Novo presidente do banco diz que atuação no Brasil terá Iniciativa da Amazônia como prioridade
Valor
O presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o economista brasileiro Ilan Goldfajn, afirma que pretende fazer uma gestão voltada para o “diálogo e busca de pontos em comum”, em meio à polarização política que afeta não só o Brasil, mas várias partes do mundo.
Ilan fez ontem o seu discurso solene de posse e adiantou em entrevista ao Valor quais serão as suas prioridades no cargo, que formalmente assumiu em 19 de dezembro: combate à pobreza e aos vários tipos de desigualdade; mudanças climáticas; e projetos de infraestrutura, com uma atenção especial para a integração entre países.
Nesta semana, o ex-presidente do Banco Central divulgou declaração condenando os atos violentos contra a democracia em Brasilia “Os eventos fizeram eu ter uma convicção adicional de que, nesse mundo cada vez mais polarizado, e cada vez mais de extremos, temos que ter uma instituição que seja do diálogo”, afirma. “Uma gestão que consiga encontrar os pontos de ligação, não os pontos de diferença.”
BID tem uma visão de que podemos [na América Latina e Caribe] ser o centro para a produção de energia limpa”
Nos últimos anos, a polarização chegou dentro do próprio BID, com o presidente anterior, Maurício Claver-Carone, apontado pelo então presidente americano Donald Trump. No organismo, ele levou adiante uma agenda divisão, entre a China e os Estados Unidos, esquerda e direita. Acabou demitido em setembro, depois que uma investigação apontou que ele mantinha uma relação amorosa com uma subordinada.
Uma das tarefas de Ilan será justamente resgatar a moral do corpo técnico do organismo, que foi abalada. “Será uma administração que vai prestigiar o diálogo, a capacidade de escutar e ouvir opiniões diferentes, de ter respeito não só pelo que cada um diz, mas as vezes pelas diferenças de opinião”, diz Ilan. “Isso vai trazer de volta a motivação.”
Na agenda de trabalho de Ilan, está a discussão de um possível aumento de capital do organismo, que vem sendo defendido pelo seu maior sócio-contribuinte, os Estados Unidos, para financiar projetos ligados a mudanças climáticas no braço que financia o setor privado, o BID Invest.
Eu acho que é uma questão simbólica, o presidente do BID brasileiro, liderando um projeto da Amazônia”
Nas prioridades para o Brasil, Ilan destaca a Iniciativa da Amazônia, um projeto que já está em andamento, que conta com apoio de doadores como Alemanha, Holanda e Espanha. “Eu acho que é uma questão simbólica, o presidente do BID brasileiro, liderando um projeto da Amazonia num momento em que a região pode querer ir também para esse caminho”, disse
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: O antigo presidente do BID foi afastado em meio a um escândalo, e o corpo técnico está bastante machucado. Qual é o seu plano para resgatar o organismo?
Ilan Goldfajn: É voltar a ter uma gestão com transparência, credibilidade, com prestação de contas. Será uma administração que vai prestigiar o diálogo, a capacidade de escutar e ouvir opiniões diferentes, de ter respeito não só pelo que cada um diz, mas pelas diferenças de opinião. No mundo de hoje, a gente viu no Brasil há pouco tempo, a polarização leva a extremos. Então é uma gestão de busca de pontes, consenso, os pontos em comum. Isso vai trazer de volta, digamos, a motivação de todo mundo. Isso já está acontecendo, por mais que pareça incrível. Com poucas semanas, a recepção que eu estou tendo é muito boa. O BID tem me recebido de braços abertos. Estou sentindo uma grande recepção para esse tipo de mudança que vai elevar a elevar moral, o orgulho de volta. Cada um aqui está disposto a trabalhar para servir a milhões de pessoas.
Valor: Esse não foi o primeiro escândalo nos organismos multilaterais de Washington, o Fundo Monetário Internacional (FMI) teve sua cota. Não tem algo que precisa fazer para mudar isso?
Ilan: Não acho que essas questões são específicas de Washington, dos organismos internacionais. Se você olhar o que está acontecendo no mundo em geral, tem sempre algo que é revelado e que acontece. Isso tem a ver com o aumento do olhar de todo mundo, com muito mais cuidado a tudo. Você tem conselhos. E, quando a gente fala de setor público, o olhar é cada vez mais é intenso. Não existem mais instituições que são fechadas em si mesmas e que não têm a obrigação de se explicar, de mostrar, de revelar. Respondendo diretamente a sua pergunta, sim, temos que olhar não só mudança de postura, gestão e recuperar a confiança, mas sim olhar a governança. Será que tem a governança correta? Será que você está dando os incentivos corretos? Isso, claramente, vai fazer parte da busca da gestão.
Valor: O sr. preparou o seu de posse. Qual são os dois ou três assuntos que estão no topo das prioridades?
