Entrevistas

Brasil é forte candidato a receber fluxo de capital estrangeiro, diz Stuhlberger, da Verde

Para executivo-chefe e de investimentos (CEO e CIO) da Verde Asset, setor externo e juros em queda são fatores de atração

Valor

Em meio ao nó geopolítico, o Brasil é forte candidato a receber fluxo de recursos estrangeiros e tem a seu favor bons fundamentos no setor externo, inflação controlada e juros para baixo. Segundo Luis Stuhlberger, executivo-chefe e de investimentos (CEO e CIO) da Verde Asset, à frente de um dos multimercados mais antigos e respeitados do mercado brasileiro, o país é um potencial destino com a redução do capital para outras economias emergentes.

“O Brasil não tem grandes inimigos. Claro que o mais beneficiado é o México, tem alguns da América Central, como a Costa Rica, que está produzindo chips para os Estados Unidos, mas o Brasil também é um grande beneficiado do fato de a China receber menos investimentos. Para aquela montanha de capital que vai para a China, se um pedacinho daquilo vier para cá já é muito”, diz.

Para o gestor, o PIB pode surpreender marginalmente e ficar acima de 2%. Mas como nem tudo é perfeito, o “Brasil sempre vai estar flertando com o abismo na parte fiscal”. “Mas eu acredito que esse problema vá se manifestar mais em 2025 e 2026”, diz. Se a taxa de juros nos Estados Unidos terminar o ano em 4%, a Selic poderia chegar a algo entre 8,5% e 9% ao ano.

A seguir, trechos editados da conversa feita com o Valor, na sede da Verde Asset, em São Paulo.

Valor: O ano de 2023 foi difícil para o setor de gestão de recursos e para os multimercados em particular. O que esperar para 2024?

Luis Stuhlberger: Nunca parto do princípio de que tenha ano fácil no capitalismo, porque cada ano é outro ano, tem seus desafios. Essas coisas do ciclo econômico, não acho que tenha ano fácil e difícil, o ciclo econômico está aí para ser analisado. O que a gente não controla são eleições, porque são ‘game changer’ [algo que muda o jogo], e a geopolítica. Agora há, particularmente, um cenário muito complexo de geopolítica, com várias frentes de risco no horizonte. Outra coisa que você não controla, mas que vai ficar cada vez mais difícil, são desastres naturais. Com o ‘global warming’ [aquecimento global], a quantidade possível de desastres naturais aumenta. A gente consegue lidar bem com o que é econômico. O que é político, o que é geopolítico e o que é desastre natural é muito mais difícil. No ano passado, o problema de gestão de patrimônio, da decepção, foi mais ligado à interpretação da economia. Principalmente por conta da resiliência da economia americana, que desafiou qualquer modelo. Depois, teve assuntos como [a quebra do] Silicon Valley Bank, que supostamente seria um game changer que acabou não sendo. O desafio do desconhecido, todo evento geopolítico está ligado a uma tentativa, e nisso eu concordo com o Ray Dalio [fundador da Bridgewater ], que fala muito sobre o suposto declínio do império americano. Então tem três frentes de risco. O primeiro é o que chama de Estados Unidos versus ‘itself’, que é o debate fratricida entre republicanos e democratas que vai ter nessa eleição. O segundo é o desafio militar dos Estados Unidos de ter guerras longe, como o xerife do mundo, tal como no Oriente Médio, na Ucrânia, o Irã, a Coreia do Norte e a China. Se juntar tudo isso, existe um desafio. Os Estados Unidos, que são a reserva de moeda do mundo, com um fiscal horroroso.

Se tiver recessão nos EUA, vai ser leve; Apesar de gerar empregos, a inflação está convergindo”

Valor: Perante outros emergentes, o Brasil pode ser beneficiado por fluxo estrangeiro?

