Folha
Já se vão seis anos desde nosso primeiro artigo conjunto em favor de uma reforma do RH do Estado brasileiro. Nosso objetivo era gerar uma melhoria ampla nas relações do Estado com seus trabalhadores. De lá para cá, outras reformas estruturais foram aprovadas, em particular as da Previdência e a Tributária. Mas a do RH nunca avançou.
Houve a equivocada PEC 32. Mas, conforme esperado —e felizmente— ela nunca ganhou tração no Congresso Nacional. Acabou abandonada pelo mesmo governo que a apresentara em 2021. No atual governo a pauta não parece prioritária.
De importante mesmo houve apenas a edição, em 2024, da Lei Nacional de Modernização dos Concursos Públicos, iniciativa do próprio Congresso, com apoio de instituições acadêmicas e civis. Falta agora colocar a lei em execução, atualizando procedimentos e critérios para seleção de pessoas, com foco no efetivo potencial de cada uma para contribuir com os serviços e na diversidade dos quadros.
Continuam bem presentes os problemas que motivaram nossa defesa da revisão ampla do modelo brasileiro. A maioria da população percebe isso, como apurou uma pesquisa Datafolha, cujos resultados justificam nossa abordagem.
Em linha com o que defendemos, nada menos que 71% da população apoia uma reforma administrativa que altere a forma de avaliar o trabalho dos servidores, incluindo a análise de desempenho. Além disso, 90% defende que as avaliações sejam constantes e que os bons servidores sejam recompensados. Por fim, 80% apoia o desligamento por baixo desempenho (entre servidores públicos esse percentual é de 74%).
Os eixos da reforma não devem ser a extinção geral da estabilidade nos cargos públicos que, pelos números da pesquisa Datafolha, é defendida por 56% da população, tampouco um corte geral da remuneração do pessoal.
O grande foco deve ser a qualidade dos serviços públicos. Para elevá-la, é preciso em primeiro lugar premiar as pessoas que trabalham melhor e se dedicam, privilegiando-as também nas progressões e promoções, que não devem favorecer quem tem mais tempo de serviço ou tem costas quentes. Tampouco deve permitir a perseguição de adversários. É indispensável, então, medir o desempenho de todos, de modo absoluto e relativo. No limite, isso permitirá que o desempenho ruim, se reiterado, leve ao desligamento do servidor.
A perda do cargo já é autorizada pelo artigo 41 da Constituição desde a reforma administrativa de 1998. A condição é realizar “procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa”. Trata-se de medida normal em vários países do mundo, com destaque para Chile, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia, Espanha e Portugal, em que a qualidade do serviço público é percebida como mais positiva pela população. Só que por aqui a mudança acabou postergada porque a lei de regulamentação nunca apareceu.
Não é preciso reinventar a roda. Nossos desafios continuam sendo colocar o tema na agenda política e defini-lo como prioridade.
A reforma do RH do Estado não pode e não deve parar por aí. Temos outros problemas estruturais. Nossos gastos com salários e previdência dos servidores chegam a quase 15% do PIB (Produto Interno Bruto). Segundo a OCDE, superam os do Chile, México e mesmo da Inglaterra, que gasta apenas 6% do PIB e cujo serviço público é considerado o melhor no mundo.
Para enfrentar o problema, temos de começar pela racionalização do número de carreiras e suas remunerações. A quantidade de planos e carreiras da Administração Federal cresceu 319% entre 1970 e 2019, segundo dados do Ministério da Economia em 2020. Só no Executivo federal são 309 carreiras. Nos Estados esse número ultrapassa a centena.
A maioria dos servidores não tem ganhos excessivos, em especial nos municípios, onde estão os serviços diretos à população. Mas claramente cabe eliminar os penduricalhos e privilégios, presentes em carreiras bem remuneradas, como juízes, membros dos ministérios públicos, advogados públicos, auditores e controladores de contas.
As mudanças devem começar na União e depois ser cascateadas para os entes subnacionais, onde há problemas importantes. Um ponto relevante para eles é o do trabalho de agentes públicos especiais em regime temporário. Editar uma lei nacional a respeito seria útil para aumentar a transparência e a segurança jurídica, bem como para evitar as atuais distorções.
Enfim, os problemas do atual modelo não são novidade. Eles têm sido amplamente divulgados e repetidos por especialistas, governos, população e mesmo por servidores prejudicados. Sabemos que reformas difíceis só prosperam quando mobilizam a população.
A pesquisa Datafolha confirma que chegou a hora da reforma do RH do Estado. Cabe ao governo e ao Congresso comprar o quanto antes essa briga. Os ganhos para a sociedade serão imensos.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/11/a-urgencia-de-uma-reforma-do-rh-do-estado.shtml
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