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Como crescer de forma sustentada?

A única solução de longo prazo para mudar a sociedade brasileira é o crescimento de produtividade contínuo e acelerado

Valor

Apesar dos avanços do novo governo nas áreas sociais, tributária e fiscal, ainda há muito a ser feito para colocar o país numa rota de crescimento sustentado. Precisamos sair da nossa rotina das últimas décadas, que alterna períodos curtos de crescimento econômico com períodos de desaceleração e recessão. O que temos de fazer para realmente mudar o Brasil?

As mudanças positivas nas áreas social e ambiental com o novo governo são evidentes. Em termos de saúde, o governo acerta ao recuperar as políticas implementadas nos governos anteriores, como o programa “Mais Médicos”, a “Estratégia Saúde da Família”, e o “Programa Farmácia Popular”, iniciativas que beneficiam principalmente as populações mais pobres nas áreas mais pobres do país, e que já foram avaliadas, mostrando resultados bastante positivos. Há poucas dúvidas de que a saúde dos mais pobres irá melhorar nos próximos anos.

Na educação, a equipe ministerial tem bastante experiência, tendo conduzido mudanças bem-sucedidas no Estado do Ceará nas últimas décadas, que colocaram as escolas desse Estado entre as melhores do Brasil no ensino fundamental. O problema é que a equipe está gastando tempo demais com a reforma do ensino médio (herdada de governos anteriores), ao invés de estruturar medidas para recuperar os atrasos educacionais resultantes da pandemia, aprimorar o sistema de avaliação educacional, criar o “Sistema Nacional de Educação” e colocar as crianças pobres na creche e na pré-escola.

Em termos de assistência social, a reformulação do nosso principal programa de transferências de renda, novamente chamado de “Bolsa Família”, também faz todo o sentido. As condicionalidades foram recolocadas no programa, exigindo que as crianças das famílias que recebem as transferências frequentem a escola e sejam vacinadas. Além disto, o valor da transferência novamente leva em conta a composição familiar, diminuindo o incentivo para a criação de famílias uniparentais fictícias, e retirando do programa os que fraudaram as regras. Ainda há muito trabalho a ser feito em todas estas áreas, mas parece claro que a área social/ambiental mudou de patamar.

Em termos econômicos, a reforma tributária deverá ser aprovada e é condição necessária, mas não suficiente, para que haja um novo período de crescimento sustentado. Além disso, o novo arcabouço fiscal parece ser suficiente para acalmar o mercado. Estas medidas, além da queda da inflação e consequente reduções da taxa de juros, deverão provocar uma aceleração do crescimento no curto prazo. Para que isto ocorra, falta o Congresso aprovar definitivamente estas reformas com poucas alterações, e aprovar também a taxação de fundos offshore, dos fundos exclusivos e dos dividendos.

Porém, com relação às outras condições necessárias para gerar crescimento sustentado, as medidas do novo governo vão na direção errada. O governo parece achar que o crescimento econômico só virá se for induzido com políticas de subsídios para empresas e setores nacionais. Mas ressuscitar o protagonismo do BNDES, as políticas de conteúdo nacional, as intervenções nos preços dos derivados do petróleo, os estaleiros e outras similares não faz sentido no mundo atual. São políticas que já se mostraram equivocadas e que diminuíram a produtividade da economia, ao invés de aumentá-la.

A única solução de longo prazo para mudar a sociedade é o crescimento de produtividade contínuo e acelerado

Os novos dados do Censo demográfico confirmam que o ritmo de crescimento populacional está caindo rapidamente. Desta forma, para que o país consiga crescer de forma sustentada, além das reformas discutidas acima, será imprescindível aumentar a produtividade das nossas empresas. Para isso, é necessário abrir mais a nossa economia, para que elas aumentem as importações de insumos mais avançados tecnologicamente, além de acirrar a concorrência.

Também será primordial investirmos em capital humano. Será impossível crescermos continuamente com mais de um terço dos nossos jovens fora do mercado de trabalho formal, transitando para sempre entre desemprego, informalidade, criminalidade e programas sociais. O mercado de trabalho está aquecido em parte porque muitos destes jovens estão deixando de trabalhar, porque não têm as qualificações necessárias para exercer as tarefas não-rotineiras e analíticas que estão crescendo no mercado de trabalho, já que as máquinas e robôs estão substituindo os trabalhadores nas tarefas manuais e cognitivas repetitivas em todo o mundo.

O problema é que nosso sistema educacional não está cumprindo seu papel. As avaliações mostram que a pandemia causou um grande estrago no aprendizado, nas habilidades socioemocionais e na saúde mental dos jovens. Além disso, as constantes mudanças nas políticas educacionais nacionais e locais, como a abolição dos livros didáticos em São Paulo, por exemplo, colocam os jovens em situação delicada. A grande maioria dos nossos municípios não tem condições de gerir seu sistema escolar de forma adequada. E muitos dos nossos professores estão sendo formados em curso teóricos e à distância, sem o devido preparo e a vivência prática.

Para melhorar esta situação, teremos que usar as novas tecnologias a nosso favor, fornecendo ensino individualizado para os alunos, no contraturno do ensino tradicional, em escolas de tempo integral. A ideia é que os softwares avaliem o aprendizado e as dificuldades de cada aluno e forneçam em tempo real o material necessário para que eles consigam superar as deficiências. Isso não significa abolir o livro didático, nem as aulas em classe, nas quais os professores interagem com os alunos, propõem trabalhos em grupo e coordenam atividades esportivas e de desenvolvimento profissional. Serão atividades complementares.

Em suma, a mudança de governo está renovando as políticas na área social, revertendo retrocessos no meio ambiente, saúde, educação e assistência, o que fará com que a situação das minorias deixe de piorar. Mas a única solução de longo prazo para mudar a sociedade brasileira é o crescimento de produtividade contínuo e acelerado. Isso só ocorrerá se, além das reformas em andamento, abrirmos a economia e investirmos na educação, formando jovens capacitados e produtivos.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/como-crescer-de-forma-sustentada.ghtml

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Sobre o autor

Naercio Menezes Filho