Stuhlberger: O país tem um tremendo benefício no geopolítico, o Brasil não tem grandes inimigos. Claro que o mais beneficiado é o México, tem alguns da América Central, como a Costa Rica, que está produzindo chips para os Estados Unidos, mas o Brasil também é um grande beneficiado do fato de a China receber menos investimentos. Para aquela montanha de capital que vai para a China, se um pedacinho daquilo vier para cá já é muito. E está vindo o capital, o Brasil vai estar muito bem nesse campo. Eu acho que o país também vai se beneficiar de ter uma inflação mais baixa e juros mais baixos, um agribusiness continuando bem. O PIB pode surpreender marginalmente para cima, ser um pouco mais que 2%.

Valor: Onde estão os riscos?

Stuhlberger: Como nem tudo é perfeito, o Brasil sempre vai estar flertando com o abismo nessa parte fiscal. Mas eu acredito que esse problema vá se manifestar mais em 2025 e 2026. Eu ainda acho que 2024 é um ano em que o país vai estar relativamente OK. Alguma coisa desse pacote natalino que o [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad aprovou, com algum entendimento com o Congresso, que é possível melhorar um pouco a arrecadação. O governo tem uma carta na manga que não está sendo dita, mas que parte disso seria possível, que é reinstalar a Cide [Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico] sobre os combustíveis, que foi tirada no governo Bolsonaro. Não tem cabimento um setor poluidor ter um benefício tributário, todos os países do mundo têm algum tipo de imposto. Isso foi uma medida eleitoral do [ex-presidente Jair] Bolsonaro e que o Lula reluta em colocar de volta. Acredito que o Haddad consiga algo nesse sentido, que a lógica prevaleça e termine o ano com déficit fiscal de, no máximo, 0,5% do PIB, embora as previsões de mercado ainda estejam por volta de -1%. No geral, eu tenho uma visão otimista até aqui.

Valor: E recessão americana, o mundo ainda corre esse risco, sobretudo num ano eleitoral nos EUA?

Stuhlberger: Primeiro me deixe fazer um ‘disclaimer’: não houve uma única vez na história americana que, com uma alta de juros tão forte, não acabasse numa recessão, ainda que tardiamente. A de 2008 estava sendo anunciada desde 2005, 2006 e demorou dois anos para acontecer. Dito isso, não tem uma alavancagem no setor de ‘real state’ [imobiliário], nem um décimo parecida com o que era na época. Tem um problema de ‘commercial real state’, mas o residencial está muito sólido. É difícil saber onde, não consigo dar uma razão para que isso vá acontecer. Ainda bem que estamos num mundo de pleno emprego. Isso não é só nos Estados Unidos. O dinheiro que foi distribuído para as famílias na [pandemia de] covid não acabou. Acredito que acabe no fim deste ano, ainda há ‘savings’ [poupança], então, provavelmente, em algum momento vai ter uma desaceleração no PIB. Se tiver recessão, vai ser leve. E como apesar de os Estados Unidos ainda gerarem empregos, a inflação está convergindo, provavelmente se chega ao ‘soft landing’ [pouso suave] e o Fed [Federal Reserve, banco central americano] já fez o ‘pivô’ [virada] dele, estão previstos cortes para este ano. O fato de ter eleição significa que, embora o banco central seja independente, a gente imagina que vai haver cortes de juros e isso vai mitigar a diminuição do emprego. Apesar de 100% das vezes ter ocorrido algum problema sério depois de altas tão grandes [de juros], desta vez parece não ser o caso e haverá um pouso suave.

Valor: E no Brasil, com essa inflação mais controlada, que corte de juros o BC vai conseguir calibrar? E o que isso vai representar para a movimentação de capitais?

Stuhlberger: Se a taxa de juros terminar este ano a 4% nos EUA, é difícil imaginar que aqui tenha uma taxa que não seja de 4,5 a 5 pontos maior que os ‘Fed funds’. Do lado otimista, a gente poderia chegar a algo entre 8,5% e 9%. Se você imaginar que a nova taxa de juro real de equilíbrio nos Estados Unidos será maior do que a que se viu de 2008 até 2021, que em vez de ser 2,5%, seria alguma coisa como 3,5% a taxa neutra, temos que pensar aqui numa Selic de 8%, 8,5%, mas isso talvez em 2025, não em 2024. Isso claramente movimenta mais o mercado de capitais, todos os segmentos vão crescer e se beneficiar de um juro mais baixo.

