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Desempenho econômico brasileiro de 1930-80 foi bom, mas nada espetacular

FGV IBRE

Revisão da série do PIB por Bacha, Tombole e Versiani muda muito desempenho do Brasil na era do nacional-desenvolvimentismo,  entre 1930 e 1980, que de muito bom, com dados tradicionais, torna-se apenas bom, e nada espetacular.

O trabalho “Reestimating Brazil’s GDP growth from 1900 to 1980”, de Edmar Bacha, Guilherme Tombolo e Flávio Versiani, foi aceito para publicação e aparecerá em um dos próximos fascículos da Revista Brasileira de Economia. O artigo revisa as taxas de crescimento da economia brasileira ao longo do século XX, de 1900 até 1980.

No período em que as contas nacionais eram construídas pela FGV, de 1947 até 1980, uma parte da economia, parcela expressiva dos serviços, não foi incluída nas contas. Eram os serviços governamentais e financeiros e os aluguéis. Os três representavam algo como 30% do PIB no período. A taxa de crescimento do PIB não incluído nas contas nacionais – 3,1% ao ano em média, de acordo com evidências documentais da época – era menor do que a taxa de crescimento dos componentes do PIB incluídos nas contas – agropecuária, indústria, comércio e transportes. Assim, houve superestimativa do crescimento da economia no período. Também encontraram problemas semelhantes para o período anterior de 1900 até 1946. Segundo o resumo do trabalho, das correções às series “resultam cortes que reduzem as taxas de crescimento anual do PIB de 7,4% para 6,2% no período de 1947-1980 e de 4,4% para 4,0% no período de 1900-1947. Para todo o período de 1900-1980, os cortes que sugerimos reduzem a taxa de crescimento anual do PIB de 5,7% para 4,9%”.

A partir de 1980, os números oficiais do IBGE incluem todos os setores da economia. O nível da economia em 1980 está medido corretamente. Consequentemente, a superestimativa do crescimento entre 1900 e 1980 redundou em uma economia subestimada em 1900.

Há clara evidência de que as estatísticas conhecidas subestimam o nível da economia brasileira em 1900. Segundo a última atualização da base de dados de Maddison[1], a renda per capita do Brasil em 1900 era 11% da renda per capita americana. Para a mesma base de dados, a renda per capita italiana era 40% da americana e a da Espanha era 33%. Estranho haver o fortíssimo fluxo imigratório da Itália e da Espanha para um país quatro ou três vezes mais pobre. Por outro lado, em 1900, sempre segundo a base de dados de Maddison, o México tinha uma renda que era 23% da dos EUA, a Bolívia 18%, e a América Latina, excluindo o Brasil, era de 26%. Segundo a mesma base de dados de Maddison, a renda per capita brasileira era, em 1900, um pouco mais baixa do que a indiana, que representava 12% do PIB per capita americano (contra 11% da nossa). Todos os dados em US$ de 2011, controlando-se por diferenças sistemáticas de custo de vida.

Os autores propuseram, para diversos períodos, ajustes na taxa de crescimento anual médio, sempre para menor. De 0,2 ponto percentual (pp) para o período entre 1900 e 1919; de 0,6pp de 1920 até 1947; de 1pp de 1948 até 1966; e de 1,5pp de 1967 até 1980. Se nós, a partir de 1980, refizermos a trajetória da economia brasileira até 1900 ajustando as taxas por esses fatores, obtém-se que a renda per capita do Brasil em 1900 era 80% maior do que se imagina. Aplicando esse fator na séria da economia brasileira da base de Maddison, chegamos a que, em 1900, a renda do Brasil era 20% da renda americana, um número não muito inferior à média dos países latino-americanos.

A maior consequência da revisão dos autores é mudar muito o desempenho do Brasil no período do nacional-desenvolvimentismo, entre 1930 e 1980, quando o país lançou mão de políticas intervencionistas para estimular o crescimento. Com os dados atualmente conhecidos, nosso desempenho é muito bom. Segundo a base de dados de Maddison, somente o Japão e a Romênia apresentaram crescimento do PIB per capita superior ao brasileiro nas cinco décadas desenvolvimentistas. O PIB per capita brasileiro cresceu ao ritmo de 3,7% ao ano, ante 4,3% da Romênia e 3,8% do Japão. Todos os demais 53 países tiveram um desempenho pior do que o Brasil.

