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A verdadeira política industrial

Se não buscarmos uma substancial melhoria do ambiente de negócios e nova mentalidade empresarial, teremos mais um projeto frustrado no país

Horacio Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski

Valor

O mundo tem agido fortemente em defesa do desenvolvimento de sua indústria. Isso decorre de seu valor para o emprego qualificado e bem pago, da tecnologia demandada e do impacto nos entornos de suas unidades. Mas não há por que insistir que a indústria é a mesma de décadas atrás ou que seu peso na economia deva voltar aos índices anteriores. O conceito mudou, como mudou o de serviços. O hoje vigente modelo de negócios e criação de valor é bem mais complexo do que foi no passado.

Recentemente, o governo brasileiro voltou-se também ao tema, com o lançamento da Nova Industria Brasil (NIB). A NIB é uma reação à perda de protagonismo da indústria brasileira, à estagnação de sua produtividade e à necessidade de seu “aggiornamento” à luz dos progressos da digitalização e inteligência artificial, da ambição de participar de cadeias globais e da demanda da sociedade por sua paulatina e eficaz descarbonização. Tarefas impossíveis sem um investimento forte em pesquisa, desenvolvimento e inovação, sem a abertura da economia e sem uma maior integração ao comércio global.

As missões que fundamentam a NIB são amplas e cobrem praticamente todas as áreas de economia brasileira: as cadeias agroindustriais, o complexo industrial da saúde, a infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade, a transformação digital, a bioeconomia e a área de defesa. Os objetivos centrais do programa são meritórios: i) estimular o progresso técnico, a produtividade e competitividade nacionais; ii) aproveitar as vantagens competitivas do país e iii) reposicionar o Brasil no comércio internacional.

Os fundos alocados são relativamente modestos, com o apoio do BNDES, da Finep (usando recursos do FNDCT) e da Embrapii, mas os instrumentos adicionais poderão incluir o uso do poder de compra do Estado, requisitos de conteúdo local, margens de preferência e encomendas tecnológicas. São estes últimos pontos delicados que demandarão atuação técnica e não mais ação política. Mas a sustentabilidade, a redução de desigualdades, e a geração de emprego são sempre enfatizados na NIB.

São ideias generosas, algumas promissoras, outras mais duvidosas. Parte destas medidas foram adotadas no passado, com resultados positivos em alguns poucos casos, e pífios em outros, por razões conhecidas e que precisam ser evitadas.

A insistência na política de substituição de importações e o foco no mercado interno nos colocou em uma armadilha de difícil solução. Temos uma indústria diversificada, mas em muitos casos com baixa escala diante dos competidores globais. Toda vez que se protegem setores na sua base, os setores subsequentes perdem competitividade e passam, igualmente, a demandar proteção. Um círculo vicioso que exige formulação competente e determinação política para vencer os grupos de interesse que tiram proveito desta situação. Confiamos que a NIB virá com a ambição de apoiar uma nova indústria em condições de competir globalmente.

Se assim não for, quem continuará pagar a conta é o consumidor brasileiro, que muitas vezes só tem acesso a produtos caros e de menor qualidade, penalizados com uma estrutura tarifária que chega a absurdos 35% em muitos bens.

A matriz energética limpa, a crescente produtividade do agronegócio, a abundância de minerais estratégicos, o potencial de absorção de gás carbônico com a recuperação florestal de áreas degradadas, a riqueza da biodiversidade, as avenidas de crescimento da bioeconomia, o robusto ecossistema de P&D, a diversidade racial e cultural, a resiliência da nossa jovem democracia, são algumas das fortalezas cobiçadas por muitos países. É obrigação do governo, em conjunto com o mundo privado, não perder uma grande oportunidade de implementar um modelo de desenvolvimento que faça emergir uma nova indústria, que por sua vez ajude a levar o país a se tornar um ator relevante e integrado ao mundo.

Mas há algo mais que deve ser objeto da atenção de todos os preocupados com o futuro da indústria brasileira.

Há pré-condições a serem satisfeitas para que qualquer conjunto de medidas de política industrial tenham probabilidade de sucesso. Entre elas estão a melhoria do ambiente de negócios, com a vigência de uma legislação que tribute o valor adicionado, exonere o investimento e a exportação. O Brasil tem a peculiaridade de ter uma energia de custo baixo e preço alto e de contar com uma situação de insegurança jurídica que leva a um gigantesco contencioso e a uma dificuldade enorme para que os que assim desejam, simplesmente, cumprir a lei. Há ainda um custo crescente com a segurança das empresas, dos seus ativos e de seus colaboradores. Precisamos reconhecer que nosso ponto zero vem de um recorrente universo de ineficiências sistêmicas, cujo combate as lideranças empresariais deveriam empreender com grande afinco.

Há também um florescimento da ilegalidade, do contrabando, da adulteração, do descaminho, da falsificação, da fraude, da sonegação; a ilegalidade, crescente aliás, leva a uma enorme e desleal competição. Há muitas áreas em que esta – em diversos e criativos formatos – já ocupa mais de um quarto dos mercados. Às desconformidades já conhecidas soma-se agora a ação estruturada e perigosa do crime organizado, ocupando cada vez mais espaços. Setores como o de brinquedos, produtos têxteis, objetos de couro, eletroeletrônicos, cigarros, produtos farmacêuticos, resinas termoplásticas, combustíveis e utilidades domésticas são hoje vítimas de concorrência desleal e crescente de comerciantes e importadores irregulares, muitos deles conhecidos e devedores contumazes.

Assim, a política industrial tem que sim se preocupar com modernização, melhoria de mão de obra, criação de negócios competitivos com produtos e serviços exportáveis, e com a sustentabilidade de seus processos e produtos. E claro, com apoios rigorosamente localizados, custos expostos, equilíbrio com o regime macroeconômico, metas claríssimas, medições de avanços e impactos precisos, transparência, e prazos estritos de vigência.

Contudo, se não buscarmos uma substancial melhoria do ambiente de negócios no país e uma nova mentalidade empresarial que assuma risco, ousadia, e empreendedorismo em dimensão global, a batalha da indústria, já por si só difícil, ficará impossível. Teremos mais um projeto frustrado, e que, diante deste mundo de velocidade crescente, poderá, lamentavelmente, ser o último.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-verdadeira-politica-industrial.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Pedro Passos