Artigos

Novo PIB potencial

Reformas adicionais, como a abertura da economia, parecem ser necessárias

Valor

Em coluna anterior, “Sobre o pessimismo crônico” (01/06/2023), publicada quando da divulgação dos dados do PIB do primeiro trimestre do ano, que surpreendeu positivamente, notei que a sequência de surpresas positivas com o ritmo de expansão da economia vinha desde 2020. No texto, levantei a hipótese que tal sequência de erros de projeção poderia, entre outros fatores mais ou menos plausíveis, ser explicada por uma elevação do PIB potencial, isto é, o patamar de crescimento não inflacionário da economia. Esse desenvolvimento, por sua vez, seria derivado do impacto defasado e cumulativo das diversas reformas aprovadas desde 2016. A coluna concluía notando que o passar do tempo permitiria a acumulação de evidências sobre esses efeitos.

A divulgação o PIB do segundo trimestre trouxe outra surpresa positiva: a mediana das expectativas era de alta de 0,3% (trimestre contra trimestre anterior com ajuste sazonal), ante os 0,9% observados. Com essa publicação, as perspectivas para o ano foram novamente revistas favoravelmente, de 2,3% para 2,9% (conforme apurado pela pesquisa Focus) e o debate público sobre a possibilidade de que o PIB potencial tenha aumentado se intensificou. O próprio Banco Central se juntou ao mesmo, com a divulgação da ata da mais recente reunião do Copom na semana passada. O Comitê debateu se o crescimento potencial teria se elevado devido a reformas regulatórias e avanços institucionais. E, ainda que julgue prematuro reavaliar o PIB potencial nesse momento, o Copom pondera que a persistência de crescimento resiliente sem impacto inflacionário pode levar no futuro a essa reavaliação.

É natural que as autoridades monetárias sejam mais conservadoras na reestimativa deste tipo de variável, e, mais importante, no uso dessas novas estimativas no processo de tomada de decisões. Esta é sem dúvida a postura dominante entre os bancos centrais. Há, contudo, um episódio em que um banco central se antecipou aos mercados e à academia na identificação de uma ruptura estrutural. Isso ocorreu na década de 1990, nos EUA, quando o então presidente do Fed, Alan Greenspan, se antecipou, até em relação ao próprio conjunto de economistas da instituição, ao notar que os ganhos de produtividade derivados da inovação tecnológica teriam aumentado a velocidade de cruzeiro da economia. Isso o permitiu manter a política monetária relaxada por mais tempo do que os modelos usados na época sugeririam. Sem ser explícito sobre a direção do impacto, nosso banco central registra que uma reavaliação do crescimento potencial, ou não inflacionário, teria implicações para a política monetária por aqui também.

Antes de considerar alguns estudos feitos pelas economistas do Itaú, vale registrar que o PIB efetivo deve oscilar em torno do potencial, e, além de não diretamente observável, é um alvo móvel, assim como outras variáveis macroeconômicas chave, como as taxas neutras de juros e desemprego. Essa observação quanto à definição de PIB potencial sugere imediatamente que patamares nunca verificados, ou verificados décadas atrás, como as taxas de crescimento de 5% ou 6% ao ano observadas no terceiro quarto do século passado, podem ser aspiracionais, mas pouco relevantes para uma análise contemporânea. Cabe notar, também, que as estimativas incorporam o período da pandemia, o que sugere uma cautela adicional em sua interpretação.

No período recente, na comparação com 2017-19, houve aumento da capacidade potencial de crescimento

As economistas consideraram diversos métodos de estimação. O primeiro consiste em aplicar filtros estatísticos para suavizar a série do PIB efetivo. A virtude desse método é sua simplicidade. Mas alguns dos filtros mais tradicionais apresentam viés no final da amostra. Considerando esses filtros, a conclusão é que o PIB potencial estaria, nesse momento, entre 1,6% e 2,5%.

Uma alternativa é utilizar a evolução dos fatores de produção, trabalho e capital, ao longo do tempo. Essa metodologia também é relativamente simples, e associa o PIB potencial à evolução de variáveis econômicas importantes, como a taxa de desemprego e a taxa de utilização da capacidade na indústria. A fragilidade vem da necessidade de se utilizar valores estimados para as taxas não inflacionárias de desemprego e utilização da capacidade. Considerando 9% e 81%, para tais variáveis, respectivamente, a conclusão é um PIB potencial modesto, em torno de 1,6%. Duas observações são interessantes, a primeira é que modelos de projeção de inflação incorporando uma taxa neutra de desemprego de 9% têm superestimado a mesma, o que sugeriria uma taxa neutra mais baixa. Outra, menos alvissareira, é que a desaceleração do crescimento populacional tende a reduzir o PIB potencial no longo prazo.

A combinação dos dois métodos aponta para o PIB potencial atualmente entre 1,5% e 2,4%.

Modelos de crescimento do PIB estimados usualmente levam em conta uma constante entre 1-1,5%. Quando nada ocorre nos demais determinantes do PIB, o crescimento do PIB será dado apenas pela constante, que pode ser interpretada como o PIB potencial. Considerando a evolução da constante ao longo de várias amostras, podemos inferir como o PIB potencial tem se alterado nos últimos anos. Essa análise sugere que o PIB potencial teria recuado a apenas 0,5% na virada da década, mostrando recuperação posterior, que o teria levado ligeiramente acima de 1,5%.

Em suma, as economistas do Itaú acabam concluindo, com a devida cautela, que, comparando o período de 2017-2019 com o período mais recente, tivemos provavelmente um aumento do PIB Potencial, para algo em torno de 1,5%-2%. Isto poderia ajudar o banco central na calibragem da política monetária, mas segue bem aquém do necessário para recolocar o país na rota da convergência com as economias avançadas. Reformas adicionais, como a abertura da economia, parecem ser necessárias.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/novo-pib-potencial.ghtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=edicaododia

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita