O saldo das reuniões durante o encontro anual do FMI/Banco Mundial deixou mais aparente o grau de incerteza que paira sobre a economia mundial
Valor
As reuniões anuais do FMI e Banco Mundial oferecem oportunidades interessantes para as autoridades econômicas dos mais diversos países apresentarem suas avaliações de conjuntura e estratégias de política. Esse ano não foi diferente, em discussões marcadas pela sombra das tensões geopolíticas globais. Com um tom mais positivo, o boom (ou bolha?) de inteligência artificial (IA) começa a ensejar opiniões mais construtivas sobre o crescimento da economia americana. O saldo das reuniões torna ainda mais aparente o grau de incerteza que paira atualmente sobre a economia mundial.
A visão sobre o dólar está sendo reavaliada. O consenso de que a moeda seguiria em franca tendência de depreciação está abalado. Um grupo de investidores e analistas argumenta que, por um lado, a atividade econômica nos EUA tem surpreendido positivamente, impulsionada pelos grandes investimentos em IA, enquanto importantes economias avançadas, como França e Japão, estão envoltas em crises fiscais e/ou de crescimento. Por outro lado, o tamanho do déficit em conta corrente, problemas fiscais, perspectiva de flexibilização monetária, tensões institucionais e a tendência de reversão à média, depois de anos de forte valorização, indicam que o dólar deve voltar a ceder à frente. Mas a convergência de opiniões sobre um período de dólar fraco não existe mais.
Ainda sobre os EUA, mesmo tendo a atividade mostrado surpreendente dinamismo, persistem dúvidas que impedem o retorno do chamado “excepcionalismo”, que prevalecia na virada do ano.
Em primeiro lugar, o desempenho do investimento, que vem contribuindo fortemente para a expansão, depende muito de um único setor: tecnologia. E, dentro deste, do segmento de IA. Faz sentido ser otimista quanto ao potencial transformacional de IA para as atividades produtivas. Mas o ritmo de investimentos parece partir da premissa de que os retornos de um número grande de projetos serão extraordinários. Ainda que sejam de fato excepcionais, uma eventual frustração de expectativas tão grandiosas pode ensejar abruptas e agudas correções de mercado. Não raramente essas tecnologias levam à concentração econômica — “winner takes all”. Isso significa que muitos projetos, que parecem atualmente ser muito atraentes, perigam ficar pelo caminho, ao passo que uns poucos entregariam os retornos almejados. Dado o montante de capital alocado no setor, uma correção de preços de ativos teria implicações severas para os mercados e a economia.
Há também incerteza sobre o real impacto do pacote de políticas adotado desde janeiro. A desregulamentação geralmente favorece o ambiente de negócios e o crescimento, mas restrições à imigração e comércio internacional atuam, ao longo do tempo, na direção oposta. Além disso, inflação elevada e ainda suscetível ao impacto da imposição de tarifas pode limitar a capacidade de resposta do Fed a um possível enfraquecimento mais rápido do mercado de trabalho.
Em relação ao Banco Central, a visão dominante é que a independência será mantida, em linhas gerais. Mas aqui também existe certa incerteza, que pode começar a ser dirimida, ou confirmada, a partir da nomeação do sucessor do atual presidente do Fed, fato que deve ocorrer nos meses iniciais de 2026.
As perspectivas para o crescimento da economia chinesa no curto prazo não têm sofrido grandes alterações. A avaliação dominante nas reuniões em Washington é que a economia está relativamente bem preparada para a disputa comercial com os EUA. Esta percepção deriva do aparente controle exercido pela China sobre a disponibilidade de produtos derivados de terras raras, que são essenciais para diversas atividades industriais. As ainda amplas interconexões entre as economias do G2 sugerem que o diálogo entre as lideranças — a ocorrer antes do final do ano — deve ser construtivo e levar a alguma acomodação e a um novo equilíbrio, mesmo que com tarifas mais elevadas e eventual redução da interdependência. A tendência, em suma, é que as economias dos EUA e China se afastem, mas o processo tende a ser gradual. No processo de transição, ocasionais retrocessos e períodos de intensificação das tensões podem ocorrer, o que tende a adicionar uma camada extra de incerteza ao cenário.
A atividade econômica na China, que também possui um setor de tecnologia dinâmico, segue mostrando sinais de resiliência, em linha com a meta das autoridades para este ano: crescimento de 5,0% — ajudado pelo mais recente pacote de estímulos, equivalente a 0,7% do PIB, anunciado no final da semana passada. Em particular, as exportações e produção industrial têm surpreendido positivamente. Já o setor imobiliário segue mostrando expressivas quedas de preços, evidenciando um ajuste incompleto.
Apesar das incertezas, o cenário pode sustentar certa realocação de recursos para os mercados emergentes, em particular os mais líquidos, com o objetivo de diversificar os riscos. Economias maiores, onde a demanda doméstica tem influência predominante sobre as taxas de crescimento, tendem a ter desempenho melhor do que as economias menores e mais abertas. No caso do Brasil, não só existem esses fatores, bem como taxas de juros bastante elevadas para o padrão internacional, que aparentemente compensam as fragilidades fiscais e de balanço de pagamentos. Com isso, a moeda brasileira deve manter sua atratividade relativa. A dúvida, neste momento, se refere mais à trajetória do dólar global.
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