Economista diz que arcabouço não tem consistência e que alvo só seria alcançado com um aumento muito grande da arrecadação, o que não ocorreu. Situação se agravou com piora do cenário externo
Globo
Marcos Mendes, economista e pesquisador do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa, questiona os números divulgados pelo governo ao revisar a meta fiscal. Ao contrário da equipe econômica, que aponta estabilização da dívida em 2027 e em seguida queda, ele calcula que ela chegue em 84% em 2028 e continue crescendo.
Para ele, os novos alvos fiscais não serão cumpridos, já que o governo continua elevando gastos num ritmo forte e, ao usar indicadores irreais para fazer contas, perde credibilidade na questão fiscal. Veja trechos da entrevista ao GLOBO.
O governo recalibrou as metas fiscais para patamares mais críveis. Isso é positivo?
A mudança das metas era um encontro marcado com a realidade. O governo quis ganhar credibilidade no início da gestão, fixando metas fiscais altas para a capacidade e instrumentos que tinha. Ganhou essa credibilidade, e o ministro Fernando Haddad virou o queridinho do mercado. Só que ele comprou esse benefício de curto prazo. Todo mundo que faz cálculos sabia que essa conta não parava de pé.
E por que o mercado só estrilou agora?
Antes, a situação externa era boa, com a economia internacional crescendo, inflação global caindo. Os juros nos EUA vinham em queda, e os preços de commodities estavam em condições razoáveis. Isso foi gerando uma condição positiva para o Brasil, com inflação e juro caindo, o emprego lá em cima, o crédito aumentando. Foi o mercado externo azedar, e os fundamentos internos começaram a ser olhados.
O arcabouço perdeu credibilidade?
Quando foi feito o arcabouço, eu e outros economistas mostramos que ele não tinha consistência. Foi feito após a PEC da Transição, que aumentou em R$ 200 bilhões o gasto público. Nesse nível mais alto de gasto, o arcabouço permite que a despesa cresça em 2,5% ao ano e coloca metas de resultado primário. As metas só poderiam ser cumpridas se o governo elevasse muito a arrecadação. Isso não aconteceu.
O senhor acredita que o governo conseguirá cumprir as novas metas fiscais?
A equipe econômica se colocou numa situação muito difícil. Se eles reafirmassem a meta anterior seriam acusados de ser irrealistas. E fazendo a alteração que fizeram estão sendo acusados de ‘jogar a toalha’. As metas que colocaram são super desafiadoras.
E quais são as consequências?
Há um grande problema: o PT não divide o poder. Não aceita que partidos de centro ocupem cadeiras nos ministérios. E num presidencialismo de coalizão, isso é necessário. Isso reforça o intuito do Legislativo de buscar poder, apresentar projetos, mudar decisões administrativas do governo, avançando na pauta fiscal.
E o Congresso tem poder, mas não tem responsabilidade sobre resultados de políticas públicas. Com isso, a equipe econômica tem zero instrumentos para entregar a meta que promete. Não podem mexer no salário mínimo, na indexação de saúde e educação, não conseguem reduzir o Perse (programa para o setor de eventos).
E mesmo assim, o governo não mexeu na meta fiscal deste ano que prevê déficit zero…
Estão correndo o risco de ter que mexer nessa meta e gerar mais uma desmoralização. Talvez a estratégia da equipe econômica, e eu acho que é a correta, seja não mexer na meta de 2024, deixar estourar e acionar os gatilhos de contenção de despesas previstos no arcabouço. Isso minimamente freia os apetites.
Qual a sua projeção para 2025?
Minha previsão é de um déficit de 0,73% do PIB. Mesmo descontando todas as colheres de chá que o arcabouço dá, como pagamento de precatórios por fora dos cálculos, margem de segurança de 0,25 ponto percentual, ainda não zera o déficit. Fica em 0,16% do PIB, que equivale a R$ 20 bilhões. O governo vai ter que arrumar receita de curto prazo. E minha conta é otimista. Para o déficit ir a 1% não custa.
Em quanto o atual governo já elevou os gastos na comparação com 2022?
Em valores nominais, o governo gastará R$ 407 bilhões ao final deste ano a mais do que gastou em 2022. Descontando a inflação do período, é um gasto real de mais R$ 370 bilhões.
Nas contas do governo, a dívida se estabiliza em 2027 e começa a cair. Isso é real?
Para sinalizar trajetória de dívida decrescente, o governo estimou crescimento do PIB muito acima do esperado pelo mercado e do histórico brasileiro. Usou taxa de juro real ridiculamente baixa nos anos futuros, de menos de 3%, quando a gente sabe que é de 5%. Então, essa trajetória não bate com o que tenho nas minhas contas. Isso faz o governo perder credibilidade.
Quais são seus cálculos para a dívida pública?
Quando você corrige o PIB e o resultado primário para baixo, e o juro para cima, a trajetória da dívida explode. Na minha conta, em 2028, ela chega a 84% do PIB e é crescente. E na conta deles é de 79%, com estabilização a partir de 2027.
A alta do dólar em relação ao real tem mais a ver com o cenário externo? Ou o fiscal pesa?
O real se desvalorizou mais do que outras moedas de emergentes. É sinal de que estamos mais vulneráveis. Não era para o real se desvalorizar por desconfiança de falta de divisas. Temos um balanço externo robusto, reservas. A saída de recursos tem a ver com preocupação com a sustentabilidade macroeconômica interna.
Por que que é tão difícil cortar despesas no Brasil?
Porque está tudo constitucionalizado: benefício Previdenciário, de prestação continuada, emenda parlamentar, gasto mínimo de saúde e educação. E o que não é constitucionalizado está nas leis, nos regulamentos. A despesa de pessoal também é muito rígida. Então é não deixar (a despesa) crescer rápido. É não fazer essa superindexação vinculada a salário mínimo, por exemplo.
O que mais pode ser feito?
Revisar programas sociais que não fazem mais sentido, como abono salarial, ou programas com furos, como o seguro defeso. E vai ter que rever a reforma da Previdência nos pontos que não foram aprovados anteriormente, como idade de aposentadoria favorecida para algumas categorias, aposentadoria rural, diferença de idade de gêneros.
E há outro problema na Previdência: a explosão das concessões de benefício. Há indícios de que isso decorra de afrouxamento nos critérios da avaliação, com a ansiedade do governo em reduzir a fila. Processos automatizados são corretos, mas precisam de filtro adequado.
Quais reformas deveriam vir?
Tem que ter coragem de fazer reformas muito impopulares, a administrativa, uma nova reforma da Previdência. Mas não pode relaxar na gestão do dia a dia. Se o governo relaxa no cadastro de Bolsa Família, entra muita gente que não deveria estar. Com benefício de R$ 600 por família, há divisão artificial do casal. Entram como duas pessoas solteiras e recebem R$ 1.200.
Então, a esperança é que o clima externo melhore?
A esperança é que esse clima de crise externa faça Executivo e Legislativo recuarem nas suas pretensões expansionistas. Nesse cenário, a responsabilidade fiscal fala mais alto. A pauta do Congresso hoje é pesada, com perdão de dívida dos estados e municípios, PEC do Quinquênio. Mas o dólar disparando acende um alerta para os políticos. É sinal de perigo aqui e precisa haver espaço para uma conversa. Espero que a Fazenda e o Planejamento saibam tirar proveito dessa conjuntura.
Link da publicação: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/04/23/equipe-economica-tem-zero-instrumento-para-entregar-a-meta-que-promete-diz-marcos-mendes-pesquisador-do-insper.ghtml
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