Artigos

Discriminações no mercado de trabalho

Para diminuir as diferenças entre brancos e negros, a política de cotas para o ensino superior está sendo muito importante e deve ser mantida

Valor

A situação das mulheres e dos negros sempre foi muito difícil no Brasil, principalmente devido à discriminação por gênero e raça que é frequente por aqui. Isto faz com que a empregabilidade e os salários dos negros e das mulheres tenham sido sempre mais baixos do que os dos homens brancos. O IBGE acaba de lançar uma nova pesquisa educacional (PNAD-educação), que traz dados detalhados de educação e salários em 2022. Com ela, podemos entender melhor o que está acontecendo com as diferenças por gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro no período pós-pandemia.

Neste artigo, vamos focar nos jovens adultos. Atualmente, temos cerca de 37 milhões de pessoas de 25 a 35 anos de idade no Brasil. Dentre estes, 23 milhões (62%) concluíram pelo menos o ensino médio A figura ao lado mostra as diferenças na taxa de emprego destas pessoas por educação, gênero e cor. Esta taxa mede a porcentagem de pessoas nesta faixa etária que têm algum trabalho, que pode ser remunerado ou não, permanente ou temporário, formal ou informal, mas que não incluí o trabalho doméstico.

Podemos ver, em primeiro lugar, que as diferenças nas taxas de emprego por gênero e raça são bem maiores entre as pessoas que têm apenas o ensino médio do que entre as que têm ensino superior ou mais. Além disto, as diferenças são mais acentuadas entre homens e mulheres do que entre brancos e negros. Por exemplo, 88% dos homens negros com ensino superior estão trabalhando e 76% entre as mulheres negras com este nível de ensino. Além disto, 85% dos homens negros com ensino médio trabalham, mas apenas 56% entre as mulheres negras.

Visto por outro ângulo, as mulheres negras com ensino superior têm uma empregabilidade 20 pontos maior do que as só tem ensino médio. Entre mulheres brancas, esta diferença é de 18 pontos. Assim, mulheres que cursam uma faculdade têm uma série de características que as fazem superar as barreiras culturais, de fertilidade e de preconceito, levando-as a conseguir uma taxa de emprego mais próxima dos homens, embora ainda abaixo.

Mas, conseguir um emprego não é suficiente para igualar as oportunidades, é necessário que as pessoas tenham uma remuneração condizente com a sua qualificação. Porém, as diferenças salariais por gênero e raça são marcantes, mesmo entre pessoas com o mesmo nível de ensino. Entre os jovens adultos que têm ensino superior, o salário médio dos homens brancos é de R$ 5.600, ao passo que as mulheres brancas e os homens negros ganham R$ 3.600, enquanto as mulheres negras recebem apenas R$ 2600. Ou seja, a diferença salarial entre homens brancos e homens negros com ensino superior é de 55% e entre homens brancos e mulheres negras é de 115%.

Vale notar que estes diferenciais salariais persistem mesmo se analisarmos somente as pessoas formadas no ensino superior público e, mais ainda, entre pessoas que fizeram faculdades públicas e trabalham em ocupações parecidas. Ou seja, existe claramente uma hierarquia entre gêneros e raças no mercado de trabalho brasileiro, tanto em termos de empregabilidade como em termos de salário. Qual a razão disto?

Várias pesquisas internacionais mostram que as mulheres são penalizadas no mercado de trabalho quando têm filhos. Muitas delas optam por ocupações com mais flexibilidade de horário, que pagam menos, para terem mais tempo livre para se dedicarem à família. As pesquisas mostram também que muitas empresas discriminam os negros na hora de contratar. Vários experimentos sofisticados têm sido conduzidos para mostrar que empregadores tendem a discriminar pessoas negras, mesmo que tenham currículos iguais às brancas.

O que podemos fazer para mudar isso? Será que um aumento da oferta de ensino técnico, mais voltado para o mercado de trabalho, poderia eliminar estas diferenças de empregabilidade? Entre as jovens mulheres negras que concluíram o ensino médio, fazer ensino técnico realmente aumenta sua empregabilidade em 8 pontos percentuais, diminuindo a diferença com relação aos homens. Mas, o ensino técnico não é suficiente para diminuir as diferenças salariais, já que as mulheres que cursam o ensino técnico têm um salário apenas 13% maior, bem menor do que o retorno salarial do ensino superior.

Em termos das diferenças entre homens e mulheres, a política mais óbvia é fazer com que os pais também tenham um papel importante na criação dos filhos, ampliando a licença paternidade obrigatória. Além disto, políticas de salários iguais para homens e mulheres na mesma ocupação também são importantes. Para diminuir as diferenças entre brancos e negros, a política de cotas para o ensino superior está sendo muito importante e deve ser mantida.

Além disto, para mudar a trajetória de vida das mulheres e homens e negros, é necessário oferecer uma trajetória educacional de qualidade ao longo da vida, começando na primeira infância, passando pela creche, ensino fundamental e médio. Municípios que oferecem esta trajetória têm aumentos significativos na empregabilidade, diminuição dos homicídios e aumento das matrículas no ensino superior entre os jovens adultos. Em suma, é preciso combinar políticas direcionadas para reduzir a discriminação com políticas educacionais desde a primeira-infância.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/discriminacoes-no-mercado-de-trabalho.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Naercio Menezes Filho