Para o ex-diretor do BC, a Selic em 9% no fim do ciclo, taxa observada no Focus, é bastante conservadora
Valor
A dinâmica mais benigna da inflação e um cenário um pouco mais otimista com a conjuntura da economia brasileira permitiriam que o Banco Central levasse a Selic para uma faixa entre 7,5% e 8,5% no ano que vem. Mas isso depende, em grande medida, da capacidade do governo em entregar o resultado fiscal do ano que vem. “Para que o BC consiga levar a Selic até esse intervalo, o resultado fiscal precisa ser bom. Quanto pior for, mais distante desses números vamos ficar”, afirma o presidente do conselho de administração da Jive Investments e ex-diretor do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo.
Para ele, a Selic em 9% no fim do ciclo, taxa observada no Focus, é bastante conservadora. “Vamos imaginar que a inflação seja 3,5%. Se eu colocar mais 4,5% que é o que o BC assume como juro real neutro, ainda estamos falando de 8%. Isso está um ponto abaixo — o que não é pouca coisa — do que os economistas estão esperando, ou seja, a visão do mercado hoje é uma visão conservadora e eu diria que isso é principalmente pelo risco fiscal”, avalia.
Diante de um cenário de inflação que Figueiredo classifica como bastante benigno e a visão de que o PIB potencial da economia brasileira pode ser melhor do que o atualmente calculado, inclusive com uma Nairu — o nível de equilíbrio da taxa de desemprego — mais baixa do que o mercado projeta, o Banco Central deveria se aproximar de uma Selic terminal mais próxima de 8% do que de 9%.
No entanto, isso dependerá da capacidade do governo de entregar os resultados fiscais prometidos. “Nossa visão para o fiscal é mais benigna. É um desafio grande, mas, parcialmente, o governo vai conseguir receitas adicionais e talvez faça algum corte de gastos. Para mim, o número deve se aproximar mais de 0,5% de déficit primário do que de 1%. Acho que 0,5% é um bom número. Vai mostrar que houve vitórias e derrotas, mas vai ter que incluir um pouco de corte de gastos também”, afirma.
Outra condição importante, segundo o ex-diretor do BC, é evitar que haja retrocessos na agenda microeconômica. “Isso vai permitir um avanço gradual na área macro. Com uma nova reforma muito relevante para o crescimento, que é a tributária, a gente pode continuar em um processo mais benigno. Isso desde que não haja estragos na área micro”, afirma.
Sobre o comunicado da decisão de ontem do Copom, como gosta de dizer, o conteúdo foi “um tostãozinho” mais duro do que o esperado, ao mostrar que, à luz do cenário atual, não há espaço para acelerar os cortes. Figueiredo aponta que o Copom usou no plural a expectativa para as próximas quedas e deve fazer cortes de 0,5 ponto nas próximas duas reuniões. “Claro que isso tudo tem que ser pensado que é a cabeça que o BC tem hoje. Isso não quer dizer que, se o cenário for muito favorável, ele não vá mudar de opinião no caminho”.
O ex-diretor do BC, por outro lado, se diz contrário à estratégia de tentar telegrafar os próximos movimentos ao mercado. “Não sou muito a favor do BC ficar falando de muitas reuniões à frente, porque o cenário acaba mudando muito. A história nos mostra que é contraproducente tentar orientar o mercado demais para uma coisa que é totalmente incerta”, aponta.
Assim, ainda há possibilidade de o Banco Central acelerar os cortes de juros em dezembro, segundo Figueiredo, mas a probabilidade maior é de que o ritmo aumente no ano que vem. Além disso, ele afirma que um Federal Reserve (Fed) mais conservador, como pareceu ser o caso após a decisão de ontem, deve ter impacto nos preços dos ativos ao redor do mundo, mas não parece suficiente para atrapalhar o processo deflexibilização monetária no Brasil.
“Não acho que seja significativo a ponto de o BC mudar os seus planos. A Selic está muito elevada para uma inflação que está se tornando mais benigna. O Fed está testando ainda se a taxa de juro atual é a taxa final do processo de aperto. Aqui nós já começamos a flexibilização. Estamos de seis meses a um ano na frente deles em termos de ciclo”, afirma Figueiredo. Ele projeta que, a despeito das expectativas do mercado, que o Fed comece seu processo de afrouxamento monetário no segundo semestre do ano que vem, ainda que em um ritmo lento.
Link da publicação: https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/09/21/quanto-mais-o-governo-entregar-no-fiscal-mais-o-bc-vai-poder-cortar-os-juros-diz-figueiredo.ghtml
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