Folha
Para responder à pergunta do título, comecemos pelo básico: não é o governo quem socorre, mas o contribuinte. O pobre, tributado ao comprar feijão, subsidiará empresas.
Empresa que decidiu concentrar vendas em um só mercado assumiu o risco da baixa diversificação. O fez, provavelmente, porque o lucro seria alto nos momentos bons. Por que a sociedade tem que bancar quando o risco assumido se materializa?
Uma vez criadas, linhas de socorro perduram por anos, mesmo depois de extinta a causa do socorro, como nos casos da desoneração da folha de pagamentos e do Perse.
No caso atual, o impacto concentra-se em algumas cidades, cuja economia depende de uma ou poucas empresas fortemente afetadas pelas tarifas. Para minorar os efeitos nessas comunidades, seria melhor uma ação dos governos estaduais e municipais, que conhecem as realidades locais e podem modular soluções específicas. Comprar alimentos não exportados para distribuir para as escolas pode funcionar num conjunto de municípios contíguos, mas será um desastre logístico se operada pelo Governo Federal.
Seria bem-vindo o redirecionamento de emendas parlamentares para financiar o esforço subnacional. Afinal, os congressistas as defendem dizendo que eles conhecem bem as necessidades locais.
O Governo Federal deve intervir para salvar empregos? Empresas exportadoras estão no mercado formal. Seus trabalhadores são cobertos por seguro-desemprego, FGTS e multa por demissão sem justa causa. O socorro já existe. O fenômeno atual é diferente da pandemia, quando trabalhadores informais e por conta própria foram atingidos em cheio.
A prioridade deve ser a flexibilização dos contratos de trabalho, para que empresas e trabalhadores negociem a manutenção do vínculo. Uma fórmula que deu certo na pandemia. Basta estender a legislação, válida para calamidades públicas, ao caso atual. Com isso, o governo, sem onerar a sociedade, ajudará empresas e trabalhadores a se ajudarem.
Pretende-se ofertar linhas de crédito subsidiado às empresas. Esse socorro também já existe. Os fundos garantidores FGO e FGI-Peac, capitalizados na pandemia, viabilizam, ainda hoje, empréstimos subsidiados que equivalem a 60% do que foi emprestado na crise sanitária, quando se jogou crédito “de helicóptero”, para salvar todos.
O volume de operações existentes é muito alto: R$ 103 bilhões (0,9% do PIB) em 2024. Se forem criar linhas para a crise atual, que reduzam as já existentes.
Preocupam também afirmações de autoridades de que o pacote de ajuda “não terá impacto primário”. Isso não quer dizer nada. O que importa é saber o impacto sobre a dívida pública. Afinal, busca-se resultado primário para conter o crescimento da dívida. Se ela crescer por outros caminhos que não o déficit primário, continuaremos mal arranjados.
Os mecanismos aventados, como crédito subsidiado ou redução de impostos, aumentam a dívida. Mecanismos intrincados para operacionalizar a ajuda, como o uso de saldo de recursos em fundos privados, liberação de superávit financeiro de fundos públicos ou despesas extraorçamentárias são apenas formas de diminuir a transparência do inevitável: o crescimento da dívida.
Por fim, deve-se lembrar que se o governo não tivesse reaberto a negociação já fechada com a União Europeia, por motivos tão equivocados quanto proteger os fornecedores internos do SUS (encarecendo os custos da saúde pública), já poderíamos estar mais avançados na necessária diversificação de mercados, esta, sim, um seguro efetivo e gerador de riqueza.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2025/08/o-governo-deve-socorrer-empresas-afetadas-pelo-tarifaco.shtml
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