Ilan: Eu destaco três blocos relevantes de atuação: social, mudanças climáticas e infraestrutura. O primeiro bloco é o núcleo do que o BID faz, que são todas as questões sociais. Não é coincidência. Essa é uma demanda cada vez maior da região. As sociedades estão pedindo melhores bens públicos, que sejam atendidos melhor, mais proteção social, mais saúde, mais educação. Infelizmente, houve uma volta da pobreza nos últimos tempos, desde a pandemia. A desigualdade renda é bem importante, mas tem a desigualdade de gênero, a desigualdade racial. São questões que estão cada vez mais demandadas pelas sociedades. O BID, nos seus projetos e no seu arcabouço, quer participar. E tem uma questão conjuntural, e estrutural também, que se chama em Washington de insegurança alimentar. No Brasil é a fome, como chamamos. A insegurança alimentar tem atingido milhões de pessoas com a pandemia, o aumento do preço dos alimentos e da inflação.
Valor: Como o BID vai atuar, concretamente, nesses temas da fome e desigualdade?
Ilan: Primeiro, pode difundir as redes de proteção social. Por exemplo, o Bolsa Família, ou seja o nome que se dê para esses programas em outros lugares, não é difundido. Poucos têm cadastro, em poucos lugares você consegue chegar nos que precisam mesmo. Mesmo no Brasil tem onde melhorar. Então, difundir como proteger essa população é muito relevante. Ao mesmo tempo é fundamental ter a capacidade fazer chegar os alimentos nos lugares corretos. Muitas vezes não tem o transporte. A América Latina, e você conhece bem o Brasil, tem lugares em que é difícil chegar. O BID tem todo um projeto nessa área, não estou inventando nada, só priorizando coisas que já existem. Projetos que envolvem custos de transporte, logística, cadastros, programas, plataformas, tudo isso são questões muito importantes para o BID. No tema da desigualdade, e não só de renda, tem todo um esforço de como fazer os projetos terem a diversidade desejada.
Valor: Como será a atuação do BID nas mudanças climáticas?
Ilan: Cada vez mais, a prioridade regional – que tem o olho do mundo também – são as questões climáticas, o aquecimento global. Todo mundo entende que nós temos que trabalhar para reduzir o uso carbono. É importante fazer projetos que financiem energia limpa. O BID tem uma visão de que podemos [na América Latina e Caribe] ser o centro para a produção de energia limpa, porque nós temos os recursos naturais e a capacidade. Você tem todo o espaço para trabalhar num bem regional, mas que é um bem público global também. Isso é uma inserção regional, da América Latina e Caribe, no mundo. O BID tem que ser o líder que leva essa visão, esse incentivo para o mundo. Infelizmente, a questão da do aquecimento global não é uma teoria para a região. Nós temos eventos climáticos cada vez mais frequentes, como na América Central e Caribe, com tormentas que geram uma perda para esses países. Há países que têm perda de 25% do PIB, 50% do PIB. Antes isso acontecia a cada dez anos, agora acontece a cada três. Isso muda completamente a natureza da forma como você tem que reagir. Então, uma segunda parte do tema do clima é como o BID vai fazer para ajudar esses países. E fazer tudo isso com agilidade, para entrar em campo em tempo de ajudar os países.
Valor: Qual vai ser o foco na atuação na área de infraestrutura?
Ilan: A região busca aumento de produtividade, busca aumento de crescimento e investe pouco em infraestrutura. Então, uma organização como o BID, que tem a capacidade de investir no longo prazo, de entrar com o bem público, tem que entrar na infraestrutura digital e na infraestrutura física também. Principalmente em projetos regionais. É, às vezes, factível países terem projetos nacionais. Você consegue financiar, fazer chamado para o projeto. É difícil, mas consegue. Quando você tem projetos que saem de um país e vão para outro e beneficiam a região, ou uma sub-região, é mais difícil coordenar. Eu não consigo ver uma instituição que tem uma vantagem comparativa maior do que o BID, que é um órgão regional.
Valor: O sr. divulgou uma mensagem recentemente nas mídias sociais condenando os atos violentos em Brasília. No Peru, também tem instabilidade com atos de violência. A democracia na América Latina está sob pressão. Esse será um tema importante na agenda do BID?
Ilan: Os eventos fizeram eu ter uma convicção adicional de que, neste mundo cada vez mais polarizado, e cada vez mais de extremos, temos que ter uma instituição que seja do diálogo. Não só internamente. Uma gestão que consiga encontrar os pontos de ligação, não os pontos de diferença. Os eventos que aconteceram reforçaram a ideia de que nós precisamos de instituições, e uma instituição como o BID, que fomentem o diálogo, as pontes, os pontos em comum. Nós temos diferença de opinião no BID entre membros regionais e não regionais, norte e sul, pequenos e grandes. Só que nós temos muito mais coisas em comum. Acho que minha liderança pode ser uma liderança que puxe para isso. Indo na questão do Brasil, nós condenamos os acontecimentos. Nós falamos que isso era um ataque à democracia, às instituições democráticas, e portanto um ataque a toda a América Latina e o Caribe. Estamos todos juntos com o povo brasileiro na defesa das instituições e da democracia.
Valor: A China aumentou muito seu financiamento à América Latina. A China será um parceiro ou uma ameaça à região?
Ilan: Novamente, vamos ser uma instituição dos consensos, dos diálogos, uma instituição que vai privilegiar a região, o que a região precisa. Além da questão, obviamente, das prioridades que eu coloquei, também há questões institucionais importantes. Por exemplo, a questão do Estado de Direito nos países, regras estáveis, boas práticas, tudo isso são valores que diria que estão subentendidos e que devem fazer parte de todos os projetos na região.
Valor: Alguns países na região estão atravessando crises de balanço de pagamentos. O BID poderá atuar fornecendo ajuda ao financiamento externo?
Ilan: O BID tem as suas prioridades, é um banco de desenvolvimento, que vai olhar com bastante cuidado a questão da efetividade dos seus projetos. Ele tem que ter impacto sobre o desenvolvimento, sobre a pobreza, desigualdade, segurança alimentar, educação, infraestrutura. Tem que olhar o resultado final dos projetos. É uma questão que nós vamos olhar com muito cuidado. Eu cheguei aqui e li uma avaliação do nosso órgão de avaliação externa sobre a efetividade dos projetos. É basicamente saber se o projeto chegou ao final, se acabou ou não, se ele chegou nas metas que você queria. Eles chegaram à conclusão que 53% dos projetos têm um rating positivo. Quando eu olho isso, vejo que tem muito o que fazer aqui. Temos que olhar se os empréstimos estão de fato conseguindo as metas, se a gente está medindo as metas corretamente, se a gente está colocando os incentivos corretos para os membros e o BID gerarem o que a gente precisa. Eu digo isso porque a gente tem que ter um olho que vai além do da quantidade de recursos. Tem que olhar se, de fato, você está conseguindo o objetivo último, que é desenvolvimento.
Valor: Qual é a sua posição sobre as propostas de aumento de capital do BID?
Ilan: Eu estou chegando num momento em que já há um comando de fazer planos de crescimento para o BID Lab e o BID Invest. O BID Invest é o braço privado do BID. É o que financia o lado privado, e o BID Lab é o que financia as inovações, as start-ups da região. Eu acho que esses são claramente o início desses projetos de crescimento que podem levar aumento de capital. Então, você começa com o lado privado. Quando a gente busca diálogo, consenso, pontes, esse é o lugar em que você tem um início que me parece mais ágil e rápido. No BID, digamos, público, devemos pensar no crescimento baseado, no começo, na efetividade. Ou seja, você tem que mostrar que está usando os recursos da melhor forma possível, os recursos já existentes. Então, eu preciso trabalhar esse projeto de efetividade. E, novamente, não estou inventando a roda. Já tem essa questão de efetividade sendo falada há algum tempo. O que eu vou fazer é dar prioridade nisso, dar um outro olhar nisso e olhar a afetividade. Também eu vou olhar o uso do capital existente. Existem um arcabouço, digamos, global aqui que chamamos de “capital adequacy”, a adequação do capital, em que você otimiza o uso capital com o uso de instrumentos, você consegue alavancar o capital que você já tem hoje. A gente tem que trabalhar nisso e, com essa base sólida, a gente pensa no crescimento futuro.
Valor: Tem uma crítica de que o BID tem uma forte aversão a risco, a fazer empréstimos para o setor privado. Seria possível mudar isso?
Ilan: Se você olhar o crescimento do BID Invest, os empréstimos para o setor privado, é o braço que mais cresceu. Então, na verdade, esse lado está gerando flores e frutos. O que, sim, há é o esforço para que esse financiamento ao setor privado gere o impacto nas medidas que você quer afetar. Então o que significa isso? Você tem que olhar se esses empréstimos, além de gerar o retorno privado, eles geram o retorno público, se está gerando um bem público. E muitas vezes geram externalidades.
Valor: Quais iniciativas o sr. destacaria para o Brasil?
Ilan: Dentro da área do clima, não podemos nos esquecer o esforço da biodiversidade, a questão do desmatamento, das florestas. Tem que dar um foco importante para a região amazônica. É o lado da América Latina e Caribe onde, de fato, esse assunto é mais importante. Tem um olhar regional para isso, mas tem um olhar global, onde o BID pode fazer a diferença. Eu acho que é uma questão simbólica, o presidente do BID brasileiro, liderando um projeto da Amazônia num momento em que a região pode querer ir também para esse caminho. A BID tem a Iniciativa Amazônia, que é uma forma para o desenvolvimento integral para a Amazônia, com apoio na bioeconomia, na estrutura sustentável, na pecuária, na gestão florestal, no capital humano.
Valor: Tem algum contato com o novo governo brasileiro?
Ilan: Minha inauguração é hoje [quinta-feira] e estou publicando minhas prioridades. Vamos discutir internamente, com a região, essas prioridades. Venho aqui, de novo, num espaço de diálogo. Eu vou oferecer uma visão e as prioridades que vão ser discutidas internamente, mas também com a região. A questão da Amazônia é algo que a gente está oferecendo no BID como um canal relevante para avançar.
Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/01/13/bid-vai-focar-combate-a-pobreza-e-mudancas-climaticas-indica-ilan.ghtml
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