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A reforma tributária faz diferença?

A implementação exitosa da reforma tributária ajudará a crescermos sem pressão inflacionária em 2024 e a modernizar a economia

Valor

O ano se encerra com boas notícias na área econômica, especialmente a reforma tributária que cria o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA). A reforma ajudará a transformar a economia brasileira, diminuindo o custo de se pagar impostos e incentivando a melhor alocação do capital, com mais investimentos, inclusive do estrangeiro.

A reforma deve-se a muitas pessoas e, em especial, à pertinácia do secretário especial Bernard Appy. Ele abraçou a causa há mais de uma década, enfrentando as complexidades de uma reforma em um país federativo, ao mesmo tempo em que soube repartir o protagonismo com o Congresso, técnicos de primeiro calibre dedicados à reforma, juristas e inúmeros agentes das três esferas da Federação.

Ao contrário do nosso primeiro imposto não cumulativo sobre o consumo, o ICMS, o IVA foi construído sob a égide da democracia, com ampla discussão, e refletindo os inúmeros interesses e compromissos que movem o Congresso. Entre eles, a adaptação do calendário do IVA à “convalidação” dos benefícios fiscais consagrada em 2017, que estendeu os benefícios existentes por mais 15 anos. Por isso, o IVA estadual só encontrará sua plenitude em 2033, enquanto o IVA federal virá mais rápido. Chegar a esse tipo de acordo é do jogo democrático, e o resultado, se parece menos eficiente, provavelmente será mais robusto.

A reforma traz um conjunto relativamente simples de regras no lugar da miríade de comandos encontrados nos 27 códigos tributários estaduais, muitos deles ambíguos, apesar de suas minudências bizantinas. O IVA dual ainda tem exceções setoriais e dará a Estados e municípios certa latitude para fixar alíquotas e benefícios, mas em magnitude muito menor do que o atual ICMS e, sendo cobrado no destino, com mais equidade e eficiência.

A simplificação trazida pelo IVA também tornará o conceito de não cumulatividade mais operacional, substituindo o complicado crédito baseado nos insumos pelo muito mais simples crédito financeiro, reconhecido quando o imposto pago nos elos precedentes da cadeia é destacado no documento fiscal das compras da empresa.

Essa mudança facilitará a restituição dos créditos às empresas, a automação da cobrança e a contabilidade do tributo, conciliando os seus aspectos de caixa e competência. Os ganhos dessa automação para as empresas e o Fisco serão parecidos com aquele trazido pelo Pix para pessoas e bancos e aquele prometido pelo Drex para os contratos, se os protocolos de pagamento digital entre empresas incluírem as informações fiscais relevantes.

A reforma promulgada nos aproxima da Europa, onde as contas de advogado, arquiteto, ou encanador vêm com o IVA (e.g., de 17%-20%) destacado e explicitado. Ela também nos emparelha com a Índia, um dos nossos maiores competidores nos mercados mundiais, com população e economia maiores que as do Brasil. A implementação da reforma do IVA de 2017 tem tido ótimos resultados, apesar da Índia ser relativamente pobre e ter um setor informal e uma complexidade federativa tão grandes ou maiores que o Brasil. Claro que a Índia já mandou uma nave à Lua, mas dá para acreditar que o Brasil consiga não ficar muito atrás dela na implementação do IVA, até pela maturidade de nossos mercados e instituições.

Como com qualquer inovação, a implementação do IVA suscitará dúvidas, inclusive jurídicas. Nos foros de debates fala-se dos desafios de esclarecer novos conceitos constitucionais, lidar com exceções de última hora e aprovar ainda em 2024 as Leis Complementares necessárias para ancorar logo a reforma. Esses desafios não devem nos desestimular. Nesse sentido, aliás, ouvi recentemente em um debate que a promulgação da Emenda Constitucional seria apenas a travessia do Mar Vermelho, a chegada à terra prometida podendo estar ainda muito longe.

Reforma nos aproxima da Europa, melhora a competitividade da indústria e reduz barreira ao investimento externo

A comparação com o Mar Vermelho é pertinente em vários aspectos. Primeiro, porque a travessia deu-se por razões táticas, assim como certas concessões na reforma. Avançar pelo caminho mais curto poderia, conforme o texto sagrado, gerar embates com riscos de retrocesso. Segundo, feita a travessia, alguns dos que foram enviados para espiar a terra prometida voltaram falando de gigantes invencíveis que tornariam impossível conquistá-la. O desânimo e desconfiança daí gerados, apesar de dois dos enviados terem afirmado que a empreitada era possível e valia a pena, foi o que levou a travessia, que poderia ter sido de 40 dias, ter levado 40 anos. Então, é torcer para não se ter medo dos gigantes da implementação nem se perder em contendas, porque a reforma vale a pena.

A reforma já ajudará a enfrentar o maior desafio econômico de 2024, que será a capacidade de a indústria brasileira responder às condições de demanda decorrentes da inflação baixa e bom desempenho do setor externo.

A trajetória de juros apontada pelo Banco Central sugere que o consumo das famílias cresça 3% e o investimento próximo disso em 2024. Por ser mais sensível aos juros, a demanda por bens deve crescer mais rápido do que aquela por serviços, que já vem crescendo há dois anos. Como essa demanda adicional se traduzirá em PIB dependerá da oferta doméstica. A maior demanda por bens poderá ser atendida pela indústria nacional, estimulando o PIB, por mais importações ou com maior inflação, aí prejudicando o PIB.

A expansão da oferta na indústria, que está sem muita capacidade ociosa pelos anos de pouco investimento, dependerá da sua confiança na economia e competitividade. A recente melhora do rating soberano mostra que o sucesso da reforma aumentará essa confiança, e a simplificação que ela traz às cadeias de produção mais complexas tornará a indústria mais competitiva, sem prejuízo do protagonismo do país na transição energética global e das novas oportunidades em serviços.

Ou seja, a implementação exitosa da reforma tributária, com preciosas contribuições dos juristas brasileiros, ajudará a crescermos sem pressão inflacionária em 2024 e a modernizar a economia, diminuindo no médio prazo as barreiras ao investimento estrangeiro, inclusive na modalidade de “nearshoring”.

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Sobre o autor

Joaquim Levy