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O Brasil e a COP28

A agricultura é um dos exemplos de como o Brasil, além de poder chegar às emissões líquidas zero antes de 2050 e também contribuir para que o resto do mundo acelere sua transição

Valor

Um dos temas da COP28 nos Emirados Árabes daqui a algumas semanas será a agricultura e sua conexão com as mudanças climáticas. Esse interesse se explica talvez porque, formalmente, até 25% das emissões globais de gases de efeito de estufa são atribuídas ao Uso da Terra e alterações no ambiente que ele implica. Das emissões atribuídas à agropecuária, destacam-se aquelas associadas ao desmatamento, sucedido pelo uso da terra para agricultura ou pecuária e à contabilização convencional de gases de curta duração, em particular o metano vindo da ruminação de bovinos. Alguns governos e muitas organizações não governamentais começaram a expressar preocupação também com, por exemplo, o potencial impacto de fertilizantes e pesticidas na biodiversidade.

O Brasil tem sido pioneiro em tratar vários desses tópicos, mas talvez ainda não tenha conseguido articular uma agenda que valorize adequadamente nossa agricultura, talvez pela repercussão do aumento do desmatamento, principalmente na Amazônia. Algumas práticas como a semeadura sem arado, a redução do período em que a terra fica descoberta e técnicas para recuperar pastagens, incluindo a integração da lavoura pecuária e florestas (ILPF) têm se disseminado nos últimos 15 anos, permitindo ao Brasil cumprir com folga algumas das metas que se impôs em 2009, inclusive no que tange à fixação natural do nitrogênio no solo e tratamento de dejetos animais.

Algumas delas começam a ser adotadas nos EUA, sendo recompensadas pelo mercado lá. O financiamento da agricultura de baixo carbono também tem recebido mais atenção no Brasil, inclusive no Plano Safra. Com a maior capitalização do agro na esteira dos altos preços internacionais das commodities, também tem crescido práticas avançadas de sustentabilidade, como a chamada agricultura regenerativa, menos dependente de pesticidas e uma realidade já no Mato Grosso.

Excluindo as emissões entéricas, a agropecuária brasileira emite pouco mais de 100 milhões de toneladas equivalentes de CO2 (100MtCO2) por ano. Boa parte, ou até mais do que isso, já é capturado ou evitado por práticas como a ILFP, contando como reduções na contabilidade da SEEG. Aumentar e medir com precisão o sequestro no solo pode tornar esse balanço ainda mais favorável, especialmente se a produção e uso do biochar (terra preta da Amazônia) de floresta planta se expandir, ajudando também a diminuir o uso de fertilizantes.

As emissões entéricas têm sido estáveis nos últimos 20 anos, crescendo de menos de 10% entre 2002 e 2021. Mais recentemente, o IBGE indicou um aumento de cabeças de gado, o que talvez se reverta com a aceleração cíclica do abate no curto prazo. De qualquer modo, a expectativa é que o rebanho bovino não aumente muito nos próximos anos, já que a produção de carne cresceria pelo aumento da produtividade e queda na idade de abate dos animais. Nesse caso, a emissão líquida de GEE atribuída às emissões entéricas poderia não só convencionalmente cair, como ficar negativa em algumas métricas.

A agricultura pode ainda proteger a biodiversidade em biomas em rápida transformação, como o Cerrado, também pela adesão de alguns setores às alternativas previstas no Código Florestal de 2012, estimulando, por exemplo, a formação de áreas protegidas contínuas e de extensão significativa.

Práticas avançadas, como agricultura regenerativa, menos dependente de pesticidas, já é realidade no Mato Grosso

A COP em um país produtor de petróleo pode ser uma boa ocasião para se discutir como créditos de carbono originados em soluções baseadas na natureza podem ter mais destaque na redução das emissões líquidas globais. Financiar o sequestro de carbono em novas florestas ou no solo, assim como projetos que evitem emissões por causa do desmatamento em florestas tropicais, através de créditos de carbono, seria uma boa forma de reduzir o impacto das emissões derivadas de combustíveis fósseis no transporte (escopo 3). O eventual sobrepreço nos combustíveis fósseis, se não absorvido pelos produtores, daria um sinal para a moderação do consumo global desses produtos e seria menor do que o da maioria das alternativas de sequestro de CO2 disponíveis ou previstas no curto prazo.

A agricultura é um dos exemplos de como o Brasil, além de poder chegar às emissões líquidas zero antes de 2050, pode também contribuir para que o resto do mundo acelere sua transição. Inúmeras empresas brasileiras estão investindo nesse sentido, como ficou evidente na recente J Safra Conference, onde foram discutidas perspectivas do mercado regulado e voluntário de carbono, novas dimensões da economia circular e o crescimento do biogás, o rastreamento na pecuária, a opção da Eletrobras se tornar cada vez mais renovável e da Vale produzir ferro esponja de baixo carbono, entre muitas outras ações concretas empreendidas pelo setor privado brasileiro.

O Brasil poderá também aproveitar um importante desenvolvimento no campo empresarial, que é a publicação dos novos standards internacionais de sustentabilidade pelo IRFS-ISSB. O primeiro standard estabelece os requisitos gerais para divulgação de dados financeiros relacionados à sustentabilidade, com riscos e oportunidade que informe os investidores. O segundo detalha a forma com que essa divulgação nas demonstrações financeiras deve ser feita, incluindo a publicação da pegada de carbono da empresa, sua estratégia para redução de emissões, e os recursos destinados para tal fim.

Tudo isso de forma inteligível para investidores. Na medida em que essas normas forem se enraizando e ficarem claras as trajetórias das empresas, e o custo para segui-las, é muito provável que, independente de subsídios em algumas jurisdições, as empresas foquem em lugares em que a energia limpa seja intrinsicamente barata, a segurança jurídica e de dados seja reconhecida, e haja mão de obra adequada.

O Brasil tem como atender todas essas demandas, especialmente com a simplificação esperada com a reforma do IVA. Aproveitar essas oportunidades pode proporcionar um ciclo de crescimento comparável com o da primeira década do século, com reflexos positivos na inclusão e no desenvolvimento social de todo o país.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-brasil-e-a-cop28.ghtml

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Sobre o autor

Joaquim Levy