De longe, o melhor fundamento é o câmbio, que, de certa forma, mitiga o fiscal ruim”

Valor: E qual a sua expectativa para o câmbio?

Stuhlberger: É interessante o desafio do câmbio. Nosso banco central tem muito medo de que, quando o juro real e nominal cai muito abaixo de um certo nível, se é 7% ou 6%, com 4% real… Se pensar em 4% de real como inflação, você fala em 8% nominal. Abaixo disso, o BC tem medo de que pode ter uma não linearidade no câmbio, que é algo que ocorreu outras vezes. Uma hora o país devia se livrar desse mantra, teria que testar por um tempo um juro real de 4% para em algum momento no futuro ver se é viável ter juros menores. Mas o cenário inflacionário é muito benigno.

Valor: Com isso, dá para capturar ganhos em juro nominal?

Stuhlberger: Por que o juro nominal longo aqui é sempre alto? Tem modelo para isso, em função da taxa de juros de dez anos americana, do risco Brasil etc. Esse modelo hoje mostra um número até um pouco mais alto do que o mercado negocia, que é 10,5%. O nosso modelo mostra algo perto de 11,5%. Mas é difícil ir muito mais para baixo disso, enquanto tem uma questão fiscal não resolvida. O Brasil é um país emergente que gasta 37% do PIB, isso só de despesa primária, se juntar juro, acaba indo para quase 40% do PIB. Sendo que o Brasil hoje é quase um dos maiores ‘welfare states’ [Estados de bem-estar social] do mundo, tem 105 milhões de pessoas que recebem um cheque do governo todo mês. Enquanto não equacionar as contas públicas de uma maneira razoável, dificilmente o pré longo cai muito do nível atual. Claro que se o 10-Year [título soberano de dez anos] americano, que tem uma correlação forte, cair dos 4% que estão hoje para 3%, aí talvez o nosso juro longo possa ir para um dígito. Mas olhando o 10-Year a 4%, não acho que a gente vá ver esse juro menor que 10%. Tem um espaço para ganho de capital, mas não é grande. Onde vai ter ganho no pré longo é no ‘carry’ [carrego], porque a hora que o juro chegar para 8,5%, 9%, e tiver um juro longo de 10,5%, 11%, tem um carry positivo, hoje ainda é negativo. Se no curto prazo você fala que dá para trabalhar 4% acima dos Fed funds, no longo prazo, é mais para 6% acima do ‘10-year Treasury’, porque tem o nosso risco fiscal de longo prazo, ele não é capturado inteiro na Selic, mas no juro longo é.

Valor: Quanto o setor externo pode ajudar?

Stuhlberger: De longe, o melhor fundamento é o câmbio, que, de certa forma, mitiga o fiscal ruim ou perigoso. O fundamento de câmbio é maravilhosamente bom. A balança comercial subiu de US$ 50 para US$ 100 bilhões em dois anos. Vai subir mais, vai ter [exportação do petróleo do] pré-sal. O déficit em conta corrente, se pegar o último trimestre, está praticamente zero, não vai ser zero, mas pode ser 0,5%. Essa é uma área em que o Brasil não para de crescer, em exportação de commodities de tudo que é tipo: petróleo, minério de ferro, carne, soja, milho, açúcar. A balança comercial está boa, a conta corrente, não porque o Brasil entrou numa crise e as importações desabaram. As importações estão normais. O que está indo bem são a exportação e o FDI [investimento estrangeiro direto]. É razoável para a bolsa, para projetos da economia real, infraestrutura, tem muito interesse em privatizações.

Link da publicação: https://valor.globo.com/financas/noticia/2024/01/15/brasil-e-forte-candidato-a-receber-fluxo-de-capital-estrangeiro-diz-stuhlberger-da-verde.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

CDPP