Carlos Ari Sundfeld e Conrado Tristão
Jota
A Constituição de 1988 conferiu importantes atribuições aos municípios, sobretudo em áreas conectadas a direitos fundamentais como educação, saúde e assistência social.
A realização de direitos básicos pelas administrações municipais requer, naturalmente, uma grande quantidade de pessoal. É por isso que, segundo a última edição da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, entre agosto de 2022 e fevereiro de 2025 mais de 43% dos 5.570 municípios brasileiros realizaram concursos públicos.
Acontece que concurso público não é coisa simples. Apenas para colocar um edital de concurso na rua, é preciso: planejar todas as etapas do certame; identificar os conhecimentos, habilidades e competências necessários ao exercício dos postos a serem providos; decidir sobre os tipos de prova e os critérios de avaliação mais adequados à seleção; definir o conteúdo programático, as atividades práticas e as habilidades e competências a serem avaliados; decidir sobre o uso de avaliação por títulos; e, enfim (ufa!), fazer publicar o edital.
Foi atenta a esse desafio que a Lei Nacional dos Concursos Públicos (lei 14.965 de 2024) autorizou a seleção carona, permitindo aos municípios o aproveitamento de concursos públicos realizados por outros entes. Mas do que se trata?
O aproveitamento de candidatos aprovados em concursos realizados por outros entes não é novidade no Brasil. Contudo, devido à falta de regramento, a prática era vista com desconfiança, e aceita apenas de maneira bastante restrita. O Tribunal de Contas da União, por exemplo, entendia que o aproveitamento era possível, mas apenas para “cargos que tenham seu exercício previsto para as mesmas localidades em que tenham exercício os servidores do órgão/entidade promotor do certame” (acórdão 1.618/2018 – plenário).
A desconfiança foi abalada quando, em 2023, o Conselho Nacional de Justiça lançou o Exame Nacional da Magistratura, aplicado como etapa comum obrigatória para os concursos da Justiça Estadual, Federal, do Trabalho e Militar de todo o Brasil. A ideia pegou, e o exame já está em sua quarta edição.
Em 2024, sob inspiração de iniciativas como a do Conselho Nacional de Justiça, fomos além, e a Lei Nacional dos Concursos Públicos trouxe autorização geral para que qualquer ente público, em âmbito nacional, delegue a realização de concurso a ente diverso, inclusive pertencente a outro ente federativo.
Nos termos da lei: “o planejamento e a execução do concurso público poderão, por ato da autoridade competente para autorizar sua abertura, ser atribuídos a (…) órgão ou entidade pública pertencente ao mesmo ente federativo ou, excepcionalmente, a ente diverso, que seja especializado na seleção, na capacitação ou na avaliação de servidores ou empregados públicos” (art. 4º, II).
Na prática, isso significa que municípios, por meio da delegação, podem pegar carona em concursos públicos realizados por entes estaduais ou até federais, utilizando-os para a contratação de seus próprios servidores.
A possibilidade de seleção carona já tem permitido importantes avanços em áreas de grande relevância para os municípios. Exemplo pioneiro é a Prova Nacional Docente, que o Ministério da Educação acaba de aplicar em todo o Brasil.
A Prova Nacional Docente foi instituída pelo decreto 12.358 de 2025 “com o objetivo de subsidiar a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nos processos de seleção e de ingresso no magistério da educação básica pública” (art. 7º), podendo ser utilizada por tais entes “como mecanismo único ou complementar de seleção nos editais próprios para a admissão de docentes” (art. 8º).
Ao que tudo indica, a iniciativa foi bem-sucedida, já que a prova contou com a adesão de 1.508 municípios, além de 22 estados.
Vale lembrar que a seleção carona é possível não apenas em concursos públicos, mas para a seleção de pessoas em geral. Isso porque a Lei Nacional dos Concursos Públicos é expressa ao facultar sua aplicação a processos de seleção pública diferentes do concurso, como, por exemplo, os processos seletivos para a contratação de pessoal temporário (art. 1º, § 4º).
Foi exatamente o que fez o município de São Paulo. A Secretaria Municipal de Educação, ao aderir à Prova Nacional Docente, valeu-se da Lei Nacional de Concursos Públicos e pegou carona em relação tanto aos “concursos públicos para ingresso no magistério municipal”, quanto aos “processos seletivos para a contratação por tempo determinado de professores” (portaria 6.438 de 2025).
A Lei Nacional dos Concursos Públicos foi editada com atenção às necessidades de pessoal dos municípios. A seleção carona é instrumento seguro para auxiliar as administrações municipais a otimizarem suas contratações a partir do aproveitamento de processos seletivos realizados por outros entes. Agora experiências como o Exame Nacional da Magistratura, e a Prova Nacional Docente, têm tudo para se multiplicar.
Muita gente ainda não percebeu, mas a Lei Nacional dos Concursos Públicos viabiliza a ampla modernização dos concursos e seleções. É uma revolução. Ela ainda não é obrigatória, mas já pode ser aplicada por todos os entes estatais. Não há mais tempo a perder.
Link da publicação: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/funcao-publica/municipios-podem-aproveitar-concursos-publicos-de-outros-entes
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