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O Brasil, um passo à frente, dois passos para trás

Evitar uma nova “década perdida” é imperativo

Horacio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski

Valor

O Brasil é um país marcado por ao menos duas “décadas perdidas”, períodos de estagnação econômica. São elas a década de 1980 e a década de 2010, quando o país acumulou de 2014 a 2016 a maior retração do PIB desde 1900.

A década de 2020, por sua vez, começa sinalizada por adversidades globais, como a pandemia de covid-19, guerras e instabilidade política.

Este cenário é preocupante, uma vez que o Brasil já apresentava um desempenho ruim em uma conjuntura internacional menos adversa. Se analisarmos a evolução de diversos indicadores brasileiros desde os anos 2000, veremos a dimensão do retrocesso.

O Brasil se enquadra no grupo de países de renda média-alta com grande população. Neste grupo de países estão também África do Sul, Argentina, China, Colômbia, Indonésia, Malásia, México, Peru, Rússia, Tailândia e Turquia. A estes, podemos nos referir como países grandes em estágio semelhante de desenvolvimento.

Em 2022, o PIB per capita brasileiro, medido em poder de paridade de compra, foi de US$ 15.093 a dólares constantes de 2017. Comparativamente aos países grandes em estágio semelhante de desenvolvimento, nosso PIB per capita ficou atrás da maioria deles, exceto África do Sul, Indonésia e Peru. Nos anos 2000, o indicador brasileiro era semelhante ao deste grupo. A taxa média de crescimento do PIB per capita brasileiro de 2000 a 2010 foi próxima a desses países, 2,5% ao ano, ante 2,8% ao ano, excluindo-se a China. De 2010 a 2022, contudo, ficamos estagnados, com crescimento médio de 0,1% a.a., enquanto nos países comparáveis, o crescimento médio foi de 1,8% a.a., sem a China.

No período de 2000 a 2010 o PIB brasileiro cresceu 3,7% a.a., na mesma média dos países grandes de renda média-alta, exceto China (10,6% a.a.); no período de 2010 a 2022, o PIB brasileiro cresceu, em média, 0,9% a.a., superando apenas a Argentina.

Considerando a evolução do PIB setorialmente, o desempenho industrial foi o pior. O setor decresceu 0,3% ao ano em média de 2010 a 2022, enquanto o PIB industrial dos demais países grandes de renda média-alta, sem China, cresceu em média 2,1% ao ano no mesmo período.

Destaca-se também que no ranking de competitividade industrial da UNIDO, que leva em consideração diversos indicadores de performance industrial, o Brasil perdeu mais de 10 posições desde 2000, indo de 30º lugar para o 42º em 2022.

É evidente que a “nova década perdida” também teve seus efeitos sobre a evolução de vários indicadores socioeconômicos. Entre 2001 e 2021, o Brasil

apresentou uma taxa de desemprego maior do que os países comparáveis, 10,1% contra 7,8%. Quando se trata de desigualdade de renda, também não nos situamos bem, com o índice de Gini, de 2001 a 2021, de 54,2, enquanto a média dos países comparáveis foi de 43,4.

Diante desse quadro socioeconômico, o que o Brasil tem feito para alterar sua trajetória de estagnação ou mesmo retrocesso? O país tem ampliado sua taxa de investimento como forma de sustentar um crescimento de longo prazo?

O investimento brasileiro, medido pela formação bruta de capital fixo, foi de 18,8% do PIB em 2022, em trajetória ascendente desde 2017, quando atingiu 14,6% do PIB. Contudo, este patamar continua abaixo da média de investimento dos países semelhantes. Enquanto o Brasil investiu em média 18% do PIB de 2000 a 2022, os países comparáveis investiram em média 22,6% do PIB, sem China.

Pensando na taxa de poupança como uma medida da capacidade de financiar maiores taxas de investimento, vemos também que o índice brasileiro foi de 18,5% do PIB de 2000 a 2022, abaixo da média dos países semelhantes, de 25,8% do PIB, excluindo-se a China.

A carga tributária média brasileira no período de 2000 a 2019 foi de 33% do PIB, enquanto a média dos países grandes de renda-média alta foi de 20% do PIB.

A taxa média de juros real para empréstimos no Brasil de 2000 a 2022 foi de 35% ao ano1 em contraposição a 4,4% ao ano dos países grandes em estágio semelhante de desenvolvimento, sem Argentina e sem Turquia.

Além da carga tributária e da taxa de juros, que são recorrentemente apontadas como os principais fatores limitantes do investimento privado no Brasil, outro fator que prejudicou a competitividade brasileira foi a taxa de câmbio. Entre os países grandes de renda média-alta, o Brasil foi o único cuja moeda se manteve sobrevalorizada em relação ao dólar por um longo período, de 2007 a 2014.

O nosso baixo apetite à integração global levou o Brasil a ser um dos países de menor abertura comercial do mundo. De acordo com o Banco Mundial, em 2019 o Brasil estava na 165ª posição entre 167 países analisados.

Para completar o ambiente competitivo hostil, o Brasil continua com uma infraestrutura deficiente e uma escolaridade desastrosa.

Em saneamento básico, 45% da população brasileira ainda não tem acesso a serviços de coleta de esgoto, 16% não tem acesso a água tratada e 55% dos efluentes coletados não são tratados.

Em energia elétrica, os preços da geração e distribuição estão cada vez mais altos, subindo em média 8% a.a. de 2000 a 2022.

Quanto à escolaridade, a média de anos de estudo no Brasil ainda é muito baixa, apesar do crescimento entre 2000 e 2022, de 5,3 para 8,1 anos. Em 2021, o país continuava figurando entre aqueles com menor escolaridade média do mundo, ocupando o 121º lugar entre 191 países. Entre os países comparáveis ficamos à frente apenas da China. Na performance do PISA, o Brasil também está atrás da média em ciências, leitura e matemática.

O Brasil tem formado relativamente poucos graduados em áreas de ciência, tecnologia engenharia e matemática (STEM), comparativamente aos países semelhantes. São 17% contra 23% em média de 2014 a 2020, sem China. Além disso, as atividades científicas também ficaram debilitadas quando o dispêndio nacional em P&D caiu, indo de 1,37% do PIB em 2015 para 1,14% em 2020.

A síntese eloquente deste conjunto de indicadores é a vergonhosa produtividade da força de trabalho brasileira, que se coloca na 61ª posição entre 64 países conforme estudo do IMD à frente somente de Mongólia, Nova Zelândia e Venezuela.

Diante disso e de uma nova conjuntura global desfavorável, evitar uma nova “década perdida” é imperativo. Especialmente, se pretendemos elevar nosso grau de desenvolvimento socioeconômico, melhorar a renda da população, corrigir nossa histórica dívida social e tornar o país competitivo, o esforço precisa ser muito maior.

Atacar os pontos referidos é um recomeço desde que fruto de um esforço determinado, que demandará espírito empreendedor e desprendimento escolhendo os melhores caminhos sem travas ideológicas e com compromissos de avanços incrementais. Sem isto, o tanto que deixamos de fazer nestes anos será manter presa uma bola de ferro para o avanço do país no futuro, um perigoso autoengano ancorado em uns ou outros índices eventuais de melhorias, sem a consistente criação e distribuição de valor que cada vez deveria ser um urgente e redentor propósito nacional.

1. Dado do Banco Mundial (taxa de juros ajustada pela inflação). Dado compatível com o informado pelo Banco Central do Brasil.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-brasil-um-passo-a-frente-dois-passos-para-tras.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Pedro Passos