O Brasil talvez tenha uma chance única de transformar essa situação de crise global em um verdadeiro salto de crescimento econômico e aumento de nosso protagonismo internacional
InfoMoney
O recente anúncio feito por Donald Trump, estabelecendo um amplo aumento de tarifas sobre importações, surpreendeu menos pelo conteúdo e mais pela intensidade e forma com que a medida foi implementada. A medida tem sido chamada de “Tarifaço” e representa um movimento ainda mais agressivo e amplo do que aquele que já havia sido adotado durante o seu primeiro mandato. Trump trouxe de volta à mesa estratégias econômicas clássicas, embora tecnicamente questionáveis: o incentivo à substituição de importações e uma tentativa indireta de controlar o câmbio.
O raciocínio por trás dessa estratégia é simples: ao elevar o custo dos produtos estrangeiros por meio de tarifas, o governo americano tenta estimular as empresas locais a produzirem mais internamente, reduzindo, teoricamente, o déficit comercial e criando empregos. Paralelamente, a elevação de tarifas visa contrabalançar o efeito do câmbio desvalorizado em economias como a chinesa, algo que Trump entende como “manipulação cambial” por parte da China e de outros países asiáticos.
Esse tipo de política não é novidade. Desde o início do primeiro governo Trump, entre 2017 e 2019, medidas protecionistas contra China, União Europeia, México e Canadá já haviam sido adotadas. Na época, o alvo inicial foram o aço e o alumínio, com tarifas entre 10% e 25%. Desta vez, porém, as tarifas impostas chegam a 145% sobre bens chineses, com medidas generalizadas que afetam praticamente todos os parceiros comerciais.
Um dos grupos mais duramente impactados foi o das nações do Sudeste Asiático, especialmente Vietnã, Índia e Tailândia. Isso ocorreu justamente porque esses países haviam sido beneficiados pelas empresas multinacionais durante a primeira onda tarifária: quando as tarifas americanas atingiram a China, muitas empresas migraram suas produções para esses locais como alternativa para evitar as barreiras. Agora, porém, foram penalizados diretamente, com novas tarifas, o que levou a uma correção abrupta de suas perspectivas econômicas e comerciais.
Mas o grande risco dessa política é interno aos próprios Estados Unidos. Em uma economia que já opera próxima do pleno emprego e com baixa capacidade ociosa, tarifas elevadas funcionam mais como um choque inflacionário do que como um estímulo econômico real. Sem espaço para aumentar a produção doméstica em ritmo compatível com o aumento de demanda gerado pela substituição das importações, o efeito mais provável é o aumento sustentado dos preços internos. Isso implica inflação persistente, justamente quando o Federal Reserve (Fed) luta há meses para conter a alta dos preços com sucessivos aumentos na taxa de juros.
Essa inflação de custos traz outro problema significativo: a alta dos juros das Treasuries longas, que se tornam ainda mais elevadas à medida que o mercado passa a precificar riscos fiscais mais expressivos. Com juros altos, o custo de financiamento do governo cresce, pressionando o déficit fiscal americano e reduzindo a atratividade dos Estados Unidos como destino de investimentos produtivos. Empresas e investidores buscam estabilidade e previsibilidade regulatória, atributos que têm ficado cada vez mais escassos diante das idas e vindas comerciais americanas.
Por outro lado, a China respondeu rapidamente, impondo tarifas retaliatórias de até 125% contra produtos americanos e proibindo investimentos chineses em solo americano. Ao elevar a temperatura das negociações, Pequim parece não só reagir às medidas americanas, mas também sinalizar uma possível formação de blocos comerciais alternativos, alinhando-se a Japão e Coreia do Sul.
É nesse contexto instável que o Brasil aparecia com uma rara oportunidade estratégica, ou seja, menos ruim. Diferentemente de outras nações emergentes ou asiáticas, o Brasil não fora atingido tão duramente por tarifas elevadas, o que abria uma janela diplomática importante. No entanto, tudo isso foi por água abaixo, ao longo dessa semana, quando Trump voltou atrás nas tarifas de todos os países, com exceção da China, levando-as ao patamar mais baixo, removendo qualquer vantagem comercial do Brasil.
Agora, para o Brasil, os impactos do tarifaço são potencialmente negativos. Com a desaceleração econômica global causada pela política americana, o preço internacional das commodities tende a cair. Apesar de poder reduzir pressões inflacionárias internas.
O Brasil é um exportador líquido de commodities. Por outro lado, inflação doméstica se beneficiaria do barateamento geral de insumos industriais e de alimentos, o que pode abrir espaço para cortes na taxa básica de juros antes do que era esperado.
Outro fator relevante é que, com a intensificação das disputas comerciais e o aumento do risco percebido sobre mercados como o americano e asiático, investidores internacionais devem buscar alternativas de médio prazo, países que aliem estabilidade institucional, economia diversificada e espaço para crescimento. O Brasil, historicamente, se encaixa bem nesse perfil, desde que mantenha esforço na construção de credibilidade fiscal e previsibilidade regulatória.
Mas aproveitar essa oportunidade não será automático. Dependerá diretamente da capacidade brasileira de garantir estabilidade econômica e política, o que inclui seguir com as reformas estruturais em curso, garantir disciplina fiscal e evitar rupturas institucionais, coisas que recentemente não temos visto. O nosso país adora perder uma oportunidade, talvez estejamos diante de uma nova, uma chance única de transformar essa situação de crise global em um verdadeiro salto de crescimento econômico e aumento de nosso protagonismo internacional.
Este artigo teve a co-autoria de Italo Faviano economista da BuysideBrasil.
Link da publicação: https://www.infomoney.com.br/colunistas/luiz-fernando-figueiredo/qual-sera-a-fatia-para-o-brasil-dessa-guerra-tarifaria/
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.