O tema aqui não é o ‘fim do mundo’, mas qualidade de vida, segurança econômica e resiliência das cidades e cadeias produtivas
Candido Bracher, Fabio Barbosa, Horácio Piva, Jayme Garfinkel, Pedro Bueno, Pedro de Camargo Neto, Roberto Klabin e Walter Schalka
Estadão
A idade da pedra não terminou por falta de pedras, mas porque surgiram tecnologias superiores. De modo análogo, a transição para uma economia de baixo carbono avança não por imposição de ambientalistas, mas porque novas soluções já se mostram mais eficientes e competitivas. Trata-se de um movimento que abre portas para oportunidades econômicas que antes não existiam, e convida países e empresas a planejar o futuro com pragmatismo e visão de longo prazo.
O debate reacendido pelo editorial deste jornal (O problema da utopia climática, 3/11, A3) e pela carta de Bill Gates (Three tough truths about climate) oferece a chance de olhar para esse movimento não como um campo de disputa ideológica, mas como parte das transformações concretas do século 21. A partir desse enfoque construtivo, apresentamos três reflexões centrais.
Primeiro, é preciso superar a inércia do pensamento. Persiste a crença de que o modelo extrativista do século 20 permanece viável. O desafio agora é desacoplar desenvolvimento do uso intensivo de recursos finitos. Não se defende pobreza nem baixo crescimento, e sim bem-estar e expansão econômica com menos desperdício, mais eficiência e melhor uso de solo, água e energia. A escassez e volatilidade desses recursos já pressionam custos e fragilizam cadeias produtivas. Boa política econômica preserva capital natural para sustentar produtividade, renda e qualidade de vida no longo prazo.
A visão de que a agenda climática seria “entrave” ignora que a transição cria oportunidades econômicas. Em vários mercados, solar e eólica já são as fontes mais baratas para a nova geração elétrica. Projeções apontam mais de 40 milhões de empregos em renováveis e eficiência energética até 2050, superando as perdas de vagas no setor fóssil. Investidores já incorporam risco climático às suas análises e deslocam capital para ativos compatíveis com metas de descarbonização. O Brasil reúne vantagens únicas e soluções exportáveis para ajudar o mundo a reduzir emissões, da agricultura aos biocombustíveis, passando por florestas, minerais críticos e manufatura limpa – temas centrais da COP em Belém.
Segundo, é preciso ajustar a lente do debate sobre prioridades de gasto. Não há evidência de que soluções climáticas estejam desviando recursos de outras áreas urgentes. A filantropia climática representa apenas 2% das doações globais, muito aquém das necessidades de financiamento. Já o gasto bélico e militar é o maior em 40 anos; o investimento em combustíveis fósseis cresceu 28% desde 2020; e aportes em inteligência artificial duplicaram em três anos para US$ 130 bilhões em 2024. Não tem amparo nos fatos a ideia de que o clima drena dinheiro de outras questões urgentes.
Terceiro, há o risco da procrastinação tecnológica. Apostar que “o futuro resolverá” serve, na prática, para postergar soluções já maduras. Décadas após as primeiras evidências científicas ligando carbono ao aquecimento, ainda não existem, em escala comercial e custo viável, tecnologias de sequestro de CO2 na magnitude necessária. Geoengenharia e captura direta podem eventualmente ter papel complementar, mas ainda são caros e de difícil implantação. Não substituem renováveis, eficiência, reflorestamento e melhor gestão do uso da terra.
Ao minimizar a urgência climática, declarações públicas podem produzir efeitos contraproducentes: empresas adiam a descarbonização aguardando “soluções mágicas”, e governos recuam de políticas pró-competitividade. O custo disso é tempo perdido – e tempo, em transição tecnológica, é vantagem competitiva.
O tema aqui não é “fim do mundo”, mas qualidade de vida, segurança econômica e resiliência das cidades e cadeias produtivas. Precisaremos de energia, água, saneamento, conectividade e materiais mais resistentes, melhor gestão de estoques e reservas energéticas e sistemas capazes de enfrentar eventos extremos. Quebras de safra pressionam a inflação de alimentos; poluição do ar onera o sistema de saúde; eventos climáticos extremos geram perdas humanas e fiscais – como no Rio Grande do Sul e no Pantanal. Esses impactos afetam justamente o que se classifica como “mais urgente”. Mitigação e adaptação são partes da política de crescimento, não seus antagonistas.
Não se trata de empurrar o ônus para o Estado ou ao setor privado. Esta é uma agenda de coalizão, como, aliás, há um ano nós defendemos publicamente: Executivo, Legislativo, Judiciário, empresas e sociedade alinhados por metas claras de mitigação e adaptação, com efeitos de curto prazo (emprego, saúde, contas de luz) e benefícios estruturais (produtividade e segurança energética). O momento exige mais engenharia e menos desculpas; mais inovação e menos inércia. Assim, não “salvaremos o planeta” em abstrato: melhoraremos a vida das pessoas e colocaremos o Brasil na fronteira do crescimento inclusivo. Suavizar a urgência climática e ignorar as oportunidades econômicas, especialmente num país com nossas desigualdades e vantagens competitivas, tem um custo invisível: atrasa decisões e encarece o futuro.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/transicao-verde-revolucao-economica-inadiavel/
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

