mostra que tem muita coisa para fazer.

Valor: E quais são os caminhos?

Menezes Filho: Para melhorar a educação, é preciso fazer coisas fora e dentro da escola. A literatura mostra a importância do desenvolvimento pleno da criança. É importante cuidar através de atenção básica de saúde e de transferência de renda. O Bolsa Família hoje dá um valor maior quando a família tem crianças pequenas. Outra coisa é creche: nem todas as mães que querem colocar seus filhos conseguem vagas, especialmente entre as mais pobres. Também tem a gestão, a organização, quem gerencia… E isso tem que mudar porque os resultados não parecem bons e se refletem no aprendizado. Além disso, há a pobreza. Não dá para esperar que uma criança vá aprender plenamente se passou fome, não tem saneamento básico em casa, vive numa casa lotada ou tem problemas de violência doméstica.

A educação não está empoderando o jovem para isso [a automação]”

— Naercio Menezes

Valor: Como organizar melhor?

Menezes Filho: É necessário fortalecer a conexão entre os governos. Parte da educação está nos municípios e nos Estados. E precisa de melhor organização do sistema educacional. Sempre dou o exemplo da saúde. Existem problemas, mas em geral funciona: cada um tem sua atribuição. Na educação, cada um faz o que quer. Alguns municípios são pequenos e pobres, não têm condições de organização. Temos um problema de educação há décadas que não conseguimos resolver. É preciso um sistema nacional de educação. O governo federal tem que apoiar municípios e Estados na gestão das redes. Precisamos de parcerias, como no caso do Ceará. É organização, não é tão difícil de fazer.

Valor: Como avalia a nova gestão do Ministério da Educação? Vê esse olhar para a organização?

Menezes Filho: Sim, tem todas as condições. Dado o exemplo do Ceará e dos seus municípios, tanto o Camilo [Santana] como a Izolda [Cela] têm trajetória educacional respeitável. Se alguém pode fazer alguma coisa pela reformulação do sistema educacional brasileiro, são eles. Mas no governo federal a situação é diferente. O tamanho da tarefa é bem maior, tem muitos governadores e prefeitos de diferentes partidos, grupos de pressão dos professores e sindicatos… Não é fácil, mas sabem o que precisa ser feito e já fizeram, em escala menor. Vamos esperar que consigam, com habilidade política, implementar as medidas para mudar a educação brasileira. Ainda é cedo para avaliar o desempenho. O primeiro ano é de organização e planejamento, vamos esperar os resultados um pouco mais para a frente.

Valor: A automação já mudou a realidade do mercado de trabalho?

Menezes Filho: Nos Estados Unidos, isso é bem presente porque a inovação tecnológica é muito mais rápida. Algumas pessoas se beneficiam do crescimento de produtividade via inovações, que são as que têm ensino superior completo, mas uma parcela perde: houve queda do salário real das pessoas com menor qualificação. No Brasil, o processo é mais lento. O país não consegue crescer produtividade de forma sustentada há muito tempo, as inovações demoram a chegar, a economia é mais fechada. Mesmo mais lento, vemos no dia a dia alguns dos efeitos. Os call centers que eram redes de humanos agora já têm as máquinas. No supermercado, avança o autoatendimento. Ao mesmo tempo, a taxa de participação no mercado de trabalho cai entre as pessoas com menos educação e entre os jovens. Parece muito provável que as coisas estejam relacionadas, né?

Valor: A educação é cada vez mais importante?

Menezes Filho: A longo prazo, se o jovem quiser ter um emprego, precisa de qualificação diferente, que permita exercer tarefas que não são mecânicas. O livro recente do [Daron] Acemoglu e do [Simon] Johnson fala disso nos EUA. A tecnologia está automatizando as tarefas antes feitas por humanos. Agora são feitas por máquinas. A alternativa para o jovem é basicamente estudar, se desenvolver, só que isso é difícil no Brasil. Isso se liga com a primeira parte da conversa. A educação não está empoderando o jovem para isso [a automação]. […] É um círculo vicioso e isso me deixa muito pessimista em relação ao futuro e à sociedade que estamos construindo. Se países desenvolvidos, com bom desempenho no Pisa [avaliação internacional], estão preocupados, imagina o Brasil. Essa educação, as habilidades de coordenar, gerenciar, criar, inovar, empreender, não estão presentes para a maioria dos trabalhadores. Esse atraso educacional está ficando cada vez mais importante e relevante.

Valor: Qual é o cenário?

Menezes Filho: O cenário, infelizmente, é transferência de renda. Se a gente não conseguir melhorar as coisas em termos de educação, formação, habilidades socioemocionais e saúde, as pessoas com menor qualificação não terão espaço no mercado de trabalho e dependerão de transferências. A tecnologia avança no mundo e a coisa foge um pouco do controle. A questão é como financiar o aumento de transferência de renda. Se tiver ganho de produtividade, se robôs e máquinas se mostrarem mais produtivos, isso vai gerar mais receita, mais impostos para o governo e isso é usado para financiar transferências. É um futuro mais de longo prazo.

Link da publicação: https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/rumos-da-economia/noticia/2023/05/31/automacao-eleva-o-custo-do-atraso-educacional.ghtml

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