Aqui a coluna, com alguma liberalidade, reconstrói a série do Brasil de Maddison do século XX. Aplicou-se, para os dados do Brasil da base de dados de Maddison, os mesmos fatores de correção que os autores calcularam a partir dos dados usuais (dados do Ipeadata).[2] Pode haver alguma diferença em função do deflator de uma e de outra série. Sob essa hipótese de trabalho, e com os dados corrigidos, o PIB per capita cresceu entre 1930 e 1980 ao ritmo de 2,7% ao ano. Tivemos a 17ª maior taxa de crescimento do produto per capita entre os 56 países em que há dados na série de Maddison para o período. O desempenho médio entre os países para o período foi de 2,2% ao ano. Nosso desempenho foi 0,5pp por ano acima da média. Um bom desempenho, mas longe de ser espetacular.

Voltado aos dados usuais, a figura abaixo apresenta a trajetória do PIB per capita brasileiro de 1900 até 2022. Para facilitar a visualização, o gráfico foi construído em escala logarítmica. Os valores estão em R$ de 2010. A linha preta é a série baixada do Ipeadata. A linha cinza apresenta a correção proposta por Bacha, Tambolo e Versiani. As taxas de crescimento para os períodos são um pouco distintas das taxas de Maddison. Como vimos, o crescimento médio de 1930 até 1980 foi de 3,7% ao ano e de 2,7% com a correção proposta. Para a série do Ipeadata, o crescimento de 1930 até 1980 foi de 3,9%, e de 2,9% com a correção proposta.

Visualmente, a nova série retém as quebras estruturais identificadas em 1918 e 1980.[3] Para 1900 até 1918, a taxa de 0,6% ao ano foi revisada para 0,4%. De 1918 até 1980 tínhamos 3,9%, e a revisão foi para 3,0%. O período recente não foi revisto. Crescemos ao ritmo de 0,8%.

Finalmente, o fato de o nível da economia brasileira em 1900 ser quase que o dobro do que se imaginava indica que o desempenho brasileiro no século XIX deve ter sido melhor que se imaginava. Os mesmo três autores têm um trabalho para discussão em que revisam a experiência brasileira de 1820 até 1900.[4]

Para o século XIX, a correção é da inflação do PIB, também conhecido por deflator implícito do PIB. Essencialmente, as estatísticas empregadas consideram uma inflação para o século XIX maior do que deveria. Para a primeira metade do século XIX, os autores consideram também uma nova séria para as exportações brasileiras.

Segundo a base de dados de Maddison, o crescimento brasileiro per capita entre 1820 e 1900 foi de 0,03% ao ano. Com a proposta de revisão, crescemos ao ritmo de 0,7% ao ano, o mesmo que a América Latina excluindo o Brasil. Os números fazem muito mais sentido.

Muito precisa ser feito. O texto dos autores sobre o século XIX ainda está em processo de revisão pelos pares e o ajuste feito pela coluna da nova série dos autores para o século XX na base de Maddison é preliminar. Mas é muito bem-vinda essa revisão da experiência de crescimento do Brasil nos séculos XIX e XX.

Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de agosto de 2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] https://www.rug.nl/ggdc/historicaldevelopment/maddison/releases/maddison….

[2]Os dados de PIB per capita real (a R$ de 2010) baixados do site de séries históricas brasileiras do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipeadata.

[3] https://blogdoibre.fgv.br/posts/quebra-estrutural-na-taxa-de-crescimento….

[4] “Secular stagnation? A new view on Brazil’s growth in the 19th century”.

Link da publicação: https://blogdoibre.fgv.br/posts/desempenho-economico-brasileiro-de-1930-80-foi-bom-mas-nada-espetacular

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Sobre o autor

Samuel Pessôa