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Estadão

Se tivesse sido dado o devido peso aos dados sobre o mercado de trabalho, à queda contínua da taxa de desemprego e ao aumento da população empregada, o crescimento de 0,9% do PIB no segundo trimestre de 2023 não teria sido uma surpresa. Talvez o engano venha do excesso de confiança na potência da política monetária, que há mais de um ano está em território restritivo, e do esquecimento de que desde o início da pandemia a política fiscal tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos tem sido fortemente expansionista, provocando a ampliação da demanda agregada devido ao efeito multiplicador dos gastos públicos.

Além de seu efeito direto sobre a demanda agregada, a política fiscal expansionista eleva a taxa neutra de juros, que é a taxa real de juros, livre de riscos, que iguala a demanda agregada ao PIB potencial. Como a demanda agregada é a soma da demanda do setor privado (o consumo das famílias, mais os investimentos do setor privado e mais a contribuição do setor externo) e da demanda do governo, ao expandir a demanda agregada o aumento dos gastos públicos eleva a taxa neutra de juros, o que reduz a potência da política monetária.

Temos diante de nós um bolo que será repartido entre o governo e o setor privado, mas o governo quer aumentar sua fatia a uma taxa maior do que a de crescimento do bolo. O resultado óbvio é a redução da fatia do setor privado e, como o crescimento das transferências de renda sustenta o aumento do consumo, a fatia que encolherá é a do investimento em capital fixo, a mais sensível à taxa real de juros. Mas isso somente ocorrerá caso o Banco Central cumpra seu mandato, mantendo a taxa de juros suficientemente alta para reduzir a componente da demanda agregada mais sensível aos juros reais, que são os investimentos. Se não o fizer, o resultado será mais inflação.

Nas próximas semanas, assistiremos a uma enxurrada de novas projeções de crescimento do PIB em 2023 que, ao final, deverá se fixar acima de 3%. Ainda assim, existirão os que negam que há uma expansão da demanda agregada acima do crescimento do PIB potencial, e que a atual surpresa nada mais é do que a consequência de reformas ocorridas nos últimos anos, cuja maturação vem levando ao crescimento do PIB potencial. Como a nossa sociedade tem o péssimo costume de aceitar hipóteses que aparentam ser plausíveis, mesmo que não sejam suportadas por medidas empíricas bem fundamentadas, o mais provável é que tal narrativa traga algum conforto aos mais desavisados. Mas não conseguirá mudar o curso dos acontecimentos!

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Sobre o autor

Affonso